Como um programa de compliance pode evitar tragédias como a Operação Rebote

A importância de processos simplificados

No ano de 2017, o Sport Club Internacional, pela primeira vez reprovou as contas de uma gestão. Surgiam indícios de fraude e um ar de desconfiança na gestão anterior pairava. O conselho então resolveu, por uma medida até então incomum, contratar uma auditoria externa para avaliar as contas passadas.

O resultado, além de confirmar as suspeitas, desencadeou a maior operação investigativa do esporte gaúcho, denominada “Operação Rebote”. Em novembro de 2019, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou 14 pessoas pelo desvio de aproximadamente R$13 milhões dos cofres do clube entre 2015 e 2016. Para se ter ideia da relevância, esse valor é mais do que 25% do total de despesas administrativas e gerais do clube no ano de 2015 inteiro.

Dirigentes da época foram denunciados por organização criminosa, estelionato, lavagem de dinheiro e falsidade documental. De acordo com a denúncia do MPRS, eles utilizavam supostamente empresas próprias e de terceiros para ocultar os valores recebidos de forma irregular. Funcionários do clube foram induzidos ao erro pela apresentação de documentos fraudados que apontavam informações incorretas.

Em um dos casos denunciados, o membro do clube realizava saques nas contas do clube e desviava o recurso para a conta de uma empresa do seu irmão. Mais de R$9 milhões foram pagos por uma obra que sequer existiu.

No ano de 2017 a auditoria externa contratada pelo clube apresentou no seu relatório a existência de falhas graves nos controles internos do clube. Neste aspecto, observa-se o abismo de maturidade existente entre as melhores práticas de governança, sustentabilidade e segurança com o que é praticado pelos clubes, principalmente os associativos.

Pois bem, o que um departamento de compliance teria feito a diferença?

Em primeiro lugar, pense que você está entrando em uma dieta. De um lado você pode optar por fazer uma dieta da internet e seguir uma rotina de exercícios caseira, sem qualquer investimento.

Do outro lado você se matricula em uma academia e paga os primeiros 12 meses, passa no shopping e compra diversas roupas de academia e contrata um profissional qualificado pra fazer seu acompanhamento nutricional. Em qual das opções você imagina ter maior engajamento?

Se você acha que é a segunda, concordo contigo!

É assim quando uma entidade resolve investir e alocar recursos em uma estrutura de compliance. Mais do que os processos em si, está aí o primeiro sinal emitido pela administração de que as coisas mudaram. O que antes era tolerado, já não é mais. 

Junto com a elaboração de um código de conduta está o compromisso da administração de eles mesmo cumprirem suas disposições em primeiro lugar. Isto, infelizmente, é uma realidade distante da maioria das associações esportivas do Brasil e do mundo.

Você acredita que no universo do futebol existe a sensação de que agir de forma antiética é intolerável? Eu também não. E isso precisa mudar.

E como poderia ser diferente na prática?

Gestão de Riscos:

A elaboração de uma matriz de riscos, identificando os riscos e os impactos que afetam o clube em pilares financeiros, reputacionais, sustentáveis e jurídicos, ajuda a estabelecer critérios de priorização de controles que: (i) precisam necessariamente existir pro clube se manter seguro; e (ii) precisam necessariamente ser efetivos, ou seja, que precisam ser reportados imediatamente caso não sejam respeitados para as alçadas competentes.

Na prática, um processo de avaliação independente dos controles, focado em analisar de maneira crítica os controles internos do clube e com reporte estabelecido e protegido, poderia ter levado à ciência do conselho de gestão ou do conselho deliberativo os problemas existentes muito antes e sem necessidade de aguardar a troca de gestão para acontecerem as remediações.

Leia: A inovação através do modelo de multiclubes

Texto de Rodrigo Romano.

Processos de Compliance:

Gerir os riscos da contratação e intermediação com terceiros, visando minimizar riscos de conflito de interesses, de fraude, e no caso em tela, criar mecanismos de validação de um processo de saque ou pagamento que dificulte muito mais a obtenção de uma vantagem indevida é mais do que mera burocracia. É fundamental.

Precisam existir processos que busquem priorizar a relação do clube com empresas idôneas, que tenham menos risco de trazer prejuízos ao clube por ações que ele sequer cometeu. Nesse caso, a realização de Due Diligence de fornecedores, agentes, colaboradores, parceiros de negócios é importante para que o clube conheça quem está do outro lado da negociação e saiba encerrar relacionamentos negativos ou com potencial risco de trazer mídias negativas ao clube.

Criar estruturas capazes de viabilizar a investigação de qualquer transação, processo, ou pessoa, política ou não, ajudam a manter em alerta todos que possam agir contra o interesse do clube e em benefício próprio. É preciso que o clube tenha ferramentas de detecção e resposta para o inevitável que é o desvio de conduta. Esse processo, é claro, precisa estar livre do risco de retaliação das pessoas que colaboram com ele.

Os Comitês de Ética precisam ser independentes, compostos por profissionais capacitados e de reputação. A utilização de membros do conselho deliberativo ou conselho de gestão eleito, costumam ser poluídas de interesses partidários e, por isso, não são suficientes. É possível extrair opiniões técnicas e objetivas, livres de qualquer viés ideológico ou de interesse pessoal? Não, não é. O ser humano é naturalmente incapaz disso.

O treinamento de todos os funcionários e diretores para, acima de tudo, fazer a coisa certa. Colocar os resultados do clube acima dos resultados esportivos e entender que os gols nunca saem à toa. Administrações corretas e competentes constroem times competentes.

Texto de José Modena

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