Em textos anteriores, abordei questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem no futebol e a importância dos profissionais da área de Preparação Física dentro desse processo, atuando como facilitadores do aprendizado e rompendo com perspectivas enraizadas em concepções profissionais mais do que ultrapassadas.
Para se ter em conta, existem hoje no mercado uma gama de ferramentas que conseguem mensurar a capacidade cognitiva de atletas em níveis declarativos e processuais.
Em linhas gerais, o conhecimento tático declarativo está relacionado com tudo aquilo que eu consigo verbalizar a respeito da lógica do jogo, como por exemplo, questionar qual seria o melhor comportamento que determinado atleta poderia tomar dentro de alguma situação do jogo ao assistir um vídeo. Já o conhecimento tático processual, se relaciona com todo aquele conhecimento que eu possuo e consigo traduzir da maneira mais assertiva possível dentro do próprio jogo, ou seja, é o que eu consigo realizar com a bola nos meus pés.
Nessa perspectiva, a qualidade da tomada de decisão e o tempo em que os atletas levam para tomá-las pode estar associada ao sucesso e insucesso dentro de uma partida ou até mesmo da carreira desses jovens atletas. Um exemplo disso, está presente em um estudo realizado por Bradley e colaboradores (2013) que buscou investigar o desempenho no jogo e a capacidade física dos jogadores na Premier League, Championship e League One, primeira , segunda e terceira divisão da liga inglesa, respectivamente.
Os dados forneceram novos conhecimentos sobre o possível impacto que as características técnicas têm no desempenho dos jogos e realçaram que os jogadores com padrões mais baixos poderiam exigir mais da sua capacidade física, sugerindo assim que os indicadores técnicos na Premier League eram superiores aos padrões dos jogos na segunda e terceira divisão, apesar da capacidade física não diferir entre os atletas dos três escalões.
Dessa maneira, podemos intuir que existe uma necessidade de fornecer um vasto repertório teórico e prático do jogo para que atletas possam lograr de uma maior possibilidade de sucesso em ligas de maior escalão e exigência físico, técnica, tática e consequentemente, cognitiva.
Para isso, é preciso olhar com bastante carinho para o processo de ensino e para o repertório motor-cognitivo desses atletas ao longo da formação, entendendo que são inúmeras as possibilidades e ferramentas para intervenções que podem otimizar o aprendizado. Hoje traremos a ferramenta mais acessível do mercado e que possui o maior impacto no aprendizado de atletas: o Feedback.
Mas antes de mais nada é importante que se compreenda o quanto nosso cérebro é um sistema muito mais aberto do que imaginamos e que possui uma capacidade adaptativa e transformadora que nos possibilita perceber e aprender com tudo o que nos cerca a todo o tempo, durante toda a nossa vida.
Por muito tempo, estudiosos acreditavam que o cérebro funcionava como um maquinário, onde cada zona era responsável por realizar determinada função de maneira específica e que em caso de dano, esses seriam irreparáveis. Felizmente, com o passar do tempo, novas pesquisas na área da neurociência mostraram que isso não apenas é uma inverdade como uma perspectiva extremamente limitante e grosseira da capacidade humana.
E você irá se perguntar: “Mas Raíssa, por que eu deveria considerar essa informação como relevante para ensinar futebol?”. Vamos lá.
Primeiramente, quem nunca escutou a frase “Que atleta burro”, “Ele/Ela possui muita dificuldade de aprender”, “Ele/Ela não consegue aprender o que eu estou tentando ensinar de jeito nenhum”, “Ele/Ela só pensa com a perna”, “Quem ataca, ataca. Quem defende, defende” ou até mesmo vindo dos próprios atletas “Eu não consigo aprender” ou “Isso é muito difícil pra mim”?
Já conseguimos entender que o cérebro é bastante complexo e que a sua capacidade de se adaptar através dos estímulos externos é vasta. Então vamos novamente refletir juntos: Será que quando um atleta tem dificuldade de atingir os objetivos estabelecidos no momento do treinamento o problema está excepcionalmente nele e em sua capacidade cognitiva?
E nesse momento você também irá me questionar: “Mas Raíssa, algumas pessoas tem mais dificuldade de aprender do que outras” e eu concordarei com você. É verdade que, de acordo com a qualidade das experiências vividas ao longo da infância e adolescência, se pode ter mais facilidade ou dificuldade para desenvolver determinadas ações e para tomar decisões mas isso não necessariamente está relacionado ao ser ou não capaz de aprender.
Por esse motivo, o Feedback se torna uma ferramenta capaz de operar verdadeiras e significantes modificações em todas as dimensões do aprendizado no futebol.
O Feedback, principalmente no futebol, é uma ferramenta que pode potencializar dentro do processo de ensino. Ele consiste na informação verbal dirigida diretamente a outra pessoa, deixando essa pessoa ciente de como sua conduta está sendo avaliada, fazendo colocações sobre as evoluções e involuções de determinado trabalho. (FRANCO, 2000)
Existem dois tipos de Feedback: O intrínseco, que se relaciona com atividades sensoriais relacionadas ao movimento (olfato, visão, tato e audição) e o extrínseco, que tem maior relação com a verbalização do que se pretende extrair de determinado atleta dentro de uma situação e também com apresentação de, por exemplo, informações através de vídeos relacionados as necessidades de atividade ou da tarefa. (UGRINOWITSCH,2008)
No que diz respeito ao processo de aprendizagem o Feedback possibilita comparar o que é realmente executado e o que se pretendia executar, possibilitando a troca de informações e o aumento do leque de possibilidades de melhorias dentro do exercício ou ao longo de um processo de treinamento.
Se entendermos o feedback através da ótica trazida por CASTO, (1988) como uma informação originária de fontes externas que são recebidas após a realização de um movimento, ou de seu próprio sistema sensorial com o objetivo de identificação do resultado do movimento ou ação executada, conseguiremos entender os reais motivos por ser uma ferramenta tão potente, principalmente em categorias de formação e o porque precisamos ter bastante cuidado com a maneira como a utilizamos nesse processo.
Para além de motivar, orientar e relembrar os conteúdos que são desenvolvidos dentro das sessões de treinamentos, o Feedback tem a capacidade de fazer com que o atleta reflita sobre a tomada de decisão expressada através da ação motora, verificando se o comportamento executado foi ou não o melhor para a resolução dos problemas apresentados no jogo. Nesse sentido, ele precisa estar alinhado a metodologia utilizada na instituição formadora, com o processo de organização e planejamento do treino mas principalmente com o manejo dentro dos exercícios propostos para desenvolver determinados conteúdos e comportamentos.
Dessa maneira é possível perceber se o que é verbalizado pode ser transferido e se o sentido do que se pretende realizar tem sido percebido da maneira mais próxima ao que se deseja pelo receptor da informação – no caso, o atleta – e como esse, dentro da sua própria percepção, realiza o exercício interno de refletir sobre o processo que está inserido e os pontos que precisa melhorar para atingir os objetivos propostos ao realizar as tarefas.
Afinal, ambientes ricos em estímulos levam os cérebros a se desenvolver e por esse motivo, precisamos enquanto professores e treinadores, refletir sobre a qualidade dos nossos feedbacks dentro das sessões de treinamento para que possamos auxiliar e extrair o melhor dos nossos atletas.
Será que quando um atleta apresenta dificuldade de transferência e aprendizado dos conteúdos ele é unicamente responsável por esse “insucesso”? Qual seria a porcentagem de responsabilidade dos treinadores – leia-se todos aqueles profissionais que estão inseridos no dia a dia, indo de treinadores a preparadores físicos – nesse processo?
No próximo texto, traremos uma perspectiva prática sobre como os tipos de feedbacks podem potencializar e ao mesmo tempo destruir o desenvolvimento de atletas ao longo do tempo.
Até logo.
Texto de Raíssa Jacob.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOIDGE, Norman. O cérebro que se transforma: Como a neurociência pode curar pessoas. Editora Record; 16ª edição. p. 420. ISBN-10: 8501083852, 2011.
FRANCO, Gisela S. Psicologia no Esporte e na Atividade Física. Editora Manole, 2000.
UGRINOWITSCH, Herbert et al. Frequência de feedback como um fator de incerteza no processo adaptativo em aprendizagem motora. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 11, n. 2, p. 41-48, 2008.)