A propósito de seguidas manifestações pertinentes dos ótimos comentaristas do Sportv, Ricardinho e Pedrinho, sobre esquemas táticos atualmente utilizados nos Brasil, sempre fazendo leituras corretas do que está acontecendo nas partidas, quero discorrer sobre o tema que há anos me fascina, como muitos tantos apreciadores do” esporte bretão” no país.
Certa vez fiz pesquisa descompromissada sobre isso, levando em conta as Copas do Mundo, desde 1958. Notei que a partir daquele Mundial até a Copa disputada na África, em 2010, as grandes transformações táticas aconteceram basicamente durante estes eventos mundiais. Em 58/62 o Brasil jogava num 4-2-3-1 com linha de quatro, Zito e Didi, no meio-campo, Pelé ou Amarildo por trás de Garrincha, Vavá e Zagallo. Zagallo recuava um pouco, pela esquerda, mais do que Garrincha na direita. Esse 4-2-3-1 ou 4-3-3 acabava sendo a tônica das práticas brasileiras repercutiu no mundo inteiro.
Já em 66, com a Alemanha e a Inglaterra disputando a final, fixou-se o 4-4-2 com linha de quatro defensores, dois volantes, dois meias abertos (um deles fechando no meio no lado oposto da bola) e dois atacantes centralizados.
A estratégia da Seleção Brasileira de 70, a maior de todos os tempos, dispunha-se em campo no mesmo 4-2-3-1 dos primeiros dois títulos, mas por vezes variando para o 4-5-1 sem a bola.
A revolucionária Holanda de Rinus Michels, em 1974, foi formada em um 4-4-2 em losango, com o grande Johan Cruijff como falso 9 e os extremas Rep e Rensenbrink movendo-se em diagonal de fora para dentro, como forma de sempre ter muitos atacantes próximos à área. Esse time inesquecível acabou derrotado pela então dona da casa Alemanha, que atuava em um simples 4-3-3 com linha de quatro atras, três meio campistas (Beckenbauer e Overath entre eles), dois ponteiros e um número 9 de área goleador – Gerd Müller.
Em 1978, a Argentina foi montada em 4-2-3-1 por Cesar Menotti tendo Passarella na zaga e Mario Kempes no ataque, como personagens decisivos. Mas a grande inovação tática dos argentinos apareceria na Copa de 1986. Foi a primeira seleção a usar em um Mundial o sistema com três zagueiros, como forma de proteger Maradona. O craque canhoto não tinha uma participação tática muito ativa sem a bola e não recompunha como era necessário desde aquela época. O treinador Carlos Bilardo então utilizou um esquema com três defensores e dois volantes para liberar Maradona só para as tarefas ofensivas. Acabou conquistando a Copa do Mundo exatamente por isso.
Antes disso, na Copa da Espanha em 1982, vencida pela Itália de um simples 4-4-2 com ênfase no sistema defensivo, chamou especial atenção a Seleção Brasileira de Telê Santana, repleta de craques, disposta em 4-5-1, variando para o 4-2-3-1 com futebol vistoso, mas cuja qualidade não foi suficiente para sobrepujar o metódico, simples e previsível desempenho da “Squadra Azzurra””.
Na sequência, em 90, a Alemanha foi campeã no 3-5-2. No mesmo certame, o Brasil, com Sebastião Lazaroni, também formulou essa maneira de atuar. Mauro Galvão jogava na sobra, Ricardo Gomes era o zagueiro canhoto, enquanto Ricardo Rocha, o defensor pela direita. Os alas Jorginho e Branco se posicionavam quase como ponteiros. No ataque, Muller e Careca suportados por Dunga, Alemão e Valdo (ou Silas) no meio. A meu juízo foi um dos melhores 3-5-2 da história, embora não tenha conquistado a copa.
A equipe campeã mundial de Carlos Alberto Parreira em 1994 contava com dois grandes jogadores no ataque – Bebeto e Romário -, que também tinham poucas atribuições na recomposição tática. O treinador criou então um meio-campo com Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho, quatro jogadores de muita competitividade, principalmente os três primeiros.
Em apertada leitura, julgo que Parreira definiu um 3-5-2 “disfarçado”. Isto porque Mauro Silva jogava quase como um zagueiro, pois era ele quem definia a marcação sobre um dos dois atacantes adversários. Foi assim principalmente contra a Holanda e a Suécia, que tinham dois atacantes centralizados. Mauro Silva era o defensor que marcava um dos atacantes, enquanto Márcio Santos ou Aldair combatia o outro atacante, dependendo do setor em que estivesse. Dunga posicionava-se como o primeiro volante, com Mazinho pela direita e Zinho pela esquerda. Era um 3-5-2 “disfarçado” porque, quando o Brasil estava com a bola, Mauro Silva desprendia-se da zaga e vinha compor no meio como volante.
Com todas essas variantes chegou-se à Copa Japão/Coreia do Sul, onde o Brasil foi campeão com o técnico Luiz Felipe Scolari. Felipão usou o 3-5-2 como modelo, variando levemente para o 4-4-2, com Edmilson muitas vezes como um segundo volante ao lado de Gilberto Silva. Antes disso, em 1998 a França em casa conquistou o mundial lastreada em um 4-2-3-1, com variação para o 4-1-4-1.
A grande diferença ocorrida a partir da copa disputada na Ásia, em relação ao passado, foi a intensidade. Atletas que outrora corriam cerca de 4 Km por partida passaram a percorrer entre 10 e 12 Km, tornando-se mais competitivos, intensos e com mais obrigações táticas.
Na verdade, todos os modelos de jogo sempre foram os mesmos, sucedendo-se, renovando-se e reinventando-se, anos a fio. O marco destas transformações quase sempre ocorre a partir das copas, tendo como mote a seleção destacada no evento, geralmente a campeã.
Na próxima semana iremos avaliar o impacto da transmissão dos campeonatos na difusão das ideias táticas ao redor do planeta, especialmente com a ascensão dos modelos da seleção espanhola e do Barcelona de Guardiola.
Texto de Fernando Carvalho.