Dentre os novos conhecimentos que o FootHub me trouxe recentemente, o universo da educação foi um dos mais interessantes. Formas de educar, metodologias, e a busca pelo aprendizado constante são alguns dos tópicos que me atraíram nesta área.
A partir disso comecei a ler mais conteúdos sobre o tema. Recentemente, um artigo em específico chamou minha atenção com mais força. Se trata do texto “Daqui para frente, toda a empresa será uma escola”. A autora, Mariana Achutti, Fundadora e CEO da Sputnik, parte do princípio que entidades como o governo e a mídia estão perdendo a confiança das pessoas, enquanto as empresas passam a ser entidades mais seguras para, inclusive, educar seus funcionários.
Por que exatamente este texto me atraiu? Pois o conceito dele é totalmente aplicável aos clubes, federações e demais agentes da indústria do futebol.
Essa educação pode ir desde aspectos sociais relacionados ao esporte até mesmo a gestão dele. O futebol funcionaria como diferencial para atrair a atenção de diversos públicos, já que possui um engajamento muito forte como consequência da paixão envolvida no jogo. Os atos recentes de vandalismo no esporte poderiam inclusive ser evitados com a existência destes aspectos educacionais no mundo do futebol.
Viés social
Uma das formas de construir este posicionamento como empresa de educação é através de ações sociais, podendo direcionar as iniciativas principalmente para o público infantil. As instituições têm potencial para ensinar muito mais do que os fundamentos do jogo, instruindo as próximas gerações a partir dos valores do esporte.
Diversos clubes brasileiros possuem suas iniciativas neste sentido, muitas vezes se aproximando de comunidades carentes de sua cidade ou região. Mais recentemente, entidades estrangeiras chegaram ao Brasil aumentando o número de projetos sociais por aqui, além de reforçarem seu posicionamento como clube global. É o caso do Barcelona, que entre 2012 e 2019 beneficiou cerca de 5 mil meninos e meninas em comunidades carentes do Rio de Janeiro.
Ainda neste sentido, os atletas e ex-atletas também tem papel importante. O relatório ‘Fan of the Future’, publicado em 2020 pela Associação de Clubes da Europa (ECA), destrinchou os diferentes perfis de torcedores para o futuro do futebol. Um destes perfis foi chamado de “Icon Imitators”, uma classe de torcedores que acompanha mais os ídolos do esporte do que um clube em específico.
Estes torcedores, em sua maioria entre os 13 e 34 anos segundo o relatório, se inspiram não só no que os atletas fazem dentro de campo, mas em suas ações fora dele. Por isso, os jogadores precisam estar sempre atentos ao seu comportamento, já que têm capacidade para educar uma geração de fãs.
Ainda no aspecto social, a recente lei que criou o modelo de Sociedade Anônima do Futebol segue o princípio de educar pelo futebol. Uma das contrapartidas mais relevantes para os clubes que aderirem ao formato de SAF está exposta no artigo 28 da lei:
“A Sociedade Anônima do Futebol deverá instituir Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), para, em convênio com instituição pública de ensino, promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação.”
São diversas ações possíveis destacadas pela lei, como a reforma ou construção de escola pública, manutenção de quadra ou campo de futebol, capacitação de ex-jogadores profissionais de futebol, para ministrar e conduzir as atividades no âmbito do convênio e na aquisição de equipamentos, materiais e acessórios necessários à prática esportiva.
Para que as mensagens sociais tenham ainda mais alcance, inserir este viés educacional na produção de conteúdo próprio da instituição é o melhor caminho. O Santos fez isso muito bem na série “Time de branco e de preto”. Com narração de Emicida, o conteúdo conta a história de diversos negros que vestiram a camisa branca santista, como Milton e Esmeraldo, primeiros negros da história do clube, e Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé do esquadrão da década de 1960.
A série de vídeos traz ainda mais um aspecto que pode ser abordado por clubes, federações e qualquer outro agente envolvido no futebol: o combate ao preconceito, seja ele social, racial, sexual ou de gênero. Neste sentido, é preciso trabalhar mais que simples ações em datas específicas, mas realizar uma comunicação contínua sobre os temas.
