Notas sobre o universo profissionalizante na formação inicial de futebolistas

Apresento na tese “Esporte, treinamento e educação: projetos, agentes e tensões na formação inicial de futebolistas no Brasil” (KLEIN, 2021) que as pesquisas envolvendo crianças e adolescentes praticantes de futebol pouco falam sobre o lugar que os atletas de alto rendimento – imersos em rotinas de treinamentos especializados e competições – ocupam nas categorias iniciais de formação de base de clubes profissionais, que vai desde os primeiros passos da criança no processo de treinamento sistematizado do esporte até o início da fase de especialização profissional, que se dá a partir dos 14 anos de idade. Período que a literatura convencionou chamar de “ciclo de pré-formação” de futebolistas (DAMO, 2005).

Os próprios dados da FIFA e da CBF reforçam a noção de que há maior capital simbólico e econômico direcionados para as etapas finais de formação do atleta, sobretudo pelo fato de ambas as entidades conferirem caráter oficial somente às competições a partir da categoria sub-15 (atletas entre 14 e 15 anos de idade). Inclusive, para disputas internacionais, a seleção brasileira de base é formada também a partir dessa faixa etária.

Além disso, a Lei Pelé, determina que o primeiro contrato profissional de trabalho só pode ser assinado a partir dos 16 anos de idade. Em paralelo às leis esportivas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que aos menores de 14 anos é proibido celebrar qualquer tipo de vínculo empregatício. O ECA merece destaque, pois os jogadores de futebol em formação podem ser considerados aprendizes de um ofício, levando os clubes a cumprir diversas obrigações.

Diante desse cenário, pode-se dizer que, no contexto de formação de atletas profissionais de futebol no Brasil, há uma ruptura, nos termos da legislação, entre as categorias vistas como de iniciação e especialização (até os 14 anos de idade) e as categorias de formação para a profissão (dos 14 aos 20 anos de idade).

Mas, apesar de o calendário do futebol de base representar oficialmente apenas as categorias das fases finais da formação, as federações estaduais, as ligas municipais e as empresas privadas buscam promover competições também na etapa da pré-formação, justamente por entenderem que deve ser oportunizado aos atletas em trajetória inicial o ambiente de competição desde o início de sua formação, como forma de preparação para o alto rendimento.

Além disso, as competições no futebol de base servem como vitrine para aqueles que buscam ingressar nos clubes profissionais, sendo este um potente mercado para clubes e empresários, no qual as famílias investem tempo e recursos no sonho de seu filho. No Estado de São Paulo, por exemplo, anualmente, acontece o campeonato estadual da categoria sub-11 (para crianças até 11 anos de idade), com algumas regras flexibilizadas, como o tamanho da trave, as dimensões do campo, o número de jogadores, entre outras, sob a justificativa de melhorar a qualidade do jogo e a participação efetiva da criança no ambiente de aprendizagem da competição.

Tais estratégias de flexibilização das regras oficiais são recomendadas pela FIFA e representam adaptações estruturais no ambiente de competição (FILGUEIRA, 2019), mas não afetam os princípios da sobrepujança e das comparações objetivas, tampouco as tendências de selecionamento, especialização e instrumentalização, que representam as lógicas universais da prática esportiva voltada ao alto rendimento, tal como apresentadas por Kunz (2001), ou seja, atuam como uma representação do esporte espetáculo.

Leia: Aspectos importantes na formação de atletas

Por Wilson Souza.

A realização de eventos federativos e o interesse dos clubes em participar de competições desde a etapa de iniciação é justificado e legitimado pela possibilidade de vinculação dos atletas ao sistema de registros da CBF, garantindo futuros direitos econômicos sobre a formação.

Por estar integrada ao Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol, documento orientador da CBF (2021), a participação dos clubes em competições oficiais geridas por suas federações estaduais permite o Cadastro de Iniciação Desportiva dos atletas adolescentes de 12 e 13 anos de idade para atividades de iniciação desportiva.

Esse termo de compromisso possui validade máxima até o final da respectiva temporada (31 de dezembro do ano vigente), o que cria um vínculo temporal delimitado entre atleta e clube. O documento não possui validade jurídica contratual entre as partes, pois o cadastro tem como finalidade apenas a garantia de registro do atleta em seu clube de origem. A partir desse cadastro, o atleta passa a receber um Passaporte Desportivo, que contém o histórico de seus registros.

Campestrini (2009) mostra que a própria FIFA estabelece que o período de educação esportiva do atleta tem como marco inicial os 12 anos de idade. Dessa forma, os clubes formadores que investirem no atleta entre 12 e 21 anos de idade têm o direito de receber indenização pelo treinamento proporcionado em transferências ocorridas até o final da temporada correspondente ao seu 23° aniversário.

Atento a isso, o Movimento dos Clubes Formadores do Futebol Brasileiro (MCFFB), frequentado por gestores e coordenadores de base dos principais clubes do País, que se autodeclaram atuantes na promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos dos clubes formadores, estabeleceu que, a partir de janeiro de 2019, somente os clubes com Certificado de Clube Formador poderão ser membros do Movimento.

Definiu também que, dessa data em diante, continuará atuando na proteção aos clubes, em casos que envolvam atletas a partir de 10 anos (incompletos) até menores de 14 anos, ou no primeiro contrato de formação. Mas, para tanto, as exigências são as seguintes:

  1. O clube deve ter o CCF emitido pela CBF, exceto se tiver menos de três anos de fundação, sendo este o período para se adequar às normas;
  2. O atleta deve estar registrado no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF a partir de 12 anos completos, mas, para atletas que completarão 10 anos no ano vigente, até menores de 12 anos, o clube deverá comprovar o vínculo do atleta por meio dos seguintes documentos: súmulas de jogos, fotos, carteirinha do clube e comprovante de despesas;
  3. Contrato de Bolsa-Aprendizagem com vencimentos em atraso de, no máximo, 90 dias aos atletas maiores de 14 anos; e, por fim, d) o gestor do clube deverá participar presencialmente de, no mínimo, duas reuniões do MCFFB por ano (válido a partir de outubro de 2018).

Tais estratégias representam o paradoxo controverso de aproximação com uma institucionalização esportiva desde a infância do aspirante à futebolista, em paralelo às Leis que – ao mesmo tempo – atuam na tentativa de assegurar os direitos formativos dos investimentos financeiros realizados pelos clubes, mas também da lógica do esporte enquanto caráter socioeducacional.

Texto de Lucas Klein

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