Olá, amigas e amigos do FootHub. Como escrevi no texto anterior sobre como escolher o treinador em um clube de futebol, hoje sigo no tema, mas por outro viés: quando o trabalho de uma comissão técnica deve ser encerrado. Tudo dentro do contexto do estudo do mestre científico em gestão esportiva Matheus Galdino, que foi divulgado na ótima reportagem do jornalista Rodrigo Capelo, em sua coluna Negócios do Esporte, no Globoesporte.com.
Segundo o estudo, existem quatro itens em comum nos relatos colhidos pelos pesquisadores deste trabalho, a respeito da maneira como as demissões são conduzidas:
- Pressão externa: exercida por torcedores, jornalistas e influenciadores.
- Pressão interna: exercida por jogadores, patrocinadores e grupos políticos.
- Comunicação: falta de transparência, justificativa e até contato para demitir.
- Responsabilização: não cumprimento de contratos e pagamentos acordados.
Como dirigente de futebol, já fiz de tudo a respeito. Já demiti cometendo equívoco e já desfiz contratos com acerto, posso falar com conhecimento de causa e também fazendo autocrítica. E depois de tantas experiências e reflexões, hoje tenho uma posição bem firme sobre este complexo tema. A pior solução é demitir, partindo do pressuposto que foi feita toda uma avaliação e planejamento corretos para sua contratação, itens esmiuçados no texto anterior. Aqui relembro alguns passos para a contratação, resumidamente:
1 – Análise das características do profissional a ser buscado.
2 – Adequação ao time.
3 – Análise do grupo de atletas do grupo principal e base.
4 – Análise do mercado de reforços.
5 – Conhecimento da cultura do clube.
6 – Posição no ranking e expectativa real de onde e como se quer chegar.
7 – Alinhamento de todos os itens necessários para uma convivência.
8 – Conhecimento da forma de trabalho, escalação e treinamentos por meio de um amplo questionário.
Efetivamente, quando os resultados não chegam, começa a pressão por mudança. O caminho quase sempre tem início com a opinião da imprensa especializada nos seus veículos de comunicação e redes sociais. Isto influencia a torcida, que passa a se manifestar nos mais variados canais de comunicação existentes. A insatisfação chega aos dirigentes políticos dos clubes, que por sua vez, passam a pressionar o presidente.
O comandante dá então início a cobranças maiores ao dirigente encarregado do futebol, seja político ou executivo, e isso aumenta a pressão por resultados, mesmo que haja a avaliação de que o trabalho da comissão técnica seja bom com o cumprimento dos requisitos acordados antes da contratação. Aí que entra a posição firme do encarregado do departamento. Ele precisa resistir e não pode mudar o rumo do trabalho, nem a convicção. Necessita lutar pela permanência do que foi planejado e debatido amplamente e defender interna e externamente a Comissão Técnica.
Mas então, qual é o momento e o contexto para que o trabalho seja interrompido? Julgo que seja quando o treinador perdeu o ambiente, o comando e a convicção dentro do grupo de jogadores. Quando o técnico começa a expor que o grupo não é adequado e tem falhas e deficiências impeditivas para a evolução da equipe. Quando traz a público – via entrevistas – reiteradas vezes suas queixas, gera uma situação de desconforto com o grupo de trabalho.
Se a situação já é sabida desde o início, se o tema qualidade e características do grupo foi visto ainda no planejamento, o assunto deve ser tratado sempre internamente. Mas, depois de um certo tempo sem resultados, mesmo com o clube atendendo todas as condições de trabalho, o treinador começa a reclamar e colocar defeitos no elenco, perdendo o ambiente interno, aí sim vejo razão para que haja alteração.
É importante, antes de chegar neste ponto, enfatizar a necessidade de resistir e insistir, debatendo, conversando e chamando a atenção dos atores envolvidos no processo. Apontar os defeitos do trabalho baseado no que havia sido acordado no planejamento quando da contratação e buscar as soluções.
Aqui faço um parêntese. O acompanhamento do trabalho deve ser constante. São importantes reuniões semanais com a comissão técnica e com todas as disciplinas que compõem o futebol (medicina, fisioterapia, preparação física, psicologia, comunicação). Todos devem estar alinhados , debatendo alternativas para os problemas que sempre surgem.
Mas diante de um quadro que pareça incorrigível, com a perda do ambiente interno, mesmo com várias tentativas de melhoria, só assim se deve pensar em demissão. Ressalto, porém, que este é o último caso e quem está dizendo isso é um ex-dirigente que já errou ao demitir açodadamente treinadores competentes e que ainda não haviam chegado neste ponto de ter perdido o comando do grupo.
Enfim, para que isso não aconteça, julgo ser fundamental o ajuste com a comissão técnica quando da sua contratação. Quanto melhor e mais completo for o planejamento inicial, maior será a convicção no trabalho e mais fáceis surgirão as soluções para os problemas que naturalmente habitam o ambiente em um clube de futebol.
Texto de Fernando Carvalho.