ídolo gremista
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O assessor de imprensa e o ídolo

Se estás imaginando que vou elencar uma série de elementos para dividir contigo alguma experiência minha com um ídolo, sinto pela primeira decepção já na segunda linha. Por uma razão muito simples: não trabalhei com qualquer um dos poucos que tenho. Seja pela distância abissal que nos separam, seja pela idolatria arrefecida com o passar do tempo, seja por uma proposta do Cruzeiro. Ao mesmo tempo, trabalhei com o maior ídolo da história do Grêmio durante cinco temporadas e com um dos maiores da torcida do Inter, um ano.

Renato Portaluppi, que há dez dias deixou o Grêmio, e Paulo Roberto Falcão, de quem não ouço nada desde a comovente manifestação que fez aos mortos na Itália no início da pandemia, me trouxeram possibilidades de avaliar como a idolatria afeta as pessoas quando estas se encontram no ambiente profissional onde os cargos são colocados à prova. E aqui, não pretendo fazer qualquer juízo de valor, muito embora os tenha, mas não acho necessário compartilhá-los.

O ídolo colorado

Enquanto atuei como produtor do Falcão na Gaúcha, bastava falar o nome do ex-camisa 5 colorado para que a maioria dos convidados interrompessem com um sim ao pedido de entrevista para o programa, o que, digamos, é uma maravilha para quem tem que correr atrás da solicitação do apresentador. Ocorria, no entanto, uma situação que sempre me incomodou. Um chefe – que está até hoje por lá por sinal – mais velho do que o subordinado sempre o tratou como o ídolo de sua adolescência. Era “Bola-Bola pra cá, Bola-Bola pra lá” e, a meu ver, o profissionalismo jogado para escanteio por quem mais devia preservá-lo. Tudo isso entre recordações dos tempos de ambos no Beira-Rio, algo que uma mesa de bar seria mais propícia, ainda que improvável dada a falta de reciprocidade. Para não dizer outra coisa.

O ídolo gremista

Eis aqui um gancho para falar de Renato. A única lembrança que tenho in loco dele vestindo a 7 gremista é de 1991 quando a diretoria o repatriou para disputar a extinta Supercopa da Libertadores. Eu tinha nove anos de idade e pela primeira vez registrei vê-lo em campo, no saudoso estádio Olímpico. Além de comandar o time durante a partida, o atacante fez um golaço de peixinho. Os argentinos empataram e levaram a vaga nos pênaltis. Renato chutou para o alto a sua cobrança, o Grêmio saiu eliminado e essa dívida sempre fiz questão de relembrá-lo.

Somente fiz essa espécie de cobrança ao Renato pela relação que construí ao longo do tempo. Em 2010 quando entrei na assessoria do Grêmio e em 2020 quando saí do clube, também era ele a escalar os 11 em campo. A década que separa a primeira da terceira passagem, todos observaram, mostrou um cara mais evoluído e sem os óculos de sol em várias entrevistas, o que não pegava bem para ele. Sua despedida semana passada em plena pandemia, ainda assim reuniu uma aglomeração surreal no aeroporto. A cena no aeroporto Salgado Filho eleva para patamares inimagináveis o que é capaz de fazer alguém que deixe de conviver com o seu ídolo de uma hora para outra. Mesmo que à distância.

Dentre dezenas de pessoas, tive o privilégio de viver a intimidade com o cara que fez os dois gols em Tóquio e, como ele gosta de dizer, o responsável por mandar escrever o letreiro luminoso Grêmio Campeão do Mundo, hoje no alto da Arena, lugar onde sua estátua recebeu os holofotes desde sua inauguração. Somente as histórias de bastidores dessa convivência com Renato dariam um livro. Como não tenho essa pretensão, elenquei algumas delas que ajudam a explicar o porquê de um gaúcho abertamente carioca exerce fascínio em tanta gente.


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2011: o Grêmio iria lançar os novos modelos de uniforme e a equipe de marketing do fornecedor de material esportivo teve a brilhante ideia de colocar Renato no banco de trás do meu carro (um utilitário 1.0, sem ar-condicionado) para filmarmos o deslocamento e, evidente, uma sacanagem na chegada do ídolo ao local. Quando foi a nossa vez de mostrar os ingressos, argumentei que nem todos ali os tinham, o que prontamente o segurança disse ser impossível então de seguirmos adiante. Quando a coisa iria esquentar, Renato pulou para fora da janela às gargalhadas: “Abre isso aí, rapaz. Olha quem tá aqui, Renato Portaluppi”. Na mesma hora, foi feito quase que uma escolta para que eu estacionasse o veículo.

Outra vez, em 2013, saímos para almoçar em um restaurante em Porto Alegre e, aparentemente, o garçom estava com a cara amarrada nos servindo. Era de tarde e havia pouquíssimo movimento no lugar. Renato resolveu então intervir: “O garoto, por um acaso você está com algum problema em nos atender? “Para nossa surpresa a resposta foi: “De forma alguma, Seu Renato, é que sou muito fã do senhor e confesso estar nervoso em servi-lo”. A conversa continuou: “Ah, tu estás nervoso é? Então deixa pra mim”. Renato puxou uma cadeira e gritou com outro garçom. “O meu amigo, faz um favor e traz mais um chopp que o moleque agora vai beber com a gente aqui”.

Desde 2010 ainda como repórter e a partir de 2011 como assessor do departamento de futebol esse lado do Renato sempre esteve presente. E o fato de ser um dos meus chefes, mas também muito próximo, nunca o inibiu de me dar broncas homéricas, embrabecer com minha provocação de que o gol de barriga foi na verdade do Aílton como diz a súmula, que meu camisa 7 preferido é o Paulo Nunes ou de que ele não pode opinar o caminho a seguir o ônibus da delegação se ele não sabe nada das ruas de Porto Alegre. Que ele até hoje jogando rachão é muito fominha e que a única tabela que ele faz bem é entre café e leite na hora de servir a xícara com os dois bules ao mesmo tempo na exata dosagem dos dois.

Poucas situações, no entanto, me davam mais prazer do que o ver de peito estufado falando de suas conquistas. Uma delas, em especial. Seis, na verdade: Renato ganhou cinco Bolas de Prata e uma Bola de Ouro da revista Placar ao longo da carreira como jogador, até hoje o terceiro colocado em número de troféus. Quando todos os jogadores, principalmente os mais novos, ficavam de boca aberta ao saber do feito do seu comandante, eu completava: “E vocês sabem quem elegeu?” Como a maioria não sabia, mas o Renato sim, evidente que eu não deixaria passar: “Pois é, os jornalistas. Essa imprensa faz cada uma”…

Se eu encerrar o texto dizendo que tratei Renato da mesma forma que os outros sete treinadores com quem trabalhei estaria sendo hipócrita e mentiroso. A liberdade e a fidelidade que tive e construí não foi em vão, mas também nunca foi suficiente para deixar de priorizar as obrigações do cargo de assessor. Não posso dizer como seria se trabalhasse com um ídolo, mas os exemplos que vi na Gaúcha e no Grêmio reforçam muito que, se a idolatria não se perde nunca, o respeito se perde antes de mandar uma mensagem para os amigos com uma selfie.

Se não me fiz compreender, deixo uma sugestão: a edição número 100 do Podcast “Hoje Sim” especial com Cleber Machado, Galvão Bueno e Luiz Roberto, um saborosíssimo bate papo dos bastidores de coberturas esportivas não somente no futebol, mas na Fórmula-1.

A cada fala um aciona uma lembrança de outro e, no final, a impressão é que eles já haviam perdido (impressão apenas, pois tratam-se de profissionais de excelência) a seriedade que um blazer e uma gravata ajudam a caracterizar. São três caras relembrando histórias sensacionais. Galvão dando carona para jogador da Seleção chegar a tempo de treinar em uma cidadezinha europeia, Ayrton Senna conversando por horas dentro de um avião longe de sua poltrona para ficar perto desses caras e outros relatos realmente imperdíveis. Não somente pelo ineditismo, mas pela paixão que brota dessas três vozes que conhecemos apenas narrando os esportes. Soa bem diferente quando narram seus próprios acontecimentos e passam a ser companheiros de algumas cenas de ídolos.

Se não os deles, os seus ou os meus, isso não importa.

Texto de João Paulo Fontoura.

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