imprensa no gramado
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O assessor de imprensa entre Ronaldinho e Kannemann

“A escolha do time de futebol redobra, por um gesto nosso, a sujeição primeira a um nome, a inclusão na ordem da linguagem e a identificação inconsciente com um objeto de amor. Ou seja, reencena as bases do nosso processo de identificação, dando-lhe um fantástico teatro em que se desenvolver e se esquecer. Alimentado e açulado pelas motivações grupais e sociais, não é à toa que passamos a defendê-lo pela vida inteira, às vezes furiosa e desesperadamente”. (MIGUEL WISNIK)

Tenho 39 anos, sou jornalista desde 2004, tempos em que sequer a disciplina de assessoria de imprensa existia na faculdade. Quando pensei em estudar jornalismo ainda era o tempo em que os adolescentes estavam mais (sonhando) preocupados em mudar o mundo do que sonhando (preocupados) com as redes sociais. Sempre quis trabalhar em veículos de comunicação e demorei até conseguir ingressar nas Rádios Bandeirantes e, depois, Gaúcha e mais adiante no jornal Correio do Povo e no portal Terra. Não queria mudar o mundo, mas queria ser ouvido, lido ou visto, pois dou muita importância para as reflexões que provoco ou as feridas que toco.

Quis o destino, no entanto, que a maior parte da minha carreira fosse em assessoria. E em um cenário completamente diferente, o de um clube de futebol. De 2010 a 2020 estive no departamento de futebol do Grêmio, mais precisamente no vestiário, onde tudo acontece enquanto a bola está parada e nem por isso, há menos tensão no ar. Diante dessa oportunidade, procurei, de alguma maneira, exercer a profissão, embora a função, muitas vezes, seja apontada como entrave.

Eu não queria desperdiçar essa oportunidade e acho que não desperdicei. Mais do que isso, queria que ela ficasse registrada para sempre. E o fiz escrevendo. O privilégio de transitar no ambiente sagrado do futebol durante um dos períodos mais significativos da recente trajetória do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense é o ponto de partida do livro “Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa” (Capítulo 1, 304 páginas). A obra traz informações, curiosidades e reflexões acerca de episódios – públicos e inéditos – vivenciados por mim na companhia de importantes personagens da história do tricolor gaúcho

O conteúdo reflete a experiência acumulada em pouco menos de uma década, 654 partidas, 212 viagens oficiais e mais de mil entrevistas coletivas de oito comissões técnicas nas gestões dos presidentes Paulo Odone, Fábio André Koff e Romildo Bolzan Júnior. Os textos de apresentação do livro são assinados pelo jornalista esportivo José Alberto Andrade e pelo técnico de futebol Roger Machado.

O livro inicia com minha chegada ao Grêmio na semana em que se imaginava anunciar a volta de Ronaldinho, aponta outros pontos de vista de derrotas e vitórias marcantes, procura contextualizar o momento recente do clube e encerra nos primeiros dias do ano passado quando houve uma série de demissões, inclusive a minha, detalhadamente abordada a partir de um episódio com o ex-presidente da Federação Gaúcha de Futebol Francisco Noveletto e culmina com uma marcante coletiva do argentino Kannemann a respeito do sentimento desse gesto.

Ao longo da narrativa, jornalismo e a visão passional de torcedor se misturam em uma pretensão Nelson Rodriguiana, pela maneira humana e apaixonada que sempre apontei a lupa ao olhar para o futebol. Escrever é um hábito que senti falta, desde que deixei as redações por onde atuei no período pré-Grêmio. Apurar, anotar, digitar e editar são verbos acadêmicos e profissionais que voltei a conjugar no presente exercício da escrita deste livro.

Resolvi também escrever sobre minha experiência para deixar registrado, do ponto de vista profissional, o que acredito ser o papel do jornalista dentro de um clube de futebol enquanto assessor de imprensa: um profissional que não somente exerce uma função essencial no que tange à produção de conteúdo e à gestão de processos de comunicação, envolvendo a entidade e seus múltiplos públicos, mas também que, numa esfera mais ampla, é peça-chave para a garantia do jornalismo. Lidar com pessoas de cargos, formações, classes sociais, temperamentos, gênios, personalidades, currículos e ambições completamente diferentes no mesmo ambiente não é fácil.

Inserido nesse cenário está o assessor de imprensa. Um jornalista que tem a oportunidade de enxergar tudo aquilo que quem está de fora do vestiário gostaria e não pode. Que sabe boa parte daquilo que a imprensa e a torcida gostariam de saber e que ninguém ali de dentro quer que saia para fora. Não à toa, o vestiário é considerado “sagrado”. O assessor diariamente se vê diante de circunstâncias delicadas. Não que os demais profissionais não sejam colocados em encruzilhadas também. Ocorre que a maioria das ações do assessor tem consequência externa.

Não restam dúvidas, tanto o futebol como o jornalismo mudaram muito ao longo das décadas, embora creia que, ainda que com percalços e ressalvas, ambos ainda preservem hoje algumas das características e valores fundamentais para suas essências enquanto atividade e paixão.

Neste contexto, percebo a comunicação ser cada vez mais importante no desenvolvimento das relações entre pessoas, profissionais, empresas e marcas. Há cada vez mais meios e canais de comunicação no mundo. E no mundo, cada vez mais pessoas. A responsabilidade do fazer comunicar, porém, é dever de quem estuda e se compromete para tal, embora hoje todos possam se comunicar como bem acharem melhor.

Entendendo a comunicação como um agente essencial para a democracia, observo que tanto o assessor como o repórter de veículos têm de se postar de forma coadjuvante e imparcial perante os fatos. E colaborar de forma conjunta. Fundamentalmente ambos os profissionais – os de lá e os de cá do lado do balcão – servem ao mesmo interesse: o interesse público e, acima de tudo, a verdade. Um clube de futebol, em que pese uma instituição privada, é sim de interesse público, e por isso satisfações e decisões de suas ações precisam ser colocadas à prova.

Em tempos de redes sociais, informalização do trabalho, desinformação, informações falsas, má fé, princípios e valores pétreos perdendo força, os desafios são muitos. O futuro tem na comunicação um de seus pilares democráticos mais fundamentais, como, aliás, sempre o teve. E, neste sentido, trocar e disseminar experiências e ideias – como propõe meu livro – é essencial.

A comunicação é um fenômeno social contínuo, de aprendizado inclusive. E não fosse ela e seus meios, a experiência do futebol não seria a mesma. E experiência no futebol, conforme a citação no primeiro parágrafo deste texto, se vivencia talvez antes de nascermos. E a experiência no jornalismo, conforme a citação abaixo de Paulo Vinícius Coelho, o PVC, é o que pretendi fazer ao escrever um livro e deixar para sempre registrada minha passagem pelo Grêmio:

O que importa é saber construir uma boa história, priorizar a informação, ter noção exata de qual é o lide da matéria que está por nascer e o encadeamento de ideias para tornar a história suficientemente atraente. Tudo isso é bom jornalismo.

Paulo Vinícius Coelho

Texto de João Paulo Fontoura.

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