Imagem retirada do site https://www.desportivobrasil.com.br/o-clube/infraestrutura-2/
Falar sobre a dificuldade que é para um jovem* entre 14 e 17 anos deixar seu estado, cidade, bairro, família, amigos, pais, irmãos, sua juventude e sua casa para trás para batalhar por um sonho é praticamente um clichê. Isso somado ao fato de que ele terá que morar em um alojamento muitas vezes superlotado, em condições longe das ideais, acentuam ainda mais este panorama. Mas por que então os clubes têm tanta dificuldade de perceber o impacto deste cenário na vida deste jovem? Não fosse por esta percepção falha, os alojamentos com certeza teriam condições melhores para se viver.
No Brasil temos hoje 850 clubes profissionais inscritos na CBF. Destes, apenas 50 possuem o Certificado de Clube Formador – que foi criado “com o objetivo de atestar quais clubes cumprem com os requisitos legais para a devida formação técnica e social de atletas no Brasil.” (CBF, 2023). Mesmo entre os clubes formadores, existem casos que ainda não têm todos os alvarás de funcionamento.
Mas resumindo e não se atentando a tantos detalhes aqui: cerca de 800 deles ou não têm todos os requisitos legais, ou não aplicaram para este processo anual de conferência dos seus processos de formação.
Tudo bem, nem todos os clubes têm categorias de base ou alojamento. Mas entre os que possuem, já se pode imaginar que não são todos que conseguem atingir uma estrutura de excelência. Do contrário, quem não gostaria de ter o certificado que te garante juridicamente no futuro, no caso de um atleta formado com sucesso desportivo? A resposta pra essa pergunta entra no ponto que venho levantar aqui: a frequente falta de cuidado com o básico e o impacto disto no desempenho dos jogadores.
A rotina de um atleta é extremamente desafiadora. Começando pelo processo de treino, que por si só já é um fator estressante: existe a cobrança do próprio atleta para melhorar, a cobrança do treinador, dos colegas de equipe, a exigência e o desgaste físico, desidratação, entre outros fatores… O que deveria ser uma etapa prazerosa do dia a dia, por muitas vezes não é. Exige adaptação constante do jovem para com ordens e instruções dadas pela comissão técnica e supervisores, cumprimento de rígidos comportamentos táticos e muito desempenho. “Ah, mas e o prazer de jogar futebol?” Isso fica na pelada que era jogada com os amigos. Nos clubes, a prioridade é a performance.
Ter de superar-se diariamente para competir não só com os colegas de time por espaço, mas com outros milhões de jogadores que também querem se tornar profissionais, é uma tarefa árdua. Exige dedicação, comprometimento, muito esforço e descanso.
As três premissas básicas que estruturam a performance de qualquer atleta são comumente conhecidas: treino, alimentação e sono. O treinamento normalmente é o foco dos clubes. Investem em salários para treinadores, estrutura de campos, material desportivo e custos para campeonatos. Aqui não se deve economizar. Afinal de contas, é sua atividade principal. Mas e a comida e o sono?
Os Clubes Formadores sabem que precisam contemplar os três fatores de maneira consistente. Alojamentos que parecem simples hotéis, com poucos meninos por quarto, limpeza, monitores orientando o comportamento dos alojados; um número vasto de profissionais da área psicossocial; refeitórios com comida de excelente qualidade e diversidade; e uma rotina que atende demandas diversas para além das quatro linhas.
Mas e os demais clubes? Como são suas estruturas? Que atenção dão ao atleta fora do campo de treinamento? Como ajudam o atleta na sua adaptação em um novo ambiente? Que atenção dão ao espaço onde ele deveria descansar?
Alojamento de time profissional da primeira divisão de Rondônia (Crédito: Reprodução/Instagram)
Ou será que dão o mínimo, cobram forte o rendimento, e não havendo, dispensam o menino colocando a culpa na sua falta de capacidade?
O que mais vi ao longo da minha carreira como atleta, vivenciando alojamentos e ambientes de diferentes níveis, esteve infelizmente relacionado com a última pergunta. Clubes, na sua maioria, entregam o básico (muitas vezes até pior que isto) em termos de estrutura, mas cobram o máximo em termos de rendimento. Pouco se preocupam com o bem-estar socioemocional do atleta, mas sim com o que ele pode/deve entregar dentro de campo.
Exemplificando um pouco o contexto que frequentemente é encontrado na grande maioria dos clubes: alojamentos são locais de pouca vigilância, estrutura precária, sujeira e não trazem nem de longe, o sentimento de estar em casa. O impacto no bem-estar é quase inevitável. Acentua a saudade de casa e outros sentimentos ruins.
“Ah, mas então só existem consequências ruins deste cenário? E o argumento de que a dificuldade te fortalece?”. De fato, existem fatos positivos, para quem consegue lidar bem com esta situação: poder construir amizades tão fortes que permanecem pela vida toda; aprender a se adaptar a situações diversas mais rapidamente; aprender a evitar que fatores externos influenciem internamente e no que está sendo executado; entre outros aspectos. E é fundamental que o atleta consiga superar os desafios do seu cotidiano, para que alcance o sucesso. Mas não é sobre isto.
É sobre perceber o impacto que o ambiente tem no bem-estar e no desempenho dos atletas. Tanto isto é verdade, que existe uma área da psicologia que só estuda isto. Não deveriam ser necessárias normas, como a nova Lei Geral do Esporte que no seu artigo 99, parágrafo 14, diz que somente poderá manter alojamento para os atletas em formação a organização esportiva que possua o Certificado de Clube Formador, para que clubes tivessem que correr atrás disto. Deveria ser um interesse primordial dos clubes.
É sobre cuidar do seu maior bem: o ser humano – atleta. Não é uma máquina. Não é uma mercadoria. É uma pessoa, de carne e osso, com sonhos e traumas, traços de personalidade únicos e que, não só merece o suporte, como precisa para entregar o seu melhor e retornar para o clube o pesado investimento que é feito.
Na sua visão, qual é o impacto destas condições no bem-estar de um atleta? E o atleta estando infeliz, qual o impacto disto no seu rendimento no campo? Cobramos tanto que os jogadores precisam ser criativos, divertindo-se jogando futebol…, mas será que damos as condições para que isto de fato aconteça?
(*) Nos termos deste texto, referências a atletas do gênero masculino também incluem atletas do gênero feminino.
Texto de Giordano Piffero
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