cristiano dentro do sistema
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A interação do sistema: as partes e o todo

Quando Ralf Rangnick assumiu o comando técnico do Manchester United, em novembro de 2021, as coisas esquentaram em Old Trafford entre o treinador alemão e Cristiano Ronaldo, o qual, para muitos, é um dos maiores jogadores da história do esporte.

Tendo em vista que o português fora poupado de partidas importantes, sacado no meio de alguns jogos, elevou-se a discussão entre o problema da preponderância do fator individual em detrimento do coletivo. Ficou estabelecido, desde então, por parte da imprensa europeia e nacional, uma exagerada impossibilidade de coexistência de ambos os elementos. Será que condicionar a existência de um em detrimento do outro realmente traduz o melhor caminho para entendimento do futebol e, mais do que isso, explica o insucesso dos Red Devils?

Individualidade em face do coletivo. O craque frente ao time. A parte pelo todo. Na história do esporte bretão, é mais do que comum o estabelecimento de dicotomias e a projeção do craque em negligência ao coletivo, restando o último, inclusive, diminuído no contexto da competição em que houve o desponte do primeiro. Trata-se de pensamento quase que automático que o único caminho possível para o sucesso consiste naquele em que o time jogará para o craque. No entanto, como veremos em sequência, não necessariamente é preciso estabelecer uma escolha entre um ou outro, pois, para surpresa de muitos, o importante mesmo são as interações ocorrentes no plano de coexistência de cada parte e como o resultado disso influi no todo, ou seja, de modo a coexistirem como sistema.

Não à toa, ao abordar o conflito entre parte e todo, vale suscitar a célebre frase de Blaise Pascal exposta em sequência: “Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, não mais que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”.

Na perspectiva do esporte bretão, Alcides Scaglia, em uma de suas obras, elaborou um quadro esquemático, o qual está ilustrado em um dos cards abaixo, inserido em estrutura sistêmica do jogo de futebol, de sorte que a partir da interação entre jogadores [sujeitos], condições externas [ambiente físico], esquemas motrizes [habilidades sensíveis e inteligíveis para resolver os problemas do jogo] e regras [convenções] se dá a ocorrência do jogo de futebol.

Nenhuma dessas componentes isoladas é capaz de produzir um jogo de futebol, apenas a relação delas. Por isso, Alcides Scaglia denominou cada jogo/esporte futebol (entre outras brincadeiras de bola) de Unidade Complexa.

Enxergar a realidade averiguando que cada parte também constitui um sistema, de maior ou menor dimensão, saber que esta parte está contextualizada não em uma unidade absoluta e, sim, que há uma grande complexidade na interação das partes internas, além de contextualizar aquele sistema a sistemas maiores, os quais todos se conectam e dependem um do outro para se organizarem, é original da visão sistêmica.

Ou seja, dentro da óptica de estrutura sistêmica explicada, há de se perceber que o jogo de futebol é um sistema, composto por duas equipes, que também são sistemas, formadas por jogadores que cada um por si só já é um sistema e todos eles compõem outros sistemas, de modo que a relação entre o individual e o coletivo não pode ser analisada como sinônimo de imiscibilidade, como se concebe muitas vezes, tampouco de subordinação entre ambos, restando aclarado, justamente por isso, que a conexão coordenada das partes é o mais importante para potencialização de ambos em termos de desempenho.

Voltando para década de setenta, a fim de exemplificar e elucidar a necessária relação harmônica coordenada entre individual e coletivo, precisamos lembrar da seleção que ficou conhecida como a melhor de todos os tempos, haja vista que, sob a batuta de Zagallo, cinco camisas 10 (Pelé, Jairzinho, Rivelino, Gérson e Tostão) foram encaixados e exerciam funções das mais variadas para promover o equilíbrio do time, seja no âmbito defensivo ou ofensivo, o que, inclusive, fora confirmado pelo Rei, anos depois, em entrevista ao periódico “The Times”.

Apenas a título de ilustração, vale dizer que, na Copa de 1970, 19 gols foram marcados, sendo que oito jogadores, entre reservas e titulares, participaram diretamente da realização dos mesmos, seja através de assistência ou finalização, além do fato de que mais da metade dos tentos foram concretizados por intermédio de jogada coletiva, restando, assim, não só roboradas as palavras do Rei, como também atestada a existência de equilíbrio naquele sistema interrelacional existente, mesmo comportando 5 camisas 10 com a camisa verde e amarela, haja vista a contribuição mutualística entre individual e coletivo.

A intenção deste escrito, que fique claro, não é vilanizar um lado diante da dicotômica batalha costumeira – e talvez inútil para fins de desenvolvimento do jogo – entre individualidade e coletivo, consubstanciada, especificamente no contexto do Manchester United da última temporada, no extraordinário poder de decisão de Cristiano Ronaldo e na pretensão coletiva de Ralf Rangnick para fazer valer as suas ideias, mas sim amplificar os horizontes daqueles que leem este escrito, além de possibilitar análises sistêmicas acerca da situação tão repetitiva no mundo do futebol e o entendimento de que a relação precisa abranger uma espécie de benefício mútuo, restando, portanto, a conclusão de que o craque deve ser potencializado pela coletividade, assim como cada parte do coletivo precisa ser otimizada pelo individual extraclasse de um atleta fora de série.

Destarte, feitas tais considerações, resta aclarado que individual e coletivo não podem exsurgir como elementos que se anulam quando presentes no mesmo espaço e que a relação entre as partes é o ponto crucial da avaliação do funcionamento todo, de modo que, definitivamente, não se pode reputar a problemática do Manchester United ao fato das invejáveis valências individuais do Gajo, um dos maiores jogadores de todos os tempos, obstarem o andamento do coletivo, da mesma forma que seria inviável imputar ao coletivo a circunstância do Cristiano Ronaldo, eventualmente, não render o esperado com a camisa vemelha, ficando notório o entendimento de que a melhora dos Red Devils passará pelo mutualismo da relação entre as partes inseridas no sistema.

Texto de Mauro Maia, do Los Futebólicos.

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