Em 1989 quando o jovem Tino Marcos cobria sua primeira Copa América no Brasil, longe dali, em alguma pequena quadra em Buenos Aires, o menino Andresito corria com a bola e fugia das pancadas dos pequenos adversários que encontrava pela frente na Argentina. Três décadas depois, consagrados na profissão, o jornalista e o craque argentino, em diferentes e recentes momentos, proporcionaram conhecer um pouco mais de cada um deles do que estamos acostumados a ver na televisão.
Tino Marcos
Comecemos com o mais velho. Em entrevista brilhante ao programa Bola da Vez, da ESPN, a voz serena de Tino Marcos quase irrita o telespectador – principalmente se ele for da área da comunicação, como é o caso de quem aqui escreve – ao explicar seu processo de “desmame” ao abrir mão de cobrir a Seleção Brasileira na Rede Globo, justamente em mais um título do Brasil também de uma Copa América, no mesmo Maracanã, em 2019, 30 anos depois da primeira cobertura, portanto. Uma simbologia, segundo ele, que enquanto busca uma palavra que substitua a aposentadoria, explica ainda um dos motivos que foram, aos poucos, alimentando a ideia de pendurar o microfone.
“O jeito de cobrir a Seleção Brasileira se modificou muito. Os processos de frequência para um jornalista mudaram muito. Hoje, assistimos 15 minutos do aquecimento, um bobinho e petelecos. Não assistimos treinos táticos e às vezes não assistimos nada em treinos fechados. E há até vezes que nem entrevistas ocorrem. Ficou muito árido cobrir Seleção”, discorre o repórter acostumado a entrevistar Ronaldos, Romário, Pelé e tantos outros que fica constrangedor citar.
D’Alessandro
Agora, o mais novo. No prólogo da biografia escrita pelo conterrâneo Diego Borinsky, El Cabezón adianta o leitor: “O torcedor conhece seus jogadores pelo que vê nos estádios e pelo que declaram nas entrevistas, mas não os conhece a fundo, não sabe qual é a sua essência. ” Eis o gancho para, ilusoriamente, propor uma tabelinha Brasil – Argentina entre dois craques de profissões que tanta paixão despertam e que têm, a meu ver, relação umbilical. Não podemos esperar que todo o jogador escreva um livro para melhor o conhecermos. Em cada Copa do Mundo, Tino brindava os telespectadores do Jornal Nacional com um precioso perfil dos convocados para o mundial. Neles podíamos ter acesso um pouco mais da intimidade de quem representaria o país na maior competição do planeta. Lógico que a cobertura esportiva evoluiu, o próprio jornalista reconhece as mudanças durante a entrevista aos colegas, mas é preciso observar algumas consequências desse processo.
Nesta hipotética jogada, qual o movimento do hoje camisa 10 do Nacional-URU e ídolo eterno dos torcedores do River Plate e do Internacional? Nas mais de 300 páginas em que conta sua vida pessoal e profissional, são inúmeras as respostas e contribuições de alguém que não perde a lucidez, mesmo quando o sangue lhe sobe a cabeça. Em um caso no clube gaúcho em 2015, o capitão colorado relata sua reação ao saber que um colega não estava no refeitório como os demais, pois estava concedendo uma entrevista naquele instante.
“O que, como liberado? Aqui, se as regras vão ser alteradas, o grupo tem que decidir, aqui os horários são cumpridos e quem deve esperar são os jornalistas”. Em que pese a condição de liderança e o respeito que todos devem ter às cartilhas internas de clubes, no momento em que diz “são os jornalistas que devem esperar”, o jogador derrapa em um comportamento padrão. Trabalhei uma década em vestiário e embora pareçam pequenas, essas situações se tornam delicadas, pois o assessor de imprensa está diretamente envolvido. Portanto, há no mínimo três outros profissionais trabalhando: o assessor, o jogador e o jornalista.
Este discernimento e relação ao profissionalismo D´Alessandro reconhece ter em várias passagens do saboroso texto. Faz questão de justificar suas escolhas, dentre elas a pôr um assessor de imprensa particular brasileiro e gremista. Suas frustrações na passagem pela Europa não lhe tiram o aprendizado por tudo que colheu na Espanha e na Inglaterra. A maneira como descreve sua relação com a avó, o irmão que não virou jogador e acompanhou o sucesso dele, os amigos de bairro, o cuidado com os pais, mesmo à distância, a quase perda do filho caçula e uma surpreendente predileção por um time na infância humilde são passagens que sublinham a importância de um cara que não está até hoje no futebol à toa.
Da mesma maneira, alguém que, para minha surpresa, torce pelo Real Madrid, perdeu os pais recentemente, demonstra uma humildade fora do comum diante do caminho percorrido em três décadas no jornalismo esportivo, passa de fato a impressão de desperdício se imaginarmos uma carreira encerrada. Pelo menos essa é a torcida de alguém que valoriza demais a profissão e se emociona quando a precisão do texto do Tino é encontrada com o mesmo talento de um passe de Andresito 30 anos atrás.
Os jornalistas contam as histórias dos personagens da bola. Os filhos de tantos craques mundo à fora assistem hoje na TV os lances do pai narrados por jornalistas. Os pais de vários craques argentinos têm guardado nas gavetas recortes de matérias escritas por antigos periodistas. O prêmio de Rei da América, de melhor jogador da Libertadores ganho é dado por um jornal uruguaio. Se a relação imprensa e jogador definhar, no futuro, talvez o que seja contado para o público tenha tão pouco interesse quanto o discurso do professor de educação física do impaciente D´Alessandro nos tempos de colégio. “E futebol professor, quando teremos? ”
Texto de João Paulo Fontoura.