Nos últimos 30 dias em função do lançamento do meu livro me vi em uma posição diferente. De alguma maneira ser notícia ao invés de dar, na função de repórter, ou administrá-la como assessor. Embora o fato seja o livro em si, o conteúdo da fala de quem o escreveu tem interesse jornalístico pois, conforme alguns colegas de veículos onde circulei, as mais de 300 páginas escritas servem de moldura para quem tenta fazer alguma relação com o momento atual do Grêmio.
Não é o meu caso, porque meu livro foi escrito de março a agosto de 2020 e nem de longe poderia se imaginar o cenário atual. À medida que passamos a ser vidraça, estamos sujeitos a rajadas de bodoque. Principalmente de pedrinhas atiradas nas redes sociais. Faz parte do ofício de quem escreve, se expõe, registra um ponto de vista e o documenta.
Sempre que converso em grupo de interessados no tema de assessoria – e em função do livro o tema ganhou alcance em outras áreas que não somente a da comunicação – pontuo na largada o papel da imprensa, pois julgo fundamental. Ainda mais em um período em que a democracia é cutucada. Entender o viés de cobrança sistemática aos governos, instituições e entes públicos, sejam políticos ou personagens do futebol que alimentam expectativa de milhões de pessoas, é o primeiro passo quando falamos para um seleto grupo de ouvintes.
Não é no Jornal Nacional ou na capa de um site que a explicação do porquê de tal notícia ser veiculada terá eco. Não há tempo nem propósito para isso. A compreensão do papel jornalístico fora da faculdade de jornalismo deve ser feita de dentro para fora: em grupos de WhatsApp, em conversas de botequim, em salas de aula com alunos de outras formações para que as reflexões ali propostas se propaguem com a mesma velocidade de um meme qualquer.
Feita a tentativa de entendimento do papel da imprensa, avancemos ao papel do assessor. Figura alvo de críticas, principalmente dos colegas de profissão, são vistos em maioria como muro entre imprensa e clubes e não como pontes. E não condeno essa percepção: Ela é até verdadeira para muitos que têm raiva do diploma atirado em uma gaveta e para tantos outros que não fazem ideia do quão difícil é, nos dias atuais, no futebol, pelo menos – que é o nosso tema de pano de fundo, alguém se posicionar de fato.
A Seleção Brasileira recentemente foi um prato cheio dessa colcha de retalhos composta por manifestações de figuras planetárias. Uma hora alertam um manifesto, noutra redigem uma nota em redes sociais, mais à frente condenam quem informou de forma equivocada. Mas esclarecer, que é bom, todos os pingos nos is, nada. Escrevo esse texto menos de 24 horas depois dos quatro minutos de Brasil x Argentina e até agora não li posicionamento algum de um jogador brasileiro.
Creio ser impossível que quem acompanhou tudo aquilo não desejar saber o que pensam as estrelas do espetáculo. Ok, vivemos em uma trágica pandemia que, na cobertura esportiva respinga em um distanciamento físico entre repórteres e fontes, mas um acontecimento desse tamanho merecia termos logo em seguida a posição de quem não pôde simplesmente jogar bola. De longe, a impressão que tive foi a de que isso pouco importou. Enquanto os argentinos voltaram para o vestiário, os brasileiros pareciam estar como em recreio de colégio – e a TV flagrou a cena até certo ponto lúdica de Neymar contando quantos jogadores tinha para fazer a bola rolar, mesmo que sem competição e três pontos em disputa.
Nesse tempo enquanto comentaristas, narradores, repórteres e principalmente equipe de produção e retaguarda seguravam as transmissões de algo que já não existia mais – o jogo em si – me coloquei no lugar de quem trabalha, dentre outras razões, para conduzir ao público os artistas: o assessor de imprensa é quem fica ali vendo tudo de perto, dos bastidores, fica sabendo de muita coisa, principalmente de intenções e silêncios. E, nesse caso, administrar tudo isso, garanto, não é fácil.
O parágrafo a seguir não é sobre o que aconteceu em Itaquera e sim uma resposta em uma entrevista que participei sobre as armadilhas da função de um assessor enquanto exerci esse cargo no Grêmio. No entanto, pincei ela aqui pois pode ilustrar o que a gente vê de fora de um jeito e que, de dentro, não é bem assim.
Os interesses contidos em um vestiário muitas vezes não são os mesmos, ainda que o bem maior seja o da vitória, por exemplo. O fato de todos desejarem a mesma coisa não indica um posicionamento idêntico diante de cenários distintos. O maior alvo em um vestiário é sempre o treinador e, independente do nome, é com quem se estabelece o vínculo mais próximo pela convivência diária. Nele convergem todas as cobranças de time e de liderança de grupo, portanto é natural uma maior aproximação com ele.
No entanto, isso nem sempre é bem-visto, pois um gesto de proteção pode significar contrariar os interesses de um dirigente que já não quer mais aquele homem, ou de um jogador, por exemplo, que está insatisfeito e não encontra eco no assessor na sua insatisfação. O assessor ali é ‘‘algodão entre os cristais’’ e tem uma relação de dependência e lealdade. Não pode falhar nunca com ninguém, mesmo que, porventura, falhem contigo.
No futebol o que mais levei como aprendizado é uma frase: “Mais vale o que parece ser do que o que realmente é”. Portanto, quando tentar se esconder em momentos de crise pode ter até certo êxito, mas o silêncio da escuridão esconde a fuga do compromisso. Se o rato só enxerga o queijo e não a ratoeira é porque a armadilha funciona.
Texto de João Paulo Fontoura.