Quando nos referimos a relação do “Tempo x Futebol Feminino”, logo resgatamos nos discursos mais atuais os tempos difíceis que a modalidade passou ao longo de sua história. É retórico afirmar, mas não menos importante, que a modalidade foi de uma proibição respaldada em algumas concepções sociais onde a mulher era tida como o “sexo frágil” até a “Copa do Empoderamento”, como muitos chamam a FIFA Women’s World Cup 2019.
As confederações, especialmente a do Brasil, passaram a tratar a modalidade com mais carinho desde então. As grandes empresas começaram a vislumbrar uma oportunidade de fortalecer as suas marcas através do empoderamento feminino dentro do futebol e o espetáculo começou a ganhar novas caras a partir de 2019 dentro e fora das quatro linhas.
Entretanto, é importante salientar a gestão do crescimento na modalidade considerando o tempo como ator principal para a manutenção e crescimento do espetáculo. Esse, que está inteiramente ligado ao processo, a transversalidade e as novas gerações que por sua vez, vivem ainda hoje um processo que nos remete aos tempos antigos.
Dito isso, precisamos refletir um pouco sobre o papel do jogo no processo de desenvolvimento das categorias de base. Apenas os campeonatos seriam o suficiente para reforçar a relação tênue entre tempo e desenvolvimento no futebol feminino?
Gallati et. all (2017) ressalta que o jogo proporciona uma estrutura social que, por sua vez, possibilita experiências particulares para o desenvolvimento de jovens, com o reconhecimento de símbolos, objetos e pessoas. Interações em que são possibilitadas trocas infinitas, nas quais, crianças e jovens, influenciam e são influenciados ativamente, em uma constante evolução ao longo do tempo. E é sabido que os vínculos comerciais e ganhos econômicos influenciam a avaliação do processo de treinamento e de jogo com base em resultados competitivos.
Mas será que pensar o processo de formação das novas gerações é pensar apenas pela ótica das competições?
As competições são parte natural e enlouquece do futebol, sem elas o sentido do treinar se torna incompleto. Contudo, quando pensamos na transversalidade do processo, balizar a formação apenas por competições pode ser um dos maiores algozes das jovens carreiras esportivas que se iniciam e das que sonham em iniciar.
Como já dito anteriormente, a reflexão sobre o desenvolvimento dentro da modalidade é uma maneira de utilizar o tempo e as estruturas das experiências esportivas (competitivas ou não) como ferramentas inesgotáveis de potencialização; É pensar em fomento de estruturas que possuam um plano – a nível conceitual e prático – de carreira a médio e longo prazo em todas as esferas da relação ensino-aprendizagem para as atletas.
Leia também no site do FootHub:
As dimensões do ensino e da aprendizagem no futebol, por Raíssa Jacob.
Identificação e Formação – uma questão de cultura, por Felipe Kssesinski.
Menciono dois pequenos exemplos de cenários recorrentes no futebol feminino:
O primeiro é de uma atleta de 16 anos, que possui em seu pequeno currículo passagens por cinco clubes em apenas um ano competitivo porque gostaria de jogar mais competições ao longo do ano;
O segundo é de uma atleta com seus 23, 24 anos, que por ter tido experiências qualitativas negligenciadas ao longo da sua vida e que não conseguiu se projetar, atingir seu potencial e tão pouco criar uma identidade esportiva, segue o mesmo caminho da atleta de 16.
Ambos exemplos dizem muito mais sobre a mudança de rota que precisa ser pensada, estruturada e conduzida do que sobre desenvolvimento de qualidade.
E aqui ficam os movimentos de reflexão que pairam sobre a minha cabeça e que gostaria de compartilhar como gatilho aos colegas de profissão:
- Estamos caminhando para valorizar a formação que esteja pautada em um processo que valorize as nossas atletas ou caminhando para um processo de captação incessante que se segura muito mais na ilusão de profissionais e instituições que valorizam mais as taças e o status quo em detrimento das protagonistas?
- Estamos engajados em transformar o cenário ou ficaremos eternamente maquiando a falta de um plano de fomento que faça com que exista um processo mais regularizado de formação por parte das instituições esportivas?
- Pensamos no aqui e no agora, ou vamos direcionar nossas cabeças para o amanhã também?
- Estamos respeitando o nosso discurso de considerar os indivíduos que dão vida ao espetáculo em todos os seus graus de desenvolvimento ou estamos em busca de aumentar o número de medalhas e títulos nos nossos currículos a qualquer custo?
- Captar para competir e depois simplesmente “descarta-las” pós competição é pensar em formação, saúde, boas experiências e futuro?
- Queremos atletas cheias de títulos de base ou atletas que os possuam e consigam atuar em maior número nas equipes profissionais nacionais, compor nossa seleção ou atuar internacionalmente também?
Os últimos meses nos trouxeram a oportunidade de refletir e debater sobre todos esses pontos a nível conceitual. Foram muitas lives, cursos, workshops, conversas informais, formais… mas precisamos tirar todas as falas do plano das ideias para ontem se quisermos que o nosso amanhã seja de triunfo e de referência mundial.
E por fim, ficaremos no cenário apontado por Senêca, filósofo estoico e célebre escritor e intelectual do império romano quando afirmou que: “Para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve” ou iremos de vez mudar ?
Texto de Raíssa Jacob.