Quando Antonio Rattín, celebre capitão da Seleção Argentina, escandalizou a realeza britânica ao segurar e sacudir a genitália defronte a tribuna de honra do glamuroso Estádio de Wembley durante a Copa da Inglaterra em 1966, após ser expulso por repetidas jogadas violentas, em jogo dos portenhos- (Inglaterra 1 X 0 Argentina)- contra a dona da casa confirmou-se um ambiente de desorganização, desmandos e insubordinação que reinava no futebol dos nossos irmãos argentinos.
Esse status quo levaria algum tempo até tornar o futebol argentino respeitado, reconhecido e integrante de um seleto grupo de favoritos permanentes em qualquer competição internacional, cujo rol hoje, frequentam também as seleções brasileira, francesa e alemã, essa última a despeito de seus recentes fracassos.
Depois de não participarem da Copa de 1970, quando perderam a vaga para o Peru, e de serem eliminados após um sonoro a acachapante 4 X 0 para seleção holandesa na Copa da Alemanha em 1974, veio a Copa dela própria Argentina -(país sede alternativo em substituição a Colômbia)- quando nossos vizinhos iniciaram sua escalada rumo aos principais pódios do futebol mundial.
Treinados por César Luis Menotti, que firmou um esquema 4-2-3-1-( releitura para os dias atuais)- tendo como protagonistas o goleiro Fillol, Daniel Passarela na zaga, Osvaldo Ardiles no meio, mais a contundência de Mario Kempes e Leopoldo Luque no ataque em emocionante final com a Seleção Holandesa, que ainda preservara grande parte dos integrantes da “Laranja Mecânica” que encantara o mundo na edição passada do certame, como Jongbloed, Krol, Han, Jansen, Neeskens, Rensenbrink e Repp eles portenhos sagraram-se campeões, pelo escore de 3 X 1 com o Estádio de Nuñez, trepidante e lotado.
Após a discreta passagem pela Copa da Espanha em 1982, quando caíram nas 4as de finais após derrota para o Brasil já com Maradona no cenário, no México em 1986, os argentinos protagonizaram conquista das mais marcantes, com a consagração do mesmo Diego.
Treinados pelo médico Carlos Bilardo, precedidos de muita desconfiança de seu povo e dos meios de comunicação, sofrendo severas críticas em seu país, apresentaram grande futebol, lastreados em conceito tático inédito até aquele certame: pela primeira vez foi utilizado o 3-5-2- em Copas do Mundo, forma de liberar o grande Diego Maradona das tarefas táticas e competitivas a ele destinando espaços com a proteção de zagueiros, volantes e meias para livremente, flutuar, armar, agredir e finalizar nas jogadas ofensivas. Com essa estratégia, Maradona. foi dizimando um a um de seus adversários, até chegar a final contra a Alemanha superada por um 3 X 2 emocionante, consumando o segundo título argentino.
Em 1990 na Itália, nova final contra a Alemanha dessa vez vencida pelos germânicos, com gol solitário do lateral Bremen na final. Em 1994 na Copa americana vencida pelo Brasil, foram cedo desclassificados. Pior, houve a celeuma sobre o resultado positivo de exame de doping na estrela Maradona, o que abateu demais aos argentinos, com o deslize cometido pelo ídolo.
Nas copas seguintes não houve maior destaque dos hermanos, já que em 1998 foram excluídos nas quartas de finais pela Holanda, em 2002 foram desclassificados já na primeira fase, em grupo com Suécia, Nigéria e Inglaterra, em melancólica participação.
Em 2006 na Alemanha, os argentinos foram desclassificados pela dona da casa nas quartas de finais, em jogo que superou prorrogação e atingiu aos pênaltis, em cujo certame, revelou-se para o mundo um certo minguado e frágil Lionel Messi -(então com a camisa 19)-que aliás anotou seu primeiro gol em copas, mesmo sendo suplente de Riquelme.
Na África do Sul em 2010, mais uma vez os argentinos trombaram com a Alemanha nas 4as. de finais e foram uma vez mais suplantados, sofrendo um sonoro 4 X 0, marcando novo encontro com os germânicos na Copa do Brasil em 2014, quando na final foram derrotados honrosamente pelo escore mínimo no Maracanã.
Na Rússia em 2018 melhor sorte não foi reservada aos portenhos, pois nas quartas de finais enfrentaram a Seleção Francesa, ao depois flamante campeã do certame, sofrendo revés por 4 X 3 com Mbappe , craque do momento, sendo desequilibrante.
Na preparação para a Copa do Catar, assume de forma interina o comando técnico argentino o ex-zagueiro Lionel Scaloni, aguardando oportunidade para contratação de “coach” mais renomado. Os bons resultados em jogos amistosos, o bom ambiente criado com a estrela Lionel Messi, para quem encontrou esquema -(semelhante ao de Bilardo com Maradona em 1986)- que liberava seu melhor jogador somente para as jogadas de proposição, tornou-o permanente, conquistando vaga nas eliminatórias com bastante antecedência, permeando a classificação para o Catar com a conquista da Copa América frente ao Brasil de Adenor Bachi.
Finalmente a Copa do Catar a ela acorrendo o esquadrão alvi-celeste com 35 jogos de invencibilidade, para debutar contra a seleção da Arábia Saudita, jogo para cumprir tabela e armazenar pontos e gols, com vistas a classificação para próxima fase. Ledo engano: argentinos começaram otimamente, com futebol dominante, chances de gol que se sucediam e eram desaproveitadas, mercê de estratégia antiga dos árabes ao jogar com linha defensiva alta, forçando situações de impedimento do rival, o que os portenhos não souberam suplantar.
De forma surpreendente reagiriam os árabes com gol fortuito, dando margem a abatimento inexplicável do time de Messi, que, nervoso e inseguro, passou a errar todos os movimentos, mesmo os mais simples, dando margem a incrível crescimento do adversário que dominou o jogo, fez o segundo gol e escancarou o principal defeito do time de Scalone: instabilidade emocional e insegurança diante de situação adversa inesperada.
Esse momento de stress emocional, com reversão de expectativa positiva para um grande baixo astral, decorrente da derrota para uma seleção de nível muito inferior, certamente levou os argentinos a reflexão sempre necessária, merecendo sempre ser renovada, mesmo com elencos de estrelas e atletas extraclasse; não existe mais jogo jogado, nenhuma equipe ganha no nome ou na véspera, se não correr, se não ralar, se não for competitivo em todos os detalhes ou lances o insucesso será inevitável consequência.
O episódio remobilizou os argentinos, seu treinador reviu conceitos, fez mudanças, escalou no seu meio campo 3 atletas que são verdadeiras usinas de saúde, força, vitalidade e intensidade, além de hábeis, -( De Paul, Enzo Fernandes e Alexis Mac Allister)- deixou Messi centralizado sem tarefas a não ser propor o jogo flutuando de bico a bico de grande área, com Julian Alvarez -( substituindo Lautaro Martinez)- e Papu Gomez -( em substituição à Di Maria)-, marcando com vigor a saída de bola adversária com agressões em diagonal quando Messi se movimenta e abre espaços na frente da área dos rivais.
Veio o primeiro jogo após o fracasso inicial e os portenhos venceram o México sem jogar bem, mas coesos, competitivos e com mínimos erros defensivos, ao passo que a classificação sucedeu em grande jogo contra a Polônia de Lewandowski com impositivo 2X0 ,onde luziram Enzo Fernandes e Alexis Mac Allister, além do extraordinário Messi, a meu juízo, em análise da história do esporte bretão, o melhor de todos, afora o Rei Edson Arantes do Nascimento.
Arrematando, ressurge a Argentina depois do claudicante início, conclusão mais reforçada pela atuação com vitória por 2 X 1 nas oitavas de finais contra Austrália, cujo placar não indica o que ocorreu na partida, onde os argentinos predominaram amplamente e somente a perda de chances que se sucederam ao longo do segundo tempo explicam o escasso placar.
A Argentina de Messi, Enzo, Alvarez, Mac Allister, como aconteceu nas copas de 86, 90, 2014, quando começou titubeante, demonstra-se candidata ao título, mesmo que tenha na sequência da competição, grande enfrentamento contra a Seleção da Holanda, hoje com perfil diferente de sua histórica Laranja Mecânica, pois joga de forma reativa, prenunciando-se decisão sensacional para as quartas de finais.
Torço e espero que os argentinos, de futebol que tanto aprecio, vençam esse confronto e confirmem o presságio do ressurgimento do seu futebol nesta Copa!
Texto de Fernando Carvalho.