Antes de mais nada, aviso aos leitores que esta coluna é um relato de experiência.
Há alguns anos na carreira de auxiliar de futebol, encontrei diversos treinadores e auxiliares que pensavam das formas mais diversificadas possíveis sobre modelos de jogo. Alguns achavam que extremos deveriam se posicionar preferencialmente fechados, outros abertos; alguns queriam jogar em contra-ataque, outros em posse; alguns tinham imagens de seu Modelo de Jogo, outros nem tanto. O orgulho que tenho hoje sobre a minha carreira foi ver diversas formas de jogo em distintos patamares que o Futebol proporciona.
Desde 2021 fui auxiliar de seis treinadores e eu só posso dizer que não tinha como esse leque ser mais amplo. Eu tentava pegar o que cada um tinha de melhor para criar um modelo de treinador para mim. Posso citar facilmente que eu tinha verdadeira admiração pela forma que o Mister Tulipa, do FC Vizela, lia o jogo e geria o intervalo.
Era incrível como parecia que ele assistia o jogo visto de cima e não do banco. Outro treinador que eu tentava absorver o máximo de conteúdo era o Mister Nuno Braga (também no FC Vizela sub-23) especificamente no que dizia respeito à montagem e formatação dos exercícios de treinamento: uma característica que eu noto muita semelhança comigo, ainda que a metodologia não seja a mesma. Enfim… e passando por tantas ideias, eu tenho uma constatação a fazer: Eu NÃO acredito em Modelo de Jogo.
Sabe por quê? Porque Modelo de Jogo pode ser descrito como “o conjunto de padrões e comportamentos ideais que a minha equipa deve seguir” e, no entanto, eu me pergunto de quantas formas pode se ganhar um jogo (e perder também). São “zilhões” de maneiras, inclusive uma infinidade de outros modos das quais o treinador não acredita ser possível para vencer um jogo ou até um campeonato.
É bem verdade que eu também tenho que dizer: Se eu sou a favor da anarquia? De forma nenhuma, mas o equilíbrio de ordem, caos e interpretação do jogador deve estar ativo e muito bem alinhado. O Modelo de Jogo sempre vai seguir uma linha de idealização, mas a concepção de jogo é o que a nossa equipe de fato apresenta, caso contrário do que adianta nós, treinadores, elaborarmos um documento de cinquenta páginas se os nossos jogadores estão em formação ou tem limitações de ordem técnica?
Se eu sou treinador e observo que na partida em que a minha equipe está jogando há possibilidades de atacarmos de uma forma completamente diferente do que o meu Modelo de Jogo “ditaria”, não é justamente mérito do treinador abrir mão de suas ideias para favorecer a própria equipe? Acredito que a maleabilidade cognitiva do treinador seja justamente o que pode ser o grande “x” da questão no futuro, deixando o sólido e rígido para dar espaço ao líquido e adaptável.
Há apenas um aspecto do qual eu verdadeiramente acredito que deva ser sólido, rígido e consolidado: as relações positivas entre membros de um clube. Este, sim, é o meu modelo de jogo do qual não abro mão.
Se existe algo que eu estive refletindo nos últimos anos era o quanto o Futebol é cruel com grande parte dos profissionais (auxiliares, preparadores físicos, analistas, médicos, fisioterapeutas, roupeiros, massagistas e etc) que não estão em posição de liderança e acabam sucumbindo à hierarquia porque… sim. Na caminhada do futebol, a pressão sempre aumenta a cada etapa vencida e a forma com que treinadores lidam tende a não ser muito saudável pela fragilidade psicológica dos mesmos.
Pensemos aqui: um treinador que não trata os seus subordinados com respeito e empatia espera o quê? Não precisamos ser psicólogos para entender que um ambiente minado não consegue ter o mesmo rendimento de um ambiente que tenha leveza e encoraje o profissional. Você pode pensar: mas como faz para ter um ambiente saudável depois de três derrotas? Ora, essa não é justamente uma das atribuições de um líder de verdade? Equilibrar o ambiente de trabalho mesmo em tempos de crise!
Profissionais que se sentem bem vão render muito mais do que aqueles que não se sentem inspirados. Vamos falar sobre um ponto lógico: se um conjunto de profissionais se sentem movidos positivamente, a tendência de acréscimo de ideias e fluidez cresce exponencialmente, formando um ciclo virtuoso.
Infelizmente este tipo de conteúdo não se ensina em licenças ou cursos de Futebol e, na minha visão, deveria ser o de maior interesse. Em uma das minhas experiências, lembro que a estrutura do clube não conseguia mais lidar com o treinador. Foi muito pesado! Ninguém queria estar na presença da figura de líder (hierarquicamente falando) e toda reunião se iniciava tensa porque pairava no ar a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, alguém seria exposto de forma muito negativa.
O tempo passou e acabamos por ser demitidos do cargo. Naquele dia à noite, eu e o staff fomos jantar juntos e ouvimos: “Que excelente ambiente críamos! Estamos saindo com a consciência tranquila porque não tinha como ser melhor!”
Não há margem para dúvida! A autogestão é tão importante quanto a gestão de grupo para que um bom desempenho prevaleça. As ideias de jogo podem vir a se alterar com o tempo: algumas mais preferidas e outras mais preteridas. Já as relações ficam para sempre guardadas nas pessoas e o melhor que pode se esperar tanto profissionalmente quanto pessoalmente é que sejam duradouras, de respeito e empatia. Não consigo ver um trabalho colher bons frutos sem este “macro princípio do Modelo de Jogo”
Texto de Leonardo Monteiro
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