Reprodução ESPN
No meu primeiro dia de emprego novo, determinada jovem, no auge dos seus 10 anos, disse que era zagueira e assim gostaria de treinar. Pois bem, iniciamos os treinamentos e se deparando com vários jogos e brincadeiras sem posição, demonstrou certo padrão de resposta: dificilmente conduzia uma bola, raramente ”andava para frente ” e quando o papo era duelar atacando, só faltava fugir do campo.
De repente, passou a sentir dores e ter mais tarefas de casa do que estava acostumada. Também enfrentava mais trânsito que as demais meninas. Entendi que ela não estava segura para se aventurar nas atividades, não se sentia apta, não queria errar. Pedi para que viesse em outras turmas, onde ninguém a conhecia, para que pudesse se expor. Não adiantou, pois também errava com frequência, demorava para entender as brincadeiras, se envergonhava.
Convidei então para que participasse do treino ao meu lado. Ver de fora o que acontecia. Ela viu que todas falhavam e faziam isso várias vezes, de diversos jeitos, inclusive as que ela admirava; percebeu que as atletas estavam ocupadas demais querendo jogar o jogo – porque o erro era de uma, mas o problema era de todas; e de pertinho, ouviu orientação e encorajamento vindo da Comissão.
Após o treino, conversamos. Ela disse que era zagueira e que não ia bem em outras ”coisas” do jogo. Que não queria mais jogar. Que tinha visto todas errarem e que isso não era um problema, mas que não gostava de errar porque atrapalhava o próprio time.
Fui falar com a família, entender melhor um pouco sobre a história dela dentro do futebol. Jogava com garotos e pra ela, sobrava a última linha – assim participava menos. Estando sozinha, seu erro se tornava mais evidente, ouvia ” foi a menina que errou ” – uma falha realmente nunca seria bem vinda.
Era pesado demais sustentar aquele espaço. Mas ela conseguiu e seguiu. Passou todo início da prática assim. Ao chegar nos nossos treinos, onde toda hora ela precisava acolher a bola, ocupar um espaço diferente, inventar estratégias, ela sentiu.
As alunas começaram a chamar a jovem para atividades pré treino, assim ela não tinha como ” fugir”. Sugestão das amigas! rs
Os jogos e brincadeiras das aulas, a persistência da menina e o acolhimento do grupo, deram conta do recado. Sem pressa
Dois anos depois, essa garota fazia jogos incríveis na lateral direita e no meio campo!
Não sei como ela está agora, próxima dos 14 anos, mas espero que esteja se aventurando no ataque, até no gol.
Crianças não devem ser direcionadas a uma única posição dentro de campo. A experimentação precisa ser defendida. Isso também acontece com garotos, entre outros meninos (mas aí a questão não é gênero).
No fim, independente do grupo de crianças, comumente encontraremos essa castração, porque o agente é o mesmo: o treinador/professor (a).
Texto de Bianca Chamelete
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