Já passou dos 49 prometidos pelo árbitro. Cai a chuva. Cobrança de escanteio. Que tensão. Alissoooooooon! Aaaaalissooon! Alissoooooooon! Goooooool! É do Liverpool. Histórico. Heroico. O goleiro brasileiro vai para dentro da área e resolve como atacante. Que momento. Que coisa sensacional acontece no estádio The Hawthorn. Alisson de cabeça. É pro pai. É pro pai, né Alisson? É pra arrepiar o amante do futebol.
O primeiro parágrafo é a narração de Paulo Andrade, dos canais Disney, para o gol que deu a vitória de 2 a 1 do Liverpool diante do West Bromwich no último final de semana. O terceiro parágrafo é um ensinamento de Paulo Vinicius Coelho, comentarista do grupo Globo, em seu livro Jornalismo Esportivo.
A emocionante descrição do ex-colega de PVC na ESPN transcende o factual do jornalismo. Isso porque o futebol quando contado por quem o sente tem muito mais valor. E nem sempre quem vive as emoções dentro de campo tem ideia de como elas são também refletidas por quem tenta passar adiante a quem está do outro lado da televisão, do rádio, do jornal ou da tela de um computador.
Por isso, momentos como o encontro do narrador e do personagem devem ser supervalorizados. São raras as percepções de quem é artista da bola reconhecendo uma vocação bem diferente, bem menos recompensadora do ponto de vista financeiro, mas, ainda assim, extremamente valiosa e gratificante.
“Essa narração me emocionou muito. Conseguiu expressar completamente o sentimento tanto na voz quanto em tudo o que significou esse gol para mim. É um momento muito difícil da minha vida, da minha família e pude dedicar esse gol para o meu pai. Queria que ele tivesse visto isso pessoalmente.” O momento responde à pergunta de Paulo Andrade no início desse texto.
O goleiro gaúcho estava trabalhando quando José Agostinho Becker, de 57 anos, seu pai, foi encontrado morto no último mês de fevereiro em uma propriedade da família no município de Lavras do Sul. “A minha relação com meu pai sempre teve o futebol 100% ligado. Ele brincava comigo e com meu irmão desde cedo. Ele era goleiro também. Tanto eu quanto o Muriel herdamos o DNA dele. Ele era malucão no gol”, completou o camisa 1 do time vermelho da terra dos Beatles.
Longe da Inglaterra, na Arábia Saudita, um outro goleiro se sensibilizou também. Não somente pelo lance emblemático do ex-companheiro de Seleção Brasileira, mas por ser um fã de quem ele ouve e se diverte há bastante tempo. E admira. Marcelo Grohe acompanha com gosto as performances dos narradores (alguns até imita) desde a infância. Cresceu se atirando no chão para defender o gol narrando em silêncio suas próprias defesas.
Quando defendem um pênalti, os goleiros costumam dizer que é como tivessem feito um gol. E como é então quando fazem um gol? Paulo Andrade deu eco ao feito iluminado de Alisson: “Tecnicamente foi terrível a narração. Faltou voz, foi uma gritaria sem tamanho. Como um gol de cabeça é tão peculiar e extraordinário para um goleiro, acho que de vez em quando o narrador pode se permitir narrar com alma e coração, deixando voz e técnica de lado”, desculpa-se sem necessidade o jornalista.
Enquanto me emociono ouvindo a narração mais uma vez, comemoro também a mensagem que recebi de Marcelo Grohe no domingo. Fiz questão que ela chegasse ao protagonista. Não o do lance histórico, mas o de quem o contou. Um gol do jornalismo esportivo: “JP, que narração! ”
Parabéns, Alisson. Parabéns, Paulo Andrade. E parabéns à produção do programa que possibilitou, à distância, esse encontro magnífico. Quem joga futebol e quem não joga jamais caminhará sozinho.
Texto de João Paulo Fontoura.