Em junho de 2017 visitei a região da Bretanha, no oeste da França, para disputar o Tournoi International Guerlédan U13, competição que envolveu 128 equipes de diversas nacionalidades (Argélia, Brasil, Camarões, Espanha, Estados Unidos, Madagascar, Polônia, Rússia e Ucrânia). Éramos os únicos representantes brasileiros no evento.
Entre jogos e passeios, tudo pouco tempo antes de explodir nas mídias as notícias sobre a transferência multibilionária do craque brasileiro Neymar, do Barcelona para o PSG –, eu estava envolvido no duplo exercício de treinador da equipe e pesquisador interessado em conhecer mais sobre o futebol local. Esta experiência possibilitou, de forma inevitável, comparar as estruturas e a organização de um campeonato de base, o estilo de jogar futebol e a formação de atletas brasileiros e franceses, esta última a partir de uma entrevista realizada com o treinador Alexis Karangouarec do sub 13 do F.C Lorient, clube que atualmente disputa a primeira divisão nacional francesa.
Fundado em 1926, o F.C Lorient é considerado uma das quatro forças futebolísticas da região da Bretanha, concorrendo com Rennes F.C, E.A Guimgamp e o F.C Nantes, todos representados por suas equipes de base no torneio em questão.
Meses antes do embarque recebi as instruções sobre a dinâmica da competição, nada muito diferente do que havia encontrado em 2016, em Capezzano Pianore na Itália, em torneio para a mesma faixa etária. Preocupados com a qualidade técnica da formação dos atletas, as Federações de Futebol Europeias instituíram modificações estruturais para que os torneios de base fossem realizados em jogos com tempo reduzido, traves e dimensões de campo adequadas para crianças de até 13 anos, com no máximo oito jogadores em cada equipe.
Algo semelhante também é atualmente proposto pelas Federações Paulista e Catarinense para a categoria sub 11, com a justificativa de que o número reduzido de atletas proporciona maior grau de participação, evitando a especialização precoce em funções e posições fixas no campo.
Entende-se que a estrutura de jogo em dimensões reduzidas auxilia no início da aprendizagem do esporte, pois o momento de ataque, defesa e as transições ocorrem com mais frequência nesta estrutura. O regulamento prevê também sanções punitivas de caráter pedagógico aos atletas e comissões técnicas.
Há de fato uma preocupação com relação à qualidade na formação de atletas franceses e a tradição dos “Les Bleus”. Este tema é apresentado também na premiada Tese em Antropologia Social “Do dom à profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França, de Arlei Sander Damo, que já em 2005 apontava a necessidade de transformações no sistema de formação de atletas franceses”.
Curiosamente, no ano seguinte ao torneio a França conquistou seu segundo título mundial, tendo a jovem estrela Mbappe, de apenas 19 anos, com um dos seus grandes destaques.
Aproveitei os intervalos entre jogos para saber mais sobre o ciclo de pré-formação de atletas do clube. Este ciclo, tanto no Brasil quanto na França, é marcado pela etapa de iniciação esportiva, que ocorre em geral a partir dos 09 anos de idade em escolinhas especializadas até os 14 anos de idade, justamente num período de transição dos atletas para a fase da adolescência, momento em que atingem níveis maturacionais mais elevados e quando é permitido que assinem um contrato de formação esportiva com o clube que representam.
Alexis era o professor responsável pela categoria dos “menores” (sub 13 e sub 12), foi atleta profissional do clube e possuía a Licença B do curso de formação de treinadores da UEFA, pré-requisito para trabalhar nas categorias de base de clubes profissionais europeus.
As categorias de Formação do F.C Lorient são separadas por faixas etárias: sub 19, sub 17, sub 15, sub 13 e sub 12. Sendo estas consideradas as categorias de competição e estão organizadas em pequenos grupos de no máximo 20 atletas selecionados para treinamentos. Anterior a esta etapa, o clube possui unidades da École de Foot (escola de futebol oficial) espalhadas pela região da Bretanha, atendendo a um grande número de crianças entre 07 e 11 anos de idade, como uma espécie de “laboratório” de formação e captação de atletas para as categorias de base do clube.
Os atletas que integram as equipes de pré-formação do F.C Lorient são todos oriundos da região da Bretanha, sendo indicados para o clube por observadores que acompanham as escolas e escolinhas da região. E os treinamentos realizados quatro vezes por semana, após o término do período escolar, em sessões de duas horas de duração, das 16 às 18 horas no “C.T Kerlir” localizado na sede do clube. Este disponibiliza ainda transporte que busca os atletas nas escolas e os leva em casa após a sessão de treinamento.
A prioridade na formação escolar em detrimento à rotina esportiva foi tema de provocações do atacante francês Henry momentos antes das quartas de finais da Copa do Mundo de 2006: “É difícil definir os jogadores do Brasil, pois eles já nascem com a bola nos pés. Por outro lado, quando eu era criança, precisava estudar das 7h às 17h. Pedia ao meu pai para jogar bola, e ele dizia que antes vinham os estudos. Já eles (brasileiros) jogam futebol das 8h às 18h”, afirmou.
Pensando no desenvolvimento esportivo integral, durante o rigoroso inverno francês estas categorias realizam treinamentos e disputam competições de futsal, pois não há possibilidade de uso do campo. Além do futsal, o clube oferece aulas de Judô e Beach Soccer para seus atletas e estimula que pratiquem outras atividades esportivas para diversificar o repertório de formação.
É somente a partir dos 14 anos de idade que passam a viver em regime de internato, dormindo nas dependências do clube e frequentando a escola de atletas localizada na sede do próprio clube. Alexis diz ainda que “aqui não se joga futebol à procura de mobilidade social”, busca-se quem ama o esporte e o clube precisa se preocupar com a qualidade na formação de seus atletas, pois a juventude francesa tem muita oferta e o futebol não é uma paixão nacional, como acontece no Brasil.
Foram dois dias de competição, fomos muito bem recebidos nas instalações do evento, desde a hospedagem, alimentação e deslocamentos para os locais de jogos. No total, foram 10 partidas disputadas, e conquistamos bons resultados (8 vitórias e 2 empates), mas não alcançamos a vaga na final. O bom nível técnico da competição e de nossa equipe foi destaque no jornal Ouest-France:
Para além destes momentos, a experiência proporcionou o enfrentamento com diversas equipes da escola de formação francesa, um padrão de estilo de jogo com ênfase no posicionamento tático e na coletividade e ricas trocas culturais.
Para finalizar, deixo a reflexão sobre qualidade na oferta de estrutura para formação de jovens atletas brasileiros, tanto do ponto de vista dos clubes, quanto das organizações de eventos esportivos para as categorias de base. A trajetória do técnico entrevistado também chama a atenção, pois a lógica de formação de treinadores na Europa, onde muitos conciliam a carreira de atleta com cursos (licenças) para atuar como profissionais após o término da carreira, é um tema que pretendo explorar futuramente.
Texto de Lucas Klein
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