A palavra teste possui um significado potente para o futebol de base, pois representa uma atividade que gera tensão, preocupação, euforia e possibilidades. Um teste é um evento em que os candidatos são literalmente examinados, avaliados, julgados e, a partir daí, confirmam suas expectativas ou fracassos, a depender do resultado final.
Foto Caldense
Um teste pode ser também chamado de peneira, avaliação ou processo seletivo, mas, no limite, os termos possuem o mesmo sentido prático, descrevendo o processo por meio do qual os agentes especializados do campo esportivo – treinadores, captadores/observadores, empresários, dirigentes e demais membros da comissão técnica – colocam-se na posição de analisar as aptidões dos futebolistas e, muitas vezes, definir seus movimentos pelo universo do futebol de base (PALMIÉRI, 2015).
Faz parte da rotina dos clubes submeter os atletas a diferentes tipos de testes, tanto para alcançar o melhor desempenho da equipe, como por exemplo em testes físicos, laboratoriais, entre outros, quanto para selecionar os integrantes que irão compor as diferentes categorias etárias de formação. Assim como no sistema escolar, as constantes avaliações dominam a organização e o funcionamento dos clubes.
Aos 11 jogadores em campo disputando uma partida avalia-se o desempenho individual e o resultado final da equipe. Aos demais integrantes do elenco, avalia-se a possibilidade de alcançar a titularidade no time ou serem até excluídos daquele grupo. Mas há ainda aqueles que se encontram à margem desse processo, e almejam ocupar uma vaga num seleto grupo de trabalho especializado.
Se olharmos para um grande clube, que possui estruturado as categorias de base, atendendo jovens entre 10 e 20 anos de idade agrupados por categorias etárias, teremos em média 100 atletas envolvidos no processo. Sendo que apenas uma minoria de clubes profissionais atende a esta demanda, o que faz aumentar consideravelmente as disputas de acesso ao universo do futebol de base.
Levando também em conta as características do mercado de trabalho, no qual a profissionalização de futebolistas ocorre, salvo raras exceções, por volta dos 20 anos de idade, pode-se dizer que o atleta precisa ser inserido num seleto contexto de formação ainda na infância e que, para se tornar um futebolista profissional, há uma exigência média de cerca de 7 mil horas de investimentos em treinamento físico-técnico e psicológico de incorporação de um hábitus específico para este ofício, ao longo de 10 anos de formação.
Leia: Notas sobre o universo profissionalizante na formação inicial de futebolistas
De Lucas Klein
O fenômeno das “peneiras”
A procura de meninos, incentivados por suas famílias, e motivados pela imagem midiática de seus ídolos, aos grandes clubes para serem testados é um fenômeno bastante comum na rotina do futebol de base. Em geral, os clubes organizam diferentes formas para atender esta demanda, uma delas, é a que chamamos de peneiras, que ocorre através da reunião de um grande número de aspirantes a ingressarem no clube em um ou dois dias de testes de campo – em geral um jogo acompanhado sob os olhares dos agentes especialistas na detecção de talentos.
Os dados mostram que entre os diferentes métodos de avaliação organizados pelos clubes as peneiras são consideradas menos eficientes no quesito de aprovação de atletas, sobretudo em função de suas características (TOLEDO, 2002; PAOLI, 2007; KLEIN, 2021).
Por que então este processo ainda ocorre com frequência?
A resposta é simples: por atender uma demanda social dos clubes, pois este processo não exige pré-requisitos, ou seja, qualquer um que tenha o sonho de ser jogador de futebol pode tentar a chance, e a promessa é que seja avaliado em pé de igualdade com os demais concorrentes. Nas peneiras, não há pré-seleção dos participantes inscritos, e o fato de chegar ao clube por iniciativa própria é um aspecto simbólico que pesa contra o candidato.
Torna-se difícil a aprovação do atleta em peneiras, devido às possíveis diferenças técnicas e físicas entre os envolvidos no teste, pois não há como prever o nível de experiência e aptidão dos envolvidos. A falta de entrosamento dos candidatos dentro e fora do campo, pelo fato de que a maioria acaba se conhecendo no próprio dia do teste, traz dificuldades até mesmo para a comunicação entre eles.
Por esses motivos, as peneiras são comumente realizadas fora do ambiente de treinamento dos clubes e atuam justamente no sentido de garimpar aqueles que, mesmo com as limitações previstas, conseguem se destacar. Para os agentes formadores, as expectativas de aprovação de novos atletas são pequenas neste tipo de avaliação.
Aqui abro um parêntese para um relato pessoal, a fim de exemplificar como funciona um dia de peneira.
Num dia de domingo, 28 de abril de 2019, mesmo antes do horário marcado para o início da peneira que organizamos para as categorias sub 15 e sub 13, já havia uma grande aglomeração de carros e pessoas no estacionamento do local. Durante a realização do teste, não autorizamos a entrada dos familiares no CT do clube, mas eles deram um ‘jeitinho’ e ocuparam os alambrados do lado externo, em meio a uma vegetação rasteira e abandonada, de onde puderam, mesmo que de forma improvisada, acompanhar, torcer, vibrar, pressionar e orientar seus filhos em cada lance disputado.
Após uma manhã de jogos, entre os 80 candidatos, somente dois foram selecionados na categoria sub 15 e outros três no sub 13, dos quais, ao final da segunda etapa, que consistia em uma semana de treinamento na categoria de base, apenas um destes foi de fato aprovado no clube.
O baixo índice de atletas aprovados neste dia confirma a expectativa dos agentes formadores. Fato é que existem outros caminhos, mais eficientes, que podem facilitar o acesso dos candidatos, sobretudo quando há intermédio de pessoas que já conhecem o funcionamento de um clube de base, tais como: indicações, participação em campeonatos, frequência em escolinhas e franquias mantidas pelo clube, parcerias com o futsal e projetos sociais, entre outras.
Texto de Lucas Klein