A busca incansável por jogadores criativos em meio a uma época tomada pela evolução dos métodos relacionados a planificação e estruturação das ideias de jogo parece estar se tornando um verdadeiro “caça ao tesouro” no futebol mundial.
Ao que tudo indica, grandes clubes têm apostado desde muito cedo suas fichas em atletas tidos como promissores em idades tempranas para solucionar problemas que fogem aos padrões que estão sendo amplamente debatidos por gestores e treinadores em todo o mundo. A justificativa parece ser justamente a de que essas evoluções do esporte têm tornado cada vez mais difícil de encontrar atletas que tenham essa habilidade e por esse motivo, muitos milhões são investidos naqueles que esboçam qualquer tipo de comportamento que fuja do habitual.
Ainda que sejam necessidades um tanto quanto dicotômicas, você deve concordar que os grandes momentos do esporte geralmente ocorrem com soluções que fogem a toda e qualquer hipótese criada pelo torcedor mais fanático pela tática ou pelo profissional mais entusiasmado com o tema “tomada de decisão”. Se os valores são justificáveis e se o tempo em que esses atletas são vendidos é certo, são assuntos para um outro momento, nos atentemos aos detalhes.
Rob Gray em seu livro “How we learn to move” trouxe a luz que a criatividade não é um processo assimétrico. Ela pode surgir de uma intensa interação simétrica e acoplada entre o indivíduo, a tarefa, a cultura e as restrições ambientais enfrentadas por ele. Sendo assim, como poderemos, dentro da sessão de treinamento, potencializar a criatividade?
Leia também no site do FootHub:
Feedback e o processo de ensino no futebol – parte 2, por Raíssa Jacob.
Criatividade no futebol: dentro e fora de campo, por Rodrigo Romano.
A extinção do camisa dez: a alegria do futebol brasileiro está terminando?, por Michele Kanitz.
Dentre os aspectos da cultura encontram-se a aceitação ou exclusão da pessoa que é contrária a norma, ao apreço ou negação da intuição, a manutenção ou mudança dos costumes, a expectativa de papéis esperados aos homens e às mulheres (Alencar, 1995; Alencar e Fleith, 2003).
Quanto aos fatores da própria pessoa estão a flexibilidade ou rigidez de pensamento, a busca por soluções rápidas e imediatas, a facilidade ou a falta de habilidade de perceber problemas sob um novo ângulo, a dificuldade em suspender críticas, o receio de fracasso, a evitação de obstáculos, a falta de imaginação, o medo do desconhecido, a falta de percepção dos próprios recursos (Wechsler, 2008b), assim como a motivação, os estilos de pensar, o conhecimento, as habilidades intelectuais e a personalidade (Amabile,1998; Sternberg, O’Hara & Lubart, 1997; Zhou, Hirst & Shipton, 2012).
Resumidamente ela surge do agir, pesquisar, se adaptar as restrições e principalmente explorar o mundo. Nesse ponto de que é uma responsabilidade intrínseca de que treinadores, gestores, pesquisadores, preparadores físicos, analistas táticos, auxiliares, principalmente para os que atuam com jovens atletas, necessitam atuar em cima da criação de um ambiente desafiador, encorajador e que tenha um componente importantíssimo: a permissão para explorar (e errar!!)
Temos a tendência de a todo tempo querer condicionar nossas equipes para o comportamento tático esperado, em contrapartida, exigimos que tomem decisões rápidas e criativas, com baixíssima tolerância para o erro. Veja bem, obviamente a organização tática é de suma importância dentro de uma partida de futebol. Mas, para que essa possa ser potencializada considerando a quantidade de informações/dados que são produzidos atualmente no futebol sobre a maneira de jogar e como esses dados condicionam estratégias, é importante que tenhamos atletas que sejam capazes de conduzir respostas motoras que fujam a padronização em determinados momentos do jogo.
As perguntas que gostaria de deixar para a sua reflexão nesse texto, independentemente da posição que o leitor se encontre atualmente, seja em um clube ou escolinha de futebol são:
- Estamos incentivando a exploração a inovação para tentar potencializar a geração de diferentes soluções tanto em nível micro (o atleta) e macro (o organismo “equipe”)?
- Qual a qualidade do nosso feedback?
- Como estamos manipulando as tarefas em treinamento para potencializar um ambiente com atletas altamente criativos?
- Será mesmo que a culpa dos jogadores “perderem” a criatividade é apenas da “quase-extinção” do futebol de rua?
No próximo texto, tratarei sobre a perspectiva ecológica, sua relação com a criatividade e os contributos para o futebol.
Texto de Raíssa Jacob.
Referências
- Amabile, T. (1998). How to kill creativity. Harvard Business Review, 1, 77-87;
- How We Learn to Move: A Revolution in the Way We Coach & Practice Sports Skills Paperback – October 26, 2021;
- Identification of creative features in Brazilian athletes. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 196, Septiembre de 2014.;
- Sternberg, R. J., O’Hara, L. A. & Lubart, T. I. (1997). Creativity as investment. California Management Review, 40 (1), 8-21;
- Zhou, Q., Hirst, G. & Shipton, H. (2012). Promoting Creativity at Work: The Role of Problem-Solving Demand. Applied Psychology: an International Review, 61 (1), 56-80.