Que as dimensões do campo de futebol não se alteraram, isto não é novidade para ninguém. A recomendação ideal da FIFA para as dimensões do campo são 105x68m. Ainda que haja margem para que estes tamanhos sejam alterados, a grande maioria dos campos oficiais respeita aquela metragem “pré-estabelecida”.
O que salta à vista hoje em dia é como o futebol mudou de alguns anos para cá. O futebol evoluiu muito do ponto de vista tático e, quando menciono esta palavra, me refiro à etimologia desta, a qual vem do grego “taktiké”, que significa: gestão do tempo e do espaço (neste caso, no jogo).
Quer se especializar em categorias de base? Vem aí o curso do FootHub sobre gestão, formação de atletas, metodologias e outros conceitos da área!
Deixe seu nome na lista de espera e receba as informações em primeira mão!
Nas licenças da CBF estudamos conteúdo sobre espaços no futebol. Um deles é que o futebol contém apenas quatro espaços: internos, externos, profundos e “de segurança” (representação abaixo). Ou seja, de acordo com o bloco defensivo adversário, os espaços ficam mais ou menos expostos, dependendo da sua compactação/concentração.
Estamos em 2022, ano de Copa do Mundo do Qatar. Já assistiram os jogos da Copa de 2002 na Coréia/Japão? Vejamos algumas diferenças espaço-temporais.
Em 2002, a Inglaterra jogava com 4-4-2 clássico (2 linhas de 4), variando para 4-4-1-1 ou 5-3-2 (como na imagem abaixo). No jogo Brasil x Inglaterra pelas quartas de final daquela Copa do Mundo, constatamos um espaçamento vertical que seria impensável nos dias de hoje. O espaço entre as linhas do lateral direito inglês até o último atacante tinha aproximadamente 50 ou 60 metros. Observem como o próprio lateral direito não acompanhava a linha defensiva para usar a regra de impedimento a seu favor e diminuir o espaço profundo adversário, tendo como referência meramente a marcação individual do lado esquerdo brasileiro.
Além disso, observamos dois jogadores brasileiros com muito espaço no entrelinhas inglês, um deles sendo o próprio Ronaldo. Hoje em dia seria possível “deixar” este espaço para um jogador desta qualidade com tanto espaço e tempo? Acho pouquíssimo provável, sinceramente. Para completar a informação, vejamos novo exemplo, desta vez com a Inglaterra com duas linhas de quatro e a dupla Ronaldo e Rivaldo tendo um raio de praticamente 5 metros de liberdade:
Ainda podemos ver um exemplo de que a pouca compactação não é apenas a nível vertical. Do ponto de vista da compactação lateral, também havia muito espaço a ser descoberto por parte da equipe que possuía a bola. Vemos na situação abaixo que a seleção brasileira, com posse de bola na transição da primeira para a segunda fase de construção, tinha muito espaço para jogar nos espaços internos da seleção inglesa, pois os três jogadores de meio de campo estavam abertos nas linhas, deixando a equipe completamente desprotegida.
Isto nos remete à ideia tão debatida nos últimos tempos sobre a escassez do 10 e do 9 no futebol. A verdade é que, há 20 anos, o 10 e o 9 tinham um espaço interno muito maior do que se tem hoje, principalmente pelos espaços internos que ficaram menores/mais compactados. Isto pode ser representado pelos espaços de criatividade que esses jogadores tinham (hachurado na imagem abaixo).
Já hoje em dia, como vemos no exemplo seguinte, entre Estados Unidos x País de Gales, estes espaços mudaram drasticamente por causa desta compactação. Como a tática se refere à gestão do tempo e do espaço e o tempo não é controlado, apenas resta controlar o espaço do adversário, compactando as linhas de forma vertical e horizontal. Este comportamento se mantém independentemente se a equipe adversária estiver com bola pelo centro ou pelos lados, como vemos abaixo:
Como podemos ver, a preocupação de deixar os espaços externos para a equipe adversária e fechar os espaços internos é evidente no futebol atual. Isto se deve por um motivo tão simples quanto a regra: nas laterais não se pontua, logo liberta-se este espaço ao adversário em detrimento do espaço interno. É ali que deve haver a prioridade de não deixar a bola e o adversário serem infiltrados. Sendo assim, os espaços de criatividade nos dias de hoje (hachurados na imagem abaixo) se definem da seguinte forma:
É claro que as imagens acima utilizaram a estrutura de 4-4-2, mas, mesmo com estruturas diferentes (como a equipe de Gales), dificilmente os espaços laterais ofensivos conseguem ser preenchidos com eficácia. No caso do 4-5-1, por exemplo, se fecha o lado da bola, mas sempre se deixa o lado oposto para o adversário, pois, como já falamos anteriormente, a gestão espaço-temporal é realizada para que feche o espaço da bola até que haja, por exemplo, uma virada de jogo. Neste caso, este movimento possibilita que a linha já bascule para o outro lado do campo.
Uma outra adaptação dos sistemas para fortalecer os espaços internos pode ser baixar um jogador do meio-campo para a defesa, formando uma linha de 5 ou até mesmo de 6, tudo em prol de defender a própria meta. Se formos refletir, uma linha de 6 jogadores, com 68 metros de largura de campo, deixa um espaço mínimo para o adversário ocupar, mesmo tentando dar amplitude máxima. Talvez seja até o caso de avaliar se vale a pena usar esta estrutura.
E agora eu deixo a reflexão: em 2022, quais posições são mais caracterizadas pela criatividade no jogo? Extremos e volantes passaram a ser os jogadores de destaque justamente por disporem destes espaços a seu favor, como é o exemplo de Neymar, Vinicius Jr., Gabriel Martinelli, Raphinha (extremos); Fabinho, Casemiro e Thiago Alcântara (volantes). Além disso, mesmo jogadores que jogam centralizados como referências (centroavantes), tendem a cair pelos lados no futebol moderno justamente para aproveitar mais este espaço lateral ofensivo e gerar instabilidade para a defesa adversária através de rupturas de dentro para fora. Jogadores como Rodrygo e Richarlison costumam realizar estes movimentos com maestria.
Do ponto de vista defensivo, o que podemos dizer é exatamente como começamos esta coluna: os espaços do jogo não se alteraram, apenas mudaram de prioridade.
Texto de Léo Monteiro.