Dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, 11 possuem psicólogos trabalhando com o grupo principal
Foto: DW / Deutsche Welle
Quando um time é eliminado de uma competição de forma surpreendente, principalmente nos pênaltis, a discussão sobre a necessidade de haver um profissional para trabalhar com o psicológico dos jogadores volta aos holofotes.
Em uma pesquisa realizada pelo Esporte Interativo em 2018, apenas 6 clubes da primeira divisão contavam com psicólogos para o elenco profissional, sendo eles: América-MG (18º), Atlético-PR (7º), Cruzeiro (campeão da Copa do Brasil e 8º no Brasileirão), Flamengo (2º), São Paulo (5º), Vasco (16º).
Um artigo científico publicado em 2022 apresentou uma análise sobre os fatores que fazem com que não seja uma unanimidade a presença de um profissional da psicologia dentro dos elencos principais dos clubes, usando a Premier League como objeto de estudo. Os 4 principais justificativas dos autores foram:
- Existem barreiras para a implementação plena da psicologia do esporte no futebol, incluindo a falta de recursos financeiros para essa área;
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- O entendimento do real papel e importância da psicologia do esporte não é adequadamente esclarecido dentro dos próprios clubes;
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- Ainda existe um estigma a respeito do psicólogo no futebol. E quando presente, o profissional é solicitado para resolver problemas pessoais do atleta ao invés de atuar integrado ao desenvolvimento de performance;
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- A confiança no trabalho dos psicólogos ainda é pouco consistente, principalmente por parte dos treinadores.
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Para o psicólogo esportivo Maurício Marques, com passagens pelo profissional do Coritiba em 2014, “a aceitação dos clubes e jogadores melhorou bastante desde a época que eu comecei (2006/07). Hoje existem treinadores que levantam essa bandeira, como é o caso do Fernando Diniz, inclusive formado em psicologia. Mas ainda tem a velha guarda, que são geralmente os dirigentes e alguns treinadores que não dão tanto espaço.”
Psicologia no futebol brasileiro
Atualmente, no Brasil, essa área vem crescendo e os clubes estão percebendo que é tão relevante ter esse profissional na comissão técnica como ter um preparador físico, fisiologista, nutricionista, analista de desempenho, entre outros.
“Assim como é importante o atleta estar bem tecnicamente e fisicamente, é fundamental que ele tenha um acompanhamento pedagógico, um cuidado na sua questão social, e que emocionalmente e psiquicamente ele tenha recursos não só para desenvolver como pessoa, mas com a sua carreira como atleta.” Afirma Gabriel Puopolo, ex psicólogo das categorias de base do São Paulo.
Dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, 11 possuem psicólogos trabalhando com o grupo principal; são eles: Atlético MG, Botafogo, Palmeiras, Fluminense, Bahia, Red Bull Bragantino, Santos, São Paulo, Fortaleza, Athletico Paranaense e mais recentemente, o Internacional.
Segundo a psicóloga das categorias de base do Internacional, Mari Fidalgo, a função do profissional da psicologia dentro do clube é cuidar da saúde mental e promover o bem-estar dos atletas, entendendo os processos cognitivos que interferem diretamente no rendimento deles, como por exemplo, foco, atenção, concentração, entre outros.
Esse trabalho é de suma importância para os jogadores, visto que todo o peso de ser uma pessoa pública, praticando um esporte de alto rendimento, vinculado a pressão da torcida e da direção por resultados, gera uma alta carga psicológica.
“Para o nível que a gente está de competições e para onde a gente quer chegar individualmente e coletivamente, você ter um profissional que trabalha a parte mental é essencial. A gente estava acostumado a ter um breve contato com psicólogo nos momentos de crise, quando era contratado um para vir fazer uma palestra, para ter um dia dentro do clube. Mas hoje ter ele dentro do seu clube, que entende o momento mental que a equipe se encontra é fundamental pro ganho, seja naquela partida específica, seja no campeonato ou ao longo da temporada.” Titi, zagueiro e uma das lideranças do Fortaleza.
Foto: Leonardo Moreira / Fortaleza EC
Além disso, o camisa 4 afirma que a melhora da performance é notória quando tem atletas preparados para suportar o nível de estresse que o futebol causa, tanto nos momentos bons como nos ruins, e ter um especialista que trabalha isso, o ganho do atleta e do clube é muito maior.
Outro fator importante é que, segundo o psicólogo Maurício, a incidência de transtorno de depressão e ansiedade é três vezes maior que na sociedade como um todo. E no futebol já tivemos diversos casos de atletas que foram diagnosticados com depressão. O mais conhecido no Brasil, e que gerou muito debate enaltecendo a necessidade de ter um profissional da área, foi do ex atacante do Santos, Nilmar, em 2017.
Foto: Ivan Storti/Santos
Em entrevista ao jornalista Duda Garbi, o ex-atleta contou como foi o diagnóstico e o tratamento:
Maurício Marques afirma que o Santos sempre foi uma referência no quesito da psicologia esportiva. Devido ao trabalho desenvolvido integrado com a comissão técnica e com a área médica foi possível ter o diagnóstico de depressão do Nilmar.
A maneira como o psicólogo é inserido na instituição, é muito difícil que ele tenha condições de conduzir um tratamento psicoterapêutico dentro do clube. Então, para Puopolo, o papel é identificar, através do acompanhamento no dia a dia, alguns sinais e sintomas de uma crise depressiva ou ansiosa, e avaliar se vale o encaminhamento para um psiquiatra ou um psicoterapêutico.
Gabriel Puopolo no centro de treinamento do São Paulo
Mais recentemente, tivemos o caso do volante Tchê Tchê que revelou ter tido depressão em 2020/ 2021. Em entrevista ao site The Players’ Tribune (TPT), o atleta contou os detalhes da doença, que começou com uma gastrite nervosa.
Na conversa, Tchê Tchê citou os motivos que podem ter desencadeado a depressão: Isolamento na Ucrânia, auto cobrança excessiva quando retornou ao Brasil, entre outros fatores. Ele comenta que não tinha vontade de treinar, de jogar futebol e se tornou insensível ao sentimento dos outros.
A psicóloga das categorias de base do Grêmio entre 2012 a 2021, Fernanda Faggiani, afirma que existem atletas que não acreditam, não se dedicam às atividades, e tem os atletas que tem uma aderência super interessante e que aproveita o trabalho. Para ela, o aceitar do trabalho depende da criação do vínculo e do ambiente.
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Categorias de Base
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Nas categorias de base, o acompanhamento dos atletas com um psicólogo é obrigatório por lei. Além disso, para um clube receber o certificado de clube formador da CBF, é pré-requisito a existência do profissional prestando serviço aos clubes.
“Nos elencos da base, os psicólogos trabalham muito a questão da psicoeducação, ou seja, no primeiro semestre a gente treina eles a entender como é a ansiedade, o que é concentração, motivação. Já no segundo semestre, que é quando tem mais decisões de campeonatos, aí vamos só administrando aquelas competições que necessitam com aquele grupo que está mais desajustado, que precisa de mais trabalho em grupo para fortalecer a coesão.” Fernanda Faggiani.
Fernanda Faggiani comemorando o título da Copa Ipiranga 2019 com o elenco de transição
Segundo Fernanda, o foco principal desses profissionais é entender o grupo de atletas, se são mais introvertidos ou extrovertidos, saber um pouco da história deles, porque dependendo da atividade, pode desencadear emoções negativas ou deixá-los mais anímicos na sua performance.
Além disso, o trabalho desenvolvido com os jogadores precisa ser com bastante tempo, para que o psicólogo crie um vínculo, e consiga impactar de forma positiva, sempre alinhado com a comissão técnica.
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Outro pilar do trabalho da psicologia é poder ajudar os atletas a antecipar situações que possam acontecer para que eles estejam mais munidos de recursos para regular suas emoções quando o episódio vier a acontecer, como perder um gol, ou um pênalti em uma partida decisiva.
“Todo atleta que erra um pênalti vai ficar triste, é algo natural, mas a forma como o atleta vai receber essa informação e vai levar ela para os próximos comportamentos isso é o que precisa ser ajustado e trabalhado e que muitas vezes é o nosso foco dentro da psicologia. Buscamos trazer nesses momentos o retrospecto do atleta na sua performance, na sua dedicação, mostrando que ele não é o pênalti perdido, ele é um atleta que treina, que se dedica, e que pode acontecer erros, assim como os acertos.” afirma Fernanda.
O psicólogo Márcio Geller, com passagens pelas categorias de base do Inter, ressalta a necessidade dos clubes em possuir uma comissão técnica completa, para que essas situações sejam mais raras de acontecer, visto que, o detalhe é do tamanho de um oceano. O gol que o atleta erra por estar um pouco ansioso pode mudar a história de um jogo, de um campeonato e de uma temporada, então esse trabalho é de suma importância para os atletas e o clube.
Outro problema que surge após esses erros, que fazem parte do futebol, é a cobrança da torcida. Mari Fidalgo conta que é através da orientação de planejamento e estratégia, que o atleta vai conseguir lidar com a pressão executada pela torcida, pois a mesma não compreende com facilidade, os momentos que o atleta está vivendo.
A psicologia esportiva ainda tem um caminho a percorrer, são pequenos passos, mas podemos perceber que já possui uma boa aceitação e valorização entre os atletas e comissões, que estão compreendendo o verdadeiro objetivo da psicologia no futebol.
Texto por Willian Sanmartin