Segundo texto da série sobre mudanças no futebol brasileiro aqui no FootHub. É hora de saber mais sobre iniciativas que aconteceram já no século XXI: Timemania, o fim do Clube dos 13 e o Profut. Todas essas ações tiveram seus pontos altos, mas acabaram perdendo alguns princípios iniciais.
Dez anos após a Lei Pelé, os clubes continuavam acumulando déficits anuais e formando dívidas que pareciam cada vez mais difíceis de serem pagas. Neste cenário foi criada a Timemania, loteria que seria responsável por diminuir os débitos dos clubes com o governo. 22% dos valores arrecadados seriam direcionados aos clubes, servindo para quitar parte das dívidas com a União.
A principal crítica em relação ao projeto é que as dívidas seriam pagas exclusivamente pelos torcedores, ou apostadores. Os clubes poderiam permanecer com seus altos gastos, inclusive acumulando novos débitos com a União. Não havia nenhuma proposta inserida na lei para transformar a forma como a instituições eram geridas.
Em 2013, com resultados muito distantes dos esperados, a Timemania foi reformulada. A ideia era aumentar a arrecadação e o engajamento com a loteria, mas mudança não surtiu efeito. A existência de outras loterias, já estabelecidas no mercado, não permitiu que a proposta do governo atingisse o nível de receitas planejado. No momento da reformulação, houve alguns pesquisadores do esporte que sugeriram inclusive a utilização das outras loterias, como a Mega-Sena, para cumprir o objetivo inicialmente pensado para a Timemania, de diminuir as dívidas dos clubes com a União. Esta segunda ideia não foi considerada, com a loteria sendo mantida até hoje, apesar da pouca eficiência.
O Clube dos 13 nasceu em 1987 como uma organização formada por algumas associações do futebol brasileiro. Foi o mais próximo de uma liga de clubes que o esporte nacional já presenciou. No primeiro ano, ficou responsável pela organização do Campeonato Brasileiro, aproveitando uma fraqueza política vivida pela CBF. A ideia era acrescentar novas formas de arrecadação ao campeonato, como negociação de patrocínios. No entanto, já no ano seguinte a CBF retomou a organização do Brasileirão, deixando o Clube dos 13 apenas negociando os direitos de transmissão das partidas para televisão e rádio e novos contratos com patrocinadores.
Pouco mais de 20 anos depois, a iniciativa caiu. As coisas começaram a mudar quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) retirou a prioridade da Rede Globo na negociação de direitos de transmissão. A eleição que manteve Fábio Koff como presidente da entidade, foi outro fator que mostrou que já não havia mais a união necessária para uma liga. Nessa disputa, houve uma divisão entre os clubes que ficaram do lado do candidato eleito, e aqueles que apoiaram Kleber Leite, candidato da oposição e apoiado pela CBF.
Foi com o início das negociações dos direitos televisivos em 2011 que o Clube dos 13 explodiu de vez. Insatisfeitos com as negociações que ocorriam para o triênio de 2012–14, os clubes começaram a se desligar da entidade e negociar os direitos de transmissão de suas partidas diretamente com a Rede Globo. As instituições foram beneficiadas no curto prazo por não negociarem mais em bloco, pois receberam adiantamentos que encorparam o caixa das instituições. Foram esses valores que acabaram inflacionando os salários do mercado brasileiro nos anos de 2011 e 2012. No entanto, as quantias pagas para cada clube se tornaram desiguais, com algumas instituições recebendo muito mais que outras. Além disso, os clubes perdem comercialmente quando atuam individualmente na busca por novos negócios envolvendo o Brasileirão.
O Profut foi a medida mais recente de melhorar a forma como o futebol brasileiro é gerido. O Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) foi construído a partir da ideia de que não havia mais espaço para amadorismo no esporte. Parte desse movimento começou em 2013, com a criação do Bom Senso FC, grupo formado por jogadores e ex-jogadores que cobrava melhores condições para os principais agentes futebol brasileiro. O slogan do movimento indicava bem suas intenções: “por um futebol melhor para quem joga, para quem torce, para quem transmite, para quem patrocina, para quem apita.” Por questões políticas, o grupo acabou em 2016, mas teve sua importância em certo momento.
Voltando ao Profut, seu objetivo principal era renegociar as dívidas dos clubes com o governo, oferecendo um desconto para as instituições que aderissem ao projeto. Seriam criadas contrapartidas na lei para que melhores práticas de gestão fossem adotadas pelos clubes. A antecipação de receitas, atividade comum por aqui, foi qualificada como gestão temerária. Essa proibição deveria auxiliar os clubes a se sustentar no médio/longo prazo, pois muitos trabalhos são iniciados com parte da receita comprometida por gestões anteriores. Outra medida foi proibir os clubes de terem prejuízos anuais maior de 20% a receita da temporada anterior. Se as instituições não cumprirem essas e outras medidas, podem ser retiradas do programa e seus dirigentes responsabilizados. Algumas punições estavam previstas para quem descumprisse tais normas, inclusive o rebaixamento para aqueles que atrasassem o pagamento de impostos, salários e FGTS.
O Profut foi enfraquecido ainda antes de sua sanção final. Os dispositivos mais severos, como o teto de gastos, foram alterados por deputados ligados aos clubes nacionais. Os gastos com o departamento de futebol deveriam ser no máximo 70% da receita, mas graças aos políticos brasileiros, o número subiu para 80%. Em 2015 enfim a lei do Profut foi sancionada pela presidente Dilma.
Os clubes que aderiram ao programa obtiveram o perdão de altas quantias de suas dívidas. Essa redução da dívida foi inserida nos balanços patrimoniais como receita financeira, o que gerou uma série de superávits no futebol brasileiro em 2015. Dois anos mais tarde, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes deu mais um forte golpe na lei que buscava melhorar o futebol nacional. Foi concedida uma liminar que suspendeu as obrigações estabelecidas pelo programa, ou seja, não haveria mais punição para aqueles que apresentassem dívidas fiscais e trabalhistas.
Em 2019 o programa completou quatro anos. Foi tempo o suficiente para que as dívidas, diminuídas no acordo, voltassem a atingir altos valores. Obviamente alguns clubes, como o Flamengo, aproveitaram a oportunidade para se estruturar. No entanto, o rival Fluminense, por exemplo, apresenta dificuldades para pagar as parcelas do Profut. Um fator que dificulta esse controle é a fraca atuação da Apfut (Autoridade Pública de Governança do Futebol). A entidade criada para fiscalizar os clubes não tem feitos as reuniões planejadas e em 2019, com a transformação do Ministério do Esporte em secretaria pelo novo governo, perdeu ainda mais força.
As últimas alternativas criadas para auxiliar os dirigentes a gerirem melhor os clubes também não atingiram seus objetivos. Poucas exceções souberam usar o período para crescer. No terceiro e último texto da série, será hora de destrinchar a ideia de transformar as associações em empresas. Mais essa chance será desperdiçada pelos clubes brasileiros?
Texto de Rodrigo Romano.