Identificação, lealdade, paixão pela camisa: qual torcida nunca cobrou isso de seus jogadores? E a tal falta indignação dos jogadores na derrota para o rival direto ou em uma eliminação de campeonato? Será que esses sentimentos podem ser trazidos à tona apenas em conversas de treino ou antes do jogo, ou nas palavras fervorosas de um capitão exaltado? Eu respondo com absoluta certeza: NÃO.
Valores e princípios vêm da formação enquanto sujeito. Vem da família, da comunidade, de onde viveu, dos educadores que passaram pela nossa vida. Se a instituição quer internalizar valores em seus atletas ela deve expor os atletas a CULTURA do clube e ao AMBIENTE onde ele está inserido. Há um grande, robusto e longo trabalho de construção da identidade do atleta com o clube que ele representa.
O caminho para otimizar a relação investimento x resultado é o desenvolvimento de processos bem definidos dentro da instituição. Assim sendo, com governança de um clube bem definida – incluindo o perfil dos atletas – se torna possível fazer a captação de talentos igual ao RH de uma grande empresa. Entretanto, no mercado mundial, os clubes brasileiros podem ser comparados à “pequenas empresas” quanto ao poder financeiro, no máximo.
Nesse cenário, como ter atletas com desempenho superior? A resposta está em treinar, além da parte técnica, o pertencimento e a identidade com o clube. Investir nisso pode gerar ainda mais dividendos tanto pelo resultado técnico quanto pelo apoio do torcedor. É ao identificar semelhanças nos interesses e paixões que o torcedor realmente se envolve e potencializa o desempenho técnico, dos atletas, e econômico, do clube.
Mas, por vezes, o investimento não acontece porque, ao observar apenas o que a mídia repercute, o torcedor e o clube acham que essa formação será natural, que todo jovem que estreia na equipe principal foi “formado” na casa, e assim está tudo bem com a base.
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Um atleta que chega no ciclo final de formação, como sub-20 ou sub-23 – salvo vínculos afetivos antigos – jamais conseguirá absorver a mesma paixão e identificação que um atleta que chega aos 10 ou aos 14 anos. Mesmo sendo fundamental a captação nessa fase do ciclo, ela jamais pode ser confundida com FORMAÇÃO de atletas no clube. O que se vê são muitos trabalhos de CAPTADORES e pouco de FORMADORES nos clubes.
Um processo de formação eficaz e robusto nas categorias de base de um clube traz uma mescla de jovens com longa ligação, mergulhados na cultura do clube, e um bom trabalho complementar de captação na fase final do processo. Desconfie de “grandes formadores” que atuam com ênfase entre 17 e 23 anos.
Quando o trabalho é realizado apenas na “epiderme” da base os resultados são mais rápidos, mas o que sustenta o clube e os processos de formação é o longo prazo, a atuação na “hipoderme” do processo de formação. Nessa segunda hipótese a chance de despertar PAIXÃO pela camisa será maior, o jovem trará as suas primeiras memórias de conquistas e pertencimento como atleta e torcedor.
Essa formação pode ser influenciada de maneira ainda mais ampla pelo ambiente. A competitividade do gaúcho, fomentada pela polaridade da cultura, a malandragem do jogador carioca, a pluralidade do paulista, que reflete atletas de todos os tipos, entre outras tantas marcas se vinculam a cultura da sociedade onde estão imersos os jovens em formação. Podemos potencializar os traços comportamentais mais virtuosos de cada região de maneira propositada.
A seletividade do futebol espanhol, a agressividade do futebol argentino, a garra do uruguaio, a plasticidade técnica do jogador holandês ou do croata, são traços genuinamente locais e treinados pelos processos de iniciação desportiva destes países. E nesta linha que vamos seguir, juntos, na próxima vez que nos encontrarmos aqui.
Texto de Felipe Kssessinski.