No início de 2019 recebi de presente o recém-lançado e excelente livro “Gestão do Amanhã: Tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4a Revolução Industrial”. Os autores José Salibi Neto e Sandro Magaldi trazem um panorama dos modelos de gestão já utilizados pelas indústrias, estratégias para a condução de organizações, uma crítica muito interessante ao atual modelo educacional e um conceito que diz que as empresas devem ter dois motores de crescimento.
Salibi Neto e Magaldi apresentam esse conceito criado pela consultoria Bain & Company: Dois motores de crescimento. Para os autores, toda empresa (e por que não os clubes de futebol?) deve contar com esses motores.
- Motor 1 é o negócio principal com foco na operação atual, excelência operacional, alta produtividade na geração de resultados, monitoramento constante na redução de riscos para operação e muita disciplina.
- Motor 2 se caracteriza por focar no futuro do negócio através de iniciativas inovadoras. Objetivo de dar sustentabilidade a longo prazo no negócio. Nesse motor é preciso ter mais propensão aos riscos e erros.
O ponto principal é que os dois devem trabalhar em sinergia, equilibrando resultados (motor 1) e futuro (motor 2) dentro do mesmo contexto organizacional, pois o motor 2 por si só não se sustenta e o motor 1 sozinho irá parar no tempo.
É a partir desse conceito dos dois motores que esse artigo se desenvolve e continua falando sobre inovação no futebol. No último texto comentei sobre a inovação não ser apenas tecnologia, citando casos de melhorias de processos e exemplos de parcerias com outras empresas que trouxeram seus conhecimentos e, é claro, novas tecnologias. Porém, nem todos os clubes dispõem de recursos financeiros e muitos ainda sofrem de resistências internas quando o assunto é inovar, justamente utilizando o argumento de falta de recursos como escudo para barrarem transformações.
Então como podemos usar esses conceitos de crescimento no futebol?
Antes de mostrar os dois motores de crescimento com exemplos, acredito ser necessário abordar a cultura de inovação, pois ela é determinante para que várias iniciativas e aplicações de conceitos sejam colocados em prática em um clube de futebol. Diversos autores explicam sobre como desenvolver uma cultura de inovação como Clayton Christensen, Greg Satell, Larry Keeley, Peter Drucker, entre outros. De uma forma mais resumida, gosto de apresentar 04 pontos indispensáveis para essa cultura de inovação ser perene em um clube ou empresa:
- Líderes inovadores e inspiradores;
- Construir uma cultura que estimule e sustente a inovação;
- Inovação faz parte da estratégia do clube;
- Todas as áreas e colaboradores são integrantes da inovação (e não apenas um departamento específico).
A partir desses pontos, é possível trabalhar com alguns pilares fundamentais na inovação como:
- Tolerância ao erro, mas nunca à incompetência;
- Disposição para experimentar com disciplina, respeitando os recursos (humanos, financeiros e de tempo);
- Comunicação fluída;
- Colaboração com responsabilidades (Delegar! E não delargar).
Quando falei sobre cultura de inovação em uma palestra, uma pergunta poderia aparecer, como de fato aconteceu: OK! Na teoria é bem bonito, mas o clube onde estou não tem nada disso de forma organizacional, apenas algumas pessoas com boas ideias e sem autonomia. O que posso fazer?
Uma resposta: Quick Win!
Com um conceito simples, Quick win é uma vitória rápida, ou seja, pequenas melhorias em curto prazo que podem trazer grandes benefícios para o clube.
Na parte administrativa de um departamento de futebol existem várias formas em melhorias contínuas como atualização e sistematização de planilhas e formulários, otimizar a comunicação entre áreas, aprimorar o fluxo de informações, eliminação de etapas e processos desnecessários, entre outros.
Trazendo para mais próximo do campo, é possível pensar no motor 2 de crescimento e na inovação com ações que beneficiem os atletas em sua formação integral como ser humano através de parcerias sem custos. Cito dois exemplos que tive a oportunidade de criar com outros colaboradores no Athletico Paranaense.
Em 2018, a parceria com a editora Grande Área destinou 30 livros sobre futebol para os atletas das categorias de formação do clube. Tal iniciativa foi tomada após uma pesquisa com os clientes internos (os atletas) que mostrou um interesse de quase 40% em leituras sobre futebol.
Em 2019, aproveitando a entrada da Yellow no país, foi firmada uma parceria de uso de 30 bicicletas para atletas e colaboradores do CAP dentro do Centro Administrativo e Técnico do Caju. Duas ações simples, sem custos, mas com uma repercussão interna incríveis, principalmente por poder contribuir com o desenvolvimento dos atletas do clube.
Agora, entrando de vez no campo, um exemplo do motor 2 de crescimento: O projeto Multiesportes do CAP. Dentro da semana de atividades da Iniciação Desportivas (Sub-10 ao Sub-13), as crianças (e não atletas) são estimuladas a criarem soluções originais e criativas através das experimentações de vários esportes. O objetivo é desenvolver os repertórios cognitivo e psico-motor, pois precisam pensar em estratégias de jogos de diversos modos. Com isso, além do futebol, os meninos praticavam Badminton, Capoeira e Basquete durante dois dias da semana.
Existem diversos artigos científicos que abordam sobre os benefícios dessas práticas e um livro recém-lançado (e indicado pro Bill Gates) conta um caso comparativo entre as infâncias de Tiger Woods – que sempre treinou golfe – e Roger Federer – cuja adolescência foi jogando críquete, futebol, basquete, badminton e depois tênis. O livro: Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas?
Ainda dentro do tema multiesportes, outro exemplo interessante é do atacante norueguês Erling Haaland (Borussia Dortmund). Praticou durante a infância e adolescência diversos esportes como atletismo, handebol e esqui. Em 2006, bateu o recorde mundial de sua idade na modalidade salto em distância sem impulso e quase foi convocado para a seleção nacional de handebol, mas optou por seguir no futebol. É possível ler mais sobre a história do jogador na matéria do Alexandre Senechal, na Veja.
Com podemos ver, o mais importante é estabelecer dentro da rotina algumas práticas inovadoras, criando credibilidade com as suas pequenas e rápidas vitórias. Depois, a disseminação de uma cultura de inovação e dos motores de crescimento terão grande apoio quase que de forma espontânea.
Por fim, trago outros exemplos do mercado brasileiro de futebol que vem trabalhando com os motores de crescimento. Em uma palestra que assisti de Sandro Magaldi, ele exemplificou alguns modelos de Motor 2 dentro de uma cultura de transformação digital. Abaixo faço um paralelo de iniciativas de clubes e empresas esportivas dentro desses modelos:
Tipos de Modelos de Motor 2 de acordo com Magaldi e a aplicação no futebol:
- Programa de aproximação com startups: Vozão Conecta – Ceará
- Presença em coworking: Cruzeiro + WeWork
- Espaços de Inovação da sua indústria: Sportheca
- Desenvolvimento de Laboratório de Inovação: Furacão Next (antigo CAPLab) e Santos Innovation Hub
Encerro essa primeira série de artigos (pode ler os anteriores aqui e aqui) falando sobre a inovação no futebol com uma frase do professor da ESPM, Pedro Waengertner: “As empresas de ponta não inovam por meio da tecnologia. Elas o fazem por meio dos talentos”.
Texto de Caio Derosso.