Chegamos ao final da Copa do Catar em alto estilo, com decisão repleta de atrações, duas grandes seleções, os dois melhores jogadores do mundo da atualidade, disputando o cetro e a artilharia do próprio certame, ambas equipes com dois títulos, podendo tornar-se tricampeãs mundiais.
Sem dúvida a maior Copa de todos os tempos, afora a Copa de 1970 no México, com aparição destacada de escretes tidos como de linha secundária no concerto mundial, como Japão, Tunísia, Senegal, Gana e a surpreendente Seleção Marroquina que suplantou Espanha e Portugal, chegando às semifinais para enfrentar a poderosa França; muitos destaques individuais muitas confirmações, vendo revigoradas estratégias que privilegiam fortes esquemas defensivos, seja permitindo a bola ao rival, seja tendo bola como fator de impedir ao adversário de atacar, com destaque para treinadores até então ausentes da lista seleta dos melhores do mundo, temas que pretendo focalizar em outros escritos.
Após embates sofridos, jogos disputados, surpresas inesperadas, finalmente chegou-se a “UNA FINAL DE PELÍCULA”, com os dois melhores times buscando o galardão máximo da competição em cujo jogo houve de tudo; fiéis aos ditames de Martin Fierro, grande personagem da literatura portenha , criado por José Hernández quando dizia “ que la tierra no da fruto si no la riega el sudor”, os argentinos esfolaram os franceses nos primeiros 70 minutos da decisão transbordando suor típico da garra portenha.
Armados estrategicamente por Lionel Scaloni em duas linhas de quatro com dois atacantes, surpreendentemente escalando Di Maria pelo lado esquerdo, ele que costumeiramente atua na direita, para aproveitar que o lateral direito francês Joules Koundé não é apoiador, ao mesmo tempo em que repetiu a escalação de De Paul -(volante)- com meia pelo lado, logo a frente de Nahuel Molina para dobrar marcação em Mbappe e coibir avanços de Theo Hernandez, fixando dois volantes de marcação mas com ótima saida, MacAlister e Enzo Fernandez, posicionando Julian Alvarez como meia atacante para, sem a bola marcar, o volante Tchouaméni e com a bola agredir ao adversário, em deslocamentos velozes abrindo espaços para Messi que mais uma vez jogou livre de tarefas táticas e como sempre foi superlativo nas suas ações.
A seleção francesa no seu costumeiro 4-2-3-1, mesma escalação de sempre, inclusive com Rabiot, ausente nas semifinais, foi desde logo oprimida, pressionada e demanda pelos argentinos, com sua última cidadela colocada em xeque a todo momento, com futebol envolvente, criativo, propositivo, com destacada atuação de Di Maria, condutor dos dois primeiros gols, sofrendo pênalti convertido por Messi e ele próprio anotando o segundo tento, como culminância de extraordinária jogada iniciada no campo de defesa, até chegar ao passe intermediário magistral de Léo para Julian, esse em toque singular aciona MacAlistar para pifar o número onze que, também de primeira, executou o arqueiro francês. Obra prima para Manuel de contra ataque.
Até o final do primeiro tempo Messi, repita-se, outra vez com notável atuação, dava as cartas, comandando seu time, levando pânico aos rivais sempre que a bola chegava até ele, embora muito marcado, porém sempre encontrando espaço para receber a bola em liberdade, transitando atrás dos volantes e ocupando vazio com os avanços do lateral esquerdo francês.
O fruto do suor, vindo da mentoria de Martin Fierro, esteve presente a todo instante, com o time alviazul focado, correndo, pressionando, marcando, esfolando aos gauleses. Nesse diapasão passou o jogo até os 70 minutos, já no segundo tempo, com mudanças feitas pelo coach francês Didier Deschamps, que julguei terem desorganizado aos “blues”, com saída de Giroud e Dembele e ingressos de Marcus Thuram e Kolo Muani e a passagem momentânea de Mbappe para o centro do ataque. Até que de repente, sentindo o esforço e a correria, exauridos, os argentinos decaíram de produção e no primeiro contra ataque de Rabiot e companhia, falha o zagueiro Otamendi, vencido em velocidade pelo recém ingressado Kolo Muani e comete pênalti.
O craque Mbappe converte o tiro fatal e logo a seguir, diante de breve descontrole emocional dos portenhos, anota um segundo gol de forma espetacular, após retomada de bola por Kingsley Coman, já no jogo em lugar de Griezmann -( melhor jogador francês nos jogos anteriores, mas de atuação apática na decisão)-, em arremate de primeira, com violência, aninhando a bola nas redes do canto baixo esquerdo do goleiro Martinez.
A partir de então, foram 15 minutos de domínio francês, logo esmaecido com as substituições feitas por Scaloni( Montiel, Paredes, Acuna)- para redobrar os frutos vindos do seu time, regados por suor de novos guerreiros. Voltaram os portenhos a dominar o jogo até o final do tempo normal, iniciando a prorrogação regidos pelo infatigável Lionel Messi que em triangulação espetacular com Lautaro Martinez que também acabara de entrar, aproveitou rebote do goleiro francês e registrou o terceiro gol de de seu time. Inacreditável a tensão e a emoção que o jogo trazia nas quatro linhas, nas arquibancadas , nos telões e nos sofás em todos os quadrantes do mundo, mais ainda na pátria argentina.
Não era tudo!
Ao faltarem 3 minutos para a comemoração final, em rebote de escanteio, Mbappe arremata com a violência costumeira e a bola é interceptada, dentro da grande área, pelo braço de Montiel, advindo novo pênalti; O príncipe do reinado do Rei Lionel Messi, Kilian Mbappe cobra e converte a pena máxima. Incrível! No auge da tensão, no clímax da decisão após defesa salvadora do gigante Martinez em lance frente a frente com o francês Kolo Moani finda a “prorroga” como dizem os portenhos e chegam os decisivos pênaltis.
Os personagens da Copa , Rei e Príncipe, cometem seus gols, a partir daí por defesas do insuperável goleiro Martinez ou por erros individuais dos franceses em contra-partida a gols dos argentinos, chega-se ao final da decisão com espetacular vitória dos portenhos, que conquistam o tão aguardado Tri Campeonato Mundial de Futebol.
Justíssima Vitória!!!
Os triunfos da Seleção Argentina e até de seus clubes, ao longo da história, quase sempre são cercados de incomum dramaticidade -( veja-se o que aconteceu nas 4as de Finais contra a Holanda quando um tranquilo 2X0 resultou em inusitado empate levando a incerta decisão nos tiros fatais)- com sofrimento que beira a tragédia, com superação, ultrapassando limites de dor e tensão que só eles sabem interpretar, tudo como forma de vitimizar- se pela própria vitória. Um verdadeiro drama, que supervaloriza a conquista.
Na verdade os grandes triunfos argentinos no futebol, quase sempre são como um tango de Carlos Gardel ao descrever as angústias de um grande amor nao correspondido, e aí lembro de passagem de La Comparcita inolvidável letra cantada pelo célebre artista:
“Los amigos ya no vienen
Ni siquiera a visitarme
Nadie quiere consolarme
En mi aflicción
Desde el dia en que te fuiste
Siento angustias en mi pecho
Decí percanta: ¿Que hás hecho
De mi pobre corazón?”
Tal como no futebol, onde costumam vitimizar-se na vitória heróica, também no amor nossos hermanos se vitimizam de suas paixões não correspondidas na plenitude.
Pois bem!
Qualquer adjetivo aqui trazido, terá sido menor para demonstrar a qualidade da decisão, sem dúvida a mais emocionante e espetacular que já vivenciei, pela paridade dos adversários e pela alternância de possibilidades de vitória dessa ou daquela equipe. Foi emocionante. Foi sensacional. Os argentinos foram melhores por mais tempo, apresentaram estratégia mais adequada, seus atletas disputaram o jogo palmo a palmo, com seu suor transformado em frutos, sofridos frutos como soe acontecer nas históricas façanhas dos nossos irmãos lindeiros.
Ao final, o justo reconhecimento para Lionel Messi, o maior jogador de futebol de todos os tempos depois de Edson,-( Pelé) pelo que jogou e joga ao longo de carreira com múltiplos títulos e honrarias, pelo homem correto que sempre foi, pelo inabalável foco que sempre demonstra nas competições em que participa, por sua simplicidade, por não querer aparecer senão pela sua qualidade como atleta ou por sua benemerência nas questões sociais, que tem como acréscimo ou alteração de sua aparência, apenas o uso da barba, que tem aparições nas redes sociais, somente com a família ou para demonstrar fatos positivos de sua carreira.
Sobre isso, antes de encerrar, quero lembrar frase de Jorge Valdano, grande jogador argentino hoje radicado na Espanha, ao ser indagado anos atrás, em momento de revés, se não estava na hora de Messi deixar de ser comparado a Maradona -( até então considerado o maior jogador de todos os tempos do nosso vizinho país)- ao dizer que concordava, só que “ele Messi não estava colaborando.”
Justa vitória Argentina e consagração definitiva de Lionel Messi, com certeza saudada nas nuvens por Diego !
Enfim, a decisão da Copa do Catar foi “UNA FINAL DE PELICULA “!
Texto de Fernando Carvalho.