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JRC – Jogos Reduzidos e Condicionados

Todos temos em nossas lembranças professores e mestres que fazem a diferença em nossas vidas. Há alguns anos, tive a sorte de ser aluno de mestrado do Prof. Dr. José Afonso Neves na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, o que me deixa grato e honrado, principalmente pelo fato de ter aprendido não apenas em sala de aula, mas em todas as vezes que nos encontramos. Em cada aula e conversa, algo sempre emerge ao dialogar com este docente: a reflexão, o questionamento das ditas “regras impostas” que todos seguem, mas que poucos sabem realmente por quê.

Talvez esse seja um dos motivos para o Professor (com “P” maiúsculo) ser uma autoridade natural e autêntica: seu conhecimento amplo e profundo em quase todas as áreas que envolvem a Educação Física e a Ciência do Desporto (voleibol, futebol, tomada de decisão, pedagogia, fisiologia…). Em resumo: uma personalidade do desporto que o futebol deveria estudar.

Em 2022, o Prof. Dr. Filipe Clemente organizou um livro intitulado “Pequenos Jogos para Treinar em Grande – Um Guia Completo para o Futebol”. Obviamente, tratando-se de um livro que busca abrir a mente dos leitores, o Professor José Afonso precisava ser convidado; caso contrário, algo estaria errado. O que mais chama a atenção é que o capítulo que ele escreve trata de “Jogos Reduzidos e Condicionados: Um Olhar no Âmbito da Metodologia do Treino”.

Aqui faço questão de apresentar um resumo do que é debatido através de tópicos. A visão trazida é, literalmente, um convite a refletir como os Jogos Reduzidos e Condicionados (JRCs) estão sendo, e muito bem, “vendidos” em nível de ideias e incorporados às “metodologias modernas”, trazendo também contrapontos que fazem o treinador repensar sobre a utilização excessiva ou a forma como emprega essa prática.

Inespecificidade

Antes de mais nada, é preciso contextualizar que os JRCs são exercícios inseridos numa sessão de treinamento que, via de regra, buscam potencializar comportamentos e/ou ações através de constrangimentos (regras) da tarefa. No entanto, não se pode afirmar que os JRCs são mágicos a ponto de resolver qualquer problema enfrentado pela equipe. Os JRCs, se formos rigorosos, não são específicos, ainda que possam se parecer com a modalidade e o jogo formal. E por que não são?

A partir do momento em que reduzimos o espaço ou modificamos uma variável (como o número de jogadores), estamos, potencialmente, alterando certas dinâmicas e interações que existiriam no 11×11. Isso significa que interações entre dois ou mais jogadores podem desaparecer, outras podem ser reforçadas, e algumas até podem surgir nos JRCs — o que não ocorreria em um jogo de campo inteiro, por exemplo. Assim, é necessário abandonar a ideia de especificidade, ainda que o JRC seja, obviamente, muito mais específico do que uma sessão de yoga ou de crossfit para um jogador de futebol.

Além da inespecificidade, os JRCs não são representativos. Isso ocorre porque, ao elaborar uma sessão com JRCs, sempre há um trade-off; isto é, sacrificamos um conteúdo para que outro emerja. Embora isso seja parte da rotina dos treinadores, essa escolha por priorizar certos aspectos em detrimento de outros faz com que a representatividade da modalidade diminua. Dependendo da forma como escolhemos e gerimos os conteúdos, o jogo pode ser mais ou menos representativo, mas nunca perfeito. No caso do futebol, a representatividade plena ocorre em um jogo formal de 11 contra 11, em um campo oficial, com árbitro, torcida e todas as variáveis de uma partida competitiva.

Treino x Seleção Natural

Não se deve confundir treino com seleção natural. É comum encontrar clubes de grande expressão onde crianças e adolescentes, observados cada vez mais cedo, querem fazer parte da instituição a todo custo. Após a seleção dos melhores, esses jogadores passam por treinos integrados e, com o tempo, “quem sobreviver, sobreviveu”, enquanto os demais ficam pelo caminho. Isso não é treino, mas sim seleção natural, pois é muito mais fácil treinar jogadores talentosos usando JRCs do que aqueles que ainda carecem de aptidão e que necessitam de bases metodológicas diferentes das fundamentadas no método global.

Em contextos que não representam o topo institucional do futebol e onde há jogadores com dificuldades na prática, é responsabilidade do clube e do treinador desenvolver esses jogadores. Isso exige que o treinador pense em diferentes formas de desenvolver habilidades individuais e coletivas que podem se basear em métodos mais gerais. Esses conceitos (treino e seleção natural) têm sido muito confundidos no meio do futebol.

Motivação

Os JRCs possuem características psicológicas que influenciam positivamente na motivação dos jogadores, uma vez que estes estão constantemente lidando com desafios de vitória e derrota. No jogo formal (11v11), o envolvimento pode se diluir um pouco. Além disso, com equipes menores, há uma maior rotatividade entre companheiros e adversários, ao contrário do jogo formal.

