Retomando o período da primeira ‘revolução’ do futebol brasileiro, falado na parte I deste texto e datado de meados da década de 1960 até o início dos anos 1980, no qual tratava-se de um cenário em que ocorriam grandes alterações na sociedade brasileira, as quais contribuíram para uma diminuição do tempo livre da população e, consequentemente, da prática do futebol.
Dentre essas alterações, destacam-se: o aumento do tempo dedicado ao trabalho; o crescimento do número de escolas e, portanto, do acesso à educação formal; a expansão urbana e imobiliária; o desaparecimento dos campos de várzea; o aumento gradual e contínuo da violência; e o advento de novos recursos tecnológicos que possibilitaram a ampliação e consolidação da televisão como forma de lazer para grande parte da população urbana.
Tudo isso, aliado à modernização estrutural dos clubes nacionais, que exigia a formação de novos futebolistas para o mercado, representa o cenário em que o processo de formação de atletas passou a ser realizado dentro dos clubes profissionais, com a supervisão dos recém-criados Departamentos de Formação/Base.
Com a profissionalização da gestão, entre outros aspectos, os clubes passaram a formar atletas para o mercado nacional e internacional, e uma série de dispositivos tornaram-se relevantes para o desenvolvimento do trabalho dos clubes, que investiam e seguem investindo nas etapas de formação de crianças e jovens futebolistas.
Nesse período, foram criadas as primeiras escolinhas esportivas tal como as conhecemos hoje, ou seja, espaços nos quais crianças e adolescentes passaram a aprender e desenvolver as técnicas do futebol da maneira considerada correta. As escolinhas obtiveram uma rápida aceitação e expansão na década de 1970, e sua consolidação reforçou a ideia de que o jogador formado na rua e na várzea deveria ser desvalorizado.
Nesse sentido, é possível observar uma significativa mudança no processo de formação dos jogadores brasileiros, que, inicialmente, pautava-se em uma forma mais espontânea, desenvolvida pela prática do futebol de rua, posteriormente substituída por um modelo mais rígido e controlado, praticado em espaços formais de ensino – aulas e treinos especializados da modalidade.
A criação das escolinhas esportivas abriu também um novo campo de trabalho para ex-jogadores, que, na maior parte dos casos, não possuíam formação educacional completa, devido às exigências da carreira de atleta de futebol. Assim, o ensino do futebol tornou-se uma forma de reconversão profissional, dando ensejo ao embate, até hoje existente, entre ex-jogadores, que defendem que o conhecimento prático sobressai ao conhecimento científico, e profissionais de Educação Física, que defendem o uso de teorias e metodologias ao invés do empirismo supostamente praticado pelos ex-jogadores.
Mas foi a partir do início da década de 1990 que a expansão do futebol passou a ter destaque em diferentes atividades associadas à indústria do entretenimento, gerando grande movimentação econômica. A globalização da economia mundial se reflete nessa indústria e nos segmentos que a compõem, dentre os quais o esporte e o futebol como espetáculo, com a transformação das partidas e dos campeonatos em grandes eventos transmitidos e assistidos mundialmente, aumentando a competitividade, as receitas dos clubes e supervalorizando a imagem do atleta profissional.
Nesse cenário, a formação de jogadores transforma-se em um rentável negócio para os clubes brasileiros, pois, além da tarefa de abastecer a equipe principal, possibilita a receita de recursos fundamentais para a saúde financeira dos clubes, como dito anteriormente.
Atualmente, a estrutura oficial de formação de futebolistas no Brasil está consolidada em diferentes categorias etárias. Os grandes clubes possuem em suas estruturas de categorias de base, no mínimo, equipes que vão desde a categoria sub-13, que atende atletas de 11 a 13 anos de idade, até o sub-20 (juniores), e nessas categorias a intensidade e a quantidade de treinamentos e campeonatos aumentam gradativamente em direção à profissionalização.
A modernização do esporte vem promovendo uma produção em massa de atletas para o mercado de trabalho, cenário em que os CTs podem ser definidos como “[…] laboratórios para a formação e preparação dos atletas para um futebol cada vez mais competitivo”.
Com o advento dessas estruturas, os clubes passaram a quantificar e qualificar a formação de atletas, possibilitando o desenvolvimento integrado de fatores físicos, psicológicos, técnicos e táticos, bem como a se utilizar de métodos e tecnologias capazes de promover o controle de cargas de volume e da intensidade de treinos e jogos, bem como de inserir no jovem a predisposição para o trabalho físico e para a observância às normas do clube, requisitos básicos para o preenchimento de vagas nesse mercado de trabalho.
Nesses centros, geralmente são construídos alojamentos para os atletas, principalmente para aqueles em formação e com idade a partir dos 14 anos, oriundos de outras cidades. Tais jovens passam a residir nas instalações dos clubes, com o objetivo de se tornarem jogadores profissionais, pavimentando o caminho para a transformação do processo de formação e a comercialização de atletas. Os CTs são espaços socializadores que modelam o corpo e a alma dos atletas, lugares em que as habilidades e os valores fundamentais para o exercício da profissão são lapidados, uma espécie de fábrica de ‘talentos’ que liga os indivíduos a um objetivo em comum.
Alojamento do CT do Internacional
No cenário atual, especialmente com o surgimento dos CTs, potencializou-se a produção social do futebolista que se encontra inserido nesse universo profissionalizante. A formação do atleta é um processo que requer disciplina, adaptação, socialização, adestramento, desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades físicas, técnicas e táticas além da administração do seu perfil genético. Nesse sentido, a formação profissional do jogador trata-se, pois, de um processo disciplinador, pedagógico e civilizatório, caracterizado pela regulamentação, pelo controle, pela institucionalização e a racionalização. O atleta inserido nas categorias de base é considerado uma força de trabalho para o clube.
Portanto, para que o jogador de futebol passe por uma formação profissional desde a infância e a adolescência, é necessário que ele frequente ‘escolas especiais’ e receba treinamentos de técnicas corporais futebolísticas. Ou seja, o jogador de futebol não nasce feito, ele é produzido socialmente, sendo formado em instituições especializadas (clubes esportivos) que investem nas categorias de base.
Nesse sentido, para que o processo de formação de futebolistas seja contemplado em sua plenitude, faz-se necessário que os CTs possuam uma estrutura física e funcional que subsidie o desenvolvimento dos futebolistas.
Em relação à estrutura física, a FIFA recomenda que esses centros possuam o mínimo de instalações, como: campos para treinamento com gramados naturais e sintéticos; equipamentos e materiais em quantidade e qualidade suficiente para garantir o bom andamento das atividades; centro médico; salas de cursos; vestiário; e, em alguns casos, de acordo com o regime escolhido para os jogadores, alojamentos para abrigar aqueles oriundos de regiões distantes dos centros de formação, como mencionado anteriormente.
Considerando que o futebol de hoje é diferente do futebol de tempos atrás (tanto dentro quanto no entorno do campo) e que a importância cultural desse esporte se mantém tão forte no Brasil, é certo que os CTs, para responderem de maneira positiva às exigências atuais e futuras da profissão, precisam constantemente se reorganizar e repensar as metodologias e os instrumentos utilizados na identificação e no desenvolvimento do futuro futebolista profissional, sem deixar de considerar as relações que se mantêm até os dias atuais, as que se modificaram e as que se perderam ao longo da história.
Em um cenário ideal, têm-se todos os setores do clube funcionando em sintonia com as condições de infraestrutura para o treinamento, a moradia e a formação escolar de crianças e jovens aspirantes à profissionalização no futebol.
Mas é preciso olhar atentamente para o contexto econômico e social de cada clube que investe na formação e lembrar também que o futebol brasileiro passa ainda por um processo lento e gradual de modernização, que, como visto anteriormente, foi iniciado na década de 1960, período de inserção dos profissionais especializados no mercado, sobretudo graduados em Educação Física e áreas afins, que colocou em questão o modelo utilizado até então na preparação de futebolistas brasileiros, bem como a crença de que o jogador, supostamente detentor de um dom natural, já nascia ‘pronto’.
Em resumo, o processo de formação de atletas profissionais é um fenômeno complexo, composto por diversas dimensões, que interagem entre si constantemente, objetivando o desenvolvimento das dimensões tática, técnica, física, psicológica, educacional e social do atleta, por meio da interação com diversos agentes e contextos, como a sociedade, a cultura esportiva, a equipe, os demais jogadores, os treinadores, os dirigentes, os funcionários dos clubes, os pais e os torcedores.
Do mesmo modo, pode-se constatar que a formação de futebolistas possui também expressiva relevância financeira, não só para os jogadores, que adquirem uma profissão capaz de lhes garantir uma fonte de renda, mas para toda a economia brasileira.
Texto de Lucas Klein
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