Por muito tempo a fragmentação do pensamento em sociedade exerceu influência direta na maneira como se entendia o jogo e esse modelo permeou as atividades associadas ao futebol por décadas. A maneira como o pensamento científico se apresentava ao mundo, norteava também as dinâmicas voltadas para o treinar futebol e o refletir sobre o jogo.
Com o passar do tempo e a popularização do pensamento complexo e das abordagens sistêmicas foram ganhando força ao ponto de influenciar os setores mais profundos da nossa sociedade, assim como o futebol e todos aqueles que se atreveram a romper barreiras propondo novos olhares para o treinamento e para o jogo.
O primeiro grande movimento de inovação teve início na área da Preparação Física, sendo essa área por muito tempo conhecida como o pilar mais importante do futebol e dessa maneira, a área onde muitas equipes despenderam tempo em treinamento utilizando métodos que, por muitas vezes, foram pensados para outras modalidades esportivas e em outros contextos competitivos. Diversos modelos de para a planificação do treinamento foram utilizados com a finalidade de mapear e controlar essa pequena fração do desempenho esportivo.
A partir do surgimento de novas tecnologias capazes de traduzir em números componentes imprescindíveis para o que hoje entendemos como o “complexo da performance” e também sob influência de respostas que apenas os dados físicos ou a quantificação de dados técnicos ou táticos já não poderiam expressar, novas maneiras de pensar o jogo emergiram, mas ainda com as limitações de um modelo paradigmático – cartesiano, newtoniano, linear, mecanicista.
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Nesse contexto, a grande colaboração e inovação que o pensamento complexo traz para o ambiente geral do futebol é a capacidade de perceber o sistema, mas sem deixar de perceber e validar os outros sistemas que o cercam – micros (jogadores da equipe, atleta, corpo humano, aparelhos orgânicos e etc) e macrossistemas (equipe adversária, clube, torcedor, imprensa, agentes, comunidade, país e etc).
Se analisado sob outra perspectiva, o futebol, quer enquanto fenômeno socioeconômico e cultural, quer enquanto manifestação esportiva e lúdica – característica do jogo em si, na verdade, não tem nada de simples, objetivo, estável ou previsível. Se quisermos arriscar a desvendar seus mistérios temos que começar a entendê-lo de forma cada vez mais ampla, sistêmica e complexa. (MEDINA, 2021)
Sendo assim, cabe a você leitor, refletir e perceber o futebol em sua total complexidade como um dos maiores fenômenos esportivos do mundo; ao profissional que em sua prática diária conecte os saberes com os demais profissionais e pessoas envolvidas com o treinar, afim de romper com as barreiras teórico-práticas enraizadas na simplicidade das ideias do senso comum; ao gestor que, em sua maneira de gerir e criar a cultura, contemple a complexidade dos fenômenos, das interações, do tempo e também da ausência deste.
Texto de Raíssa Jacob.