A possibilidade de os clubes se transformarem em empresas pode ser o início de uma nova etapa no futebol brasileiro. No entanto, modificar estruturas em busca de um futuro mais profissional não é novidade por aqui, e nem sempre deu certo. Vamos relembrar os altos e baixos da estrutura financeira do futebol brasileiro nesta série especial aqui no site do FootHub.
Parcerias dos anos 90
Ao longo da década de 1990 surgiram as primeiras tentativas de mudar o cenário do futebol brasileiro. O contexto externo contribuiu para tal fato. Os clubes dos principais mercados de futebol no mundo passaram por alterações em suas composições jurídicas. Na Espanha, por exemplo, a Ley del Deporte, de 1990, fez com que a maioria das associações se transformassem em sociedades comerciais. Poderiam permanecer com o modelo sem fins lucrativos os clubes que haviam apresentado superávit nos três anos anteriores a lei. Apenas de Athletic Bilbao, Barcelona, Real Madrid e Osasuna seguiram constituídos da mesma forma.
Voltando ao Brasil, foram alguns casos de parcerias entre clubes e empresas privadas, uma espécie de terceirização do departamento de futebol das instituições. As empresas ficaram responsáveis por realizar as contratações de atletas para os clubes, e não pouparam dinheiro nesta atividade.
O primeiro dos acordos foi entre Parmalat, empresa do ramo alimentício, e Palmeiras, iniciado em abril de 1992. Na sequência, a empresa italiana fechou também com o Juventude, clube do Rio Grande do Sul, e mais tarde com Paulista de Jundiaí, que inclusive alterou seu nome para Etti, outra marca do grupo. Ao alviverde paulista, a parceria rendeu títulos como a Libertadores de 1999 e os Campeonatos Brasileiros de 1993 e 1994. O clube gaúcho alcançou um novo patamar, com o título da Copa do Brasil de 1999, além de se tornar presença constante na primeira divisão nacional. O Palmeiras sentiu a saída da empresa do comando de seu futebol, fato que ocorreu em 2000, pois não conseguiria manter o investimento. Em 2002, o clube acabou rebaixado para a segunda divisão do campeonato brasileiro, algo que se repetiu com outros clubes mais tarde. A maior curiosidade na relação entre Palmeiras e Parmalat é que nunca foi assinado um contrato que firmasse a parceria, que foi levada sempre na confiança, mas com pouca transparência.
Outro exemplo envolveu o Banco Excel, de curta história no Brasil. Seu trabalho começou com Corinthians, montando o elenco campeão paulista de 1997, que contou as contratações de Gamarra, Túlio e Donizete. Mais tarde, o Vitória da Bahia entrou no projeto, com Túlio saindo do time paulista para jogar no rubro-negro. O terceiro clube parceiro do banco foi o Botafogo, que teve como principal contratação Túlio, mais uma vez. Em 1998, o banco Excel se encontrava cheio de dívidas, e teve seu controle vendido. Os novos proprietários não mantiveram os investimentos no esporte, deixando os clubes brasileiros sem investimento.
O Corinthians não ficou sem parceria por muito