Em visitas a amigos sempre acontecem situações interessantes que passam a ser contadas como histórias e acompanham não só a amizade, extrapolando para momentos diversos da vida. Com gênios da poesia não poderia ser diferente. Aliás, poderia e é, visto a forma que conseguem nos encantar com “causos” tão pessoais e ao mesmo tempo transformá-los em patrimônio público.
Foi no litoral uruguaio, mais especificamente em Punta Ballena, nos encontros com o também artista Carlos Paéz Vilaró, que Vinícius de Moraes se inspirou para escrever uma das suas obras mais conhecidas. Vilaró se apaixonou pela pequena península e resolveu, por ser escultor, construir o um ateliê com suas próprias mãos, chamando a atenção do amigo brasileiro.
Uma casa sendo feita aos poucos, com paciência e muito esmero, como bem relatado no poema. E justamente por isso, a cada ida ao Uruguai, Vinícius a via de um jeito distinto, quase como um canteiro eterno de obras, no início feito de latas e madeiras e posteriormente adaptada a cimento e estuque. Pelas singularidades da sua construção e o ângulo que o sol fazia ao refletir na edificação, vendo de fora ela não parecia ter paredes, teto ou mesmo chão, quase como se estivesse flutuando. A casa pode até não flutuar, mas as palavras com que Vinícius definiu a sua impressão com certeza sim.
Se a relação do “Poetinha” com o amigo uruguaio, transformando a realidade em imaginário popular, nos rendeu tal privilégio, tomo a liberdade de percorrer o caminho inverso. Na rua dos bobos, número 0, moramos todos nós apaixonados por futebol que pertencemos à cultura de ignorar o esforço dos nossos Vilarós. Aqueles que, com as suas mãos, ou nesse caso, ideias, constroem a sua filosofia de jogo e posteriormente a nossa paixão, incorporando valores, conceitos e métodos que comumente refletem suas próprias personalidades.
Da mesma forma que o artista uruguaio deu tudo de si na estruturação de uma obra que refletisse o que ele acredita, os treinadores pautam o seu trabalho na sua visão de futebol e porque não de mundo. Quando, para criticar algum profissional, sendo da imprensa ou como torcedores, utilizamos a expressão “sem ideias” estamos, sem perceber, insultando não só o treinador e seu trabalho, que por si só já são valiosos, mas também a pessoa por trás da figura que comanda a equipe.
As ideias existem e obviamente podem ser boas ou ruins para determinados contextos, mas para além disso é necessário que a execução delas se dê de forma eficiente e consequentemente os resultados apareçam, tarefa essa que não depende somente do treinador, mas de um esforço geral do clube.
O que dificulta a nossa compreensão é justamente o que pautou o tão famoso poema. Ver a casa de longe passava a impressão de que não havia teto, não havia chão ou mesmo paredes, mas ao visitá-la ficava nítido a quão enganada era a visão de quem estava longe. Sendo assim, que sejamos mais Vinícius e que possamos valorizar o esforço daqueles que atuam ativamente para que a nossa paixão seja cada dia mais prazerosa.
Texto de Pedro Heitor do Los Futebólicos.