Viés acadêmico
Outra forma de educar que as instituições do esporte podem assumir é a partir da criação de escolas de gestão esportiva e outras áreas do jogo inseridas em sua própria estrutura. Aqui o público-alvo são justamente os gestores esportivos atuais e futuros, que devem passar por constante aprimoramento em benefício próprio, de seu clube ou federação, e da indústria do futebol como um todo.
O futebol europeu já percebeu há algum tempo a necessidade e o potencial que estas estruturas representam ao ecossistema, com o principal exemplo vindo da Espanha. Trata-se do LaLiga Business School, a escola de negócios da liga espanhola de futebol. A estrutura tem como objetivo detectar, captar e formar talentos visando o presente e futuro do esporte. Para isso, conta com cursos de diversos modelos, indo desde programas com duas semanas de duração até um MBA com nove meses até a conclusão. Além disso, LaLiga Business School conta com diversas parcerias com escolas e universidades internacionais, incluindo o Brasil.
Os clubes espanhóis também possuem suas unidades de educação, como o Barça Universitas, plataforma digital de transmissão de conhecimento do Barça Innovation Hub, como define o próprio clube, e a Escuela Universitária Real Madrid, voltada para programas de pós-graduação em diversas áreas do esporte.
Por aqui, a CBF também possui seu braço acadêmico, chamado de CBF Academy. Os cursos, que variam entre presenciais e online, englobam desde áreas voltadas para o jogo dentro de campo até temas ligados a gestão. O curso para treinadores possui quatro licenças, Pro, A, B e C, sendo as duas primeiras obrigatórias para que qualquer profissional atue na série A do Brasileirão, por exemplo.
Em relação aos clubes, o sinal mais recente de uma estrutura neste sentido veio do Athletico Paranaense, que planeja criar uma universidade. Em entrevista concedida em 2019, o presidente do conselho deliberativo do clube, Mário Celso Petraglia, explicou o objetivo do projeto:
“Estamos em fase de projetos para construirmos uma estrutura física para buscarmos a formação de formadores. Queremos ampliar o leque, não só o futebol. Queremos que nossa universidade forme professores de professores, no aspecto de performance, que serve para qualquer modalidade esportiva”
Além da educação ao mercado, as instituições esportivas podem trabalhar para educar seus atletas e funcionários. Caio Derosso contou no texto “Os dois motores do crescimento em um clube de futebol”, publicado no site do FootHub, algumas das ações realizadas enquanto trabalhava no próprio Athletico, tendo como objetivo auxiliar no desenvolvimento humano dos atletas. Foi o caso da parceria com a editora Grande Área que destinou 30 livros sobre futebol para os atletas das categorias de formação do clube.
Conclusão
Como exemplifiquei ao longo do texto, existem várias formas de um clube ou instituição do esporte se posicionar como empresa de educação. Este posicionamento deve ser considerado o quanto antes, já que o ensino é um trabalho que traz resultados no médio e longo prazo. Além disso, para acelerar este processo, a educação precisa estar presente no futebol brasileiro como um todo, não apenas em um ou outro clube, dando a força necessária para o projeto.
Acredito que todas as questões levantadas acima podem ser trabalhas pelas entidades esportivas. Se as instituições de ensino tradicionais estão realmente perdendo força, utilizar a paixão do esporte para educar é um dos caminhos mais fáceis a serem seguidos para o futuro do nosso país.
Bônus
Enquanto escrevia esse texto finalizei a leitura do livro “Lifelong Learners – o poder do aprendizado contínuo” de Conrado Schlochauer. A obra tem como tema principal o conceito de lifelong learning, também chamado de aprendizado ao longo da vida. Nela, o autor questiona a forma como a educação é tratada na sociedade, nossa relação com o conhecimento, as transformações que acontecem no mundo e como podemos inserir o aprendizado constante em nossa vida. Um livro que indico para qualquer um, e que faria muito bem aos gestores do futebol brasileiro.
Texto de Rodrigo Romano.