Apesar das vantagens emocionais, nem tudo são flores. Embora estejamos fascinados com a ideia de que os JRCs podem ser específicos para o esporte e, portanto, ter como objetivo melhorar a performance esportiva, essa especificidade também traz problemas. O treino específico pode gerar burnout (estresse) precoce, dropout (abandono da modalidade) precoce e lesões por sobreuso. Por isso, é necessário cautela ao tentar resolver tudo com os JRCs. Para aumentar a motivação e o bem-estar emocional do atleta, o treino pode e deve incluir elementos mais gerais — algo que a literatura já aponta há décadas. Um parêntese: em uma entrevista, Roger Machado afirmou: “O jogador também precisa sentir saudade do futebol”.

Densidade de Ações por Jogador

Como os JRCs ocorrem em espaços reduzidos, a participação individual é muito mais elevada do que em um jogo formal, aumentando a densidade das ações por jogador. Isso potencializa a aprendizagem, uma vez que, no mesmo tempo de prática, o indivíduo tem uma vivência mais intensa do que em um jogo formal. Em um cenário ideal, onde os jogadores não possuem limitações técnicas, os JRCs são uma excelente ferramenta. No entanto, no mundo real, onde há limitações técnicas, os JRCs não conseguem resolver esse tipo de problema.

Especialmente em contextos infantojuvenis, jogadores iniciantes com dificuldades técnicas que participam de JRCs podem encontrar, ao invés de uma oportunidade de aprendizagem, uma fonte de frustração. Um exemplo: um jogador com dificuldade em dominar a bola vê a opção de passe do companheiro a uma distância relativamente longa. A bola pode não chegar devido a problemas técnicos (como falta de força ou precisão), mesmo que o jogador tenha uma boa percepção do jogo. Situações assim podem ser prejudiciais à experiência do jogador. Uma alternativa para corrigir essas dificuldades é o treino analítico ou com exercícios menos complexos. O treino analítico não é concorrente dos JRCs; eles são complementares! Se uma criança ou jovem for exposta apenas a exercícios analíticos e nunca migrar para atividades mais próximas do método global, sua técnica aprimorada pode não ser útil, e seu entendimento de jogo pode sofrer.

Transferência

Sempre que pensamos em transferência, assumimos que ela será positiva; ou seja, se um jogador se desmarca bem em um JRC de 3×3, ele também irá se desmarcar bem no 11×11. Embora algumas habilidades se transfiram bem, esquecemos que a aprendizagem motora já constatou há décadas que existem também transferências negativas. Se, por exemplo, aprendemos espanhol e italiano ao mesmo tempo, podemos ter dificuldades devido às semelhanças entre os idiomas. No caso do voleibol, o saque e a cortada são movimentos semelhantes, mas diferentes o suficiente para causarem confusão se ensinados simultaneamente.

Transferências negativas costumam surgir em diferenças sutis, mas relevantes, entre duas ações, tornando o controle do treino uma ferramenta essencial para garantir que a transferência de desempenho técnico-tático entre JRCs e o jogo formal seja positiva. Controlar o treino não se resume aos dados de GPS e percepção de esforço, embora esses sejam importantes. Ao gravar uma sessão de treino que contenha JRCs com objetivos táticos específicos, podemos, ao rever a gravação, verificar se as ações estão alinhadas com o objetivo proposto. Outra possibilidade é comparar as ações dos JRCs com exercícios de maior escala e verificar se há transferência positiva do “micro para o macro”.

Caso a transferência seja negativa, cabe ao treinador e à equipe técnica refletir sobre os passos seguintes para otimizar o desenvolvimento dos conteúdos necessários. Esse controle pode ser mais valioso do que saber se o jogador correu mais ou menos de três quilômetros por treino.

Desenvolvimento fisiológico

Estudos mostram que o desenvolvimento da aptidão cardiorrespiratória e da agilidade também é impulsionado praticamente pelas mesmas razões mencionadas no ponto anterior (em que os espaços reduzidos promovem não só uma grande vantagem nas ações com bola, mas também em ações sem bola).

Como discutido anteriormente, os JRCs utilizam espaços mais curtos, exigindo mudanças de direção mais frequentes em áreas menores e sprints mais curtos. Com isso, os jogadores podem passar uma semana inteira abaixo das exigências fisiológicas do jogo formal. Surge, então, a questão: isso realmente prepara o jogador para as demandas de um jogo competitivo?

Na verdade, essa prática pode resultar em uma perda potencial de desempenho quando os jogadores são submetidos a jogos formais, uma vez que o esforço físico nesses jogos é diferente dos JRCs. Esse desequilíbrio pode aumentar o risco de lesão. Se uma equipe não consegue equilibrar a demanda fisiológica do treino com a do jogo, os programas de prevenção de lesões tornam-se ineficazes.

Regras e objetivos claros para os JRCs

No universo das condicionantes de tarefas de treino, qual é o papel pedagógico dos JRCs? A utilidade dos jogos reduzidos está diretamente ligada ao objetivo pedagógico por trás deles, e sua eficácia depende do uso combinado com outros métodos de treino, como mencionado anteriormente.

Em primeiro lugar, os JRCs devem ser encarados como uma ferramenta – não uma “solução mágica” capaz de atender a todas as demandas de treino. O treino analítico, focado em habilidades e técnicas específicas, ainda mantém sua importância e deve ser integrado à sessão de treino. Atualmente, muitos treinadores hesitam em usar o treino analítico, talvez devido à popularidade de abordagens mais globais, mas ele pode e deve fazer parte do processo de treino, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento dos atletas.

Uma abordagem completa de treinamento deve incluir espaço para diversos componentes, combinando JRCs, o jogo formal e o treino analítico. Um erro comum é acreditar que manipular o espaço e o número de jogadores é suficiente para promover o desenvolvimento. Para que essas alterações sejam eficazes, é necessário considerar como elas influenciam a dinâmica e a representatividade do jogo. A adição de elementos, como balizas laterais, por exemplo, pode alterar drasticamente as características do jogo. Embora esses elementos promovam uma prática dinâmica, podem não refletir fielmente as condições reais de um jogo.

Outro aspecto interessante é o uso de sistemas de pontuação para valorizar comportamentos táticos específicos, premiando determinadas ações para reforçar habilidades e decisões estratégicas. As variações nos tempos de descanso entre atividades também podem ser um fator condicionante da tarefa que o treinador pode utilizar. Trata-se de uma manipulação intencional que permite ao professor ajustar o nível de intensidade física e controlar a recuperação dos atletas. Essas técnicas visam a criação de ambientes que não apenas melhoram o condicionamento físico, mas também desafiam cognitivamente os jogadores.

Há também uma atenção especial ao impacto das regras modificadas, que forçam os atletas a sair de sua zona de conforto. A inclusão de regras que desafiem os jogadores a pensar de novas maneiras ajuda a evitar a estagnação no desenvolvimento, promovendo a criação de soluções originais e aprimorando habilidades transferíveis para o jogo formal. Em vez de repetir padrões familiares, os atletas são estimulados a desenvolver estratégias adaptativas.

Por fim, os chamados “jogos com handicap”, nos quais uma equipe está em desvantagem, seja no número de jogadores ou no placar, podem desafiar os jogadores em aspectos emocionais e táticos. Colocar uma equipe em desvantagem no placar, por exemplo, incentiva os jogadores a desenvolver uma mentalidade de superação e a aprender a gerenciar pressões competitivas. Da mesma forma, equipes desequilibradas, nas quais uma é claramente mais forte, incentivam ambas as partes a explorar diferentes abordagens para manter a competitividade.

Em síntese, o uso de jogos reduzidos e suas variações no treino esportivo deve ir além de fórmulas prontas ou adaptações simples. Cada modificação, desde o tipo de campo até as limitações impostas, deve ter um propósito claro, adaptado às necessidades pedagógicas do momento. Somente com uma abordagem equilibrada entre práticas analíticas e representativas, os treinadores poderão aproveitar plenamente o potencial desses métodos, formando atletas mais versáteis, criativos e resilientes para os desafios do jogo formal.

Todos estes subtemas abordados em relação aos JRCs não são para dizer que está tudo bem ou está tudo mal, mas sim de refletir acerca da utilização excessiva deste método de treino. Quando incluídos na semana de treinos, os JRCs podem ser extremamente benéficos desde que sejam utilizados com conhecimento dos constrangimentos da tarefa, critérios e, sobretudo, equilíbrio.

Texto de Leonardo Monteiro

FootHub promove curso de Scouting com prática na Copa São Paulo de 2025

Na busca por seguir com o processo de acompanhar de perto a evolução da área de Scout/Análise de Mercado, auxiliando diversos profissionais a evoluírem em suas carreiras e ajudar aqueles que desejam ingressar na área de análise, o FootHub lança o curso Scouting: Análise de Mercado – edição Copa São Paulo, uma oportunidade única para quem deseja começar ou aprimorar sua carreira na área que mais cresce no futebol. Voltado à prática e com foco na Copa São Paulo de Futebol Júnior, este curso une teoria e prática para preparar os alunos a desenvolverem seus portfólios e fortalecerem suas habilidades em análise de mercado.

Estrutura do Curso

O curso é dividido em três módulos teóricos e um estágio prático:

  1. Os Princípios de um Analista
    Com Arthur Fraga, abordando desde o início da carreira em análise de mercado até habilidades-chave e montagem de bases de dados. Aqui, os alunos serão introduzidos a conceitos como Time Sombra e Hot List.
  2. Processos de Análise
    Com Luiz Alencar, que apresenta as ferramentas, rotinas e práticas diárias de um analista, além de ensinar a montagem de relatórios de análise.
  3. Montagem de portfólio
    Quer saber como montar seu portfólio na área de análise de mercado e se aproximar da sua primeira oportunidade? Nesta aula comandada por Arthur Fraga você receberá um passo a passo para sair do curso com seu material de trabalho completo! 
  4. Case Copa São Paulo
    Ministrado por Matheus Rosa, este módulo desvenda as estratégias aplicadas na Copa São Paulo, ajudando os alunos a adaptarem essas práticas para outras competições e contextos.
  5. Estágio Prático na Copa São Paulo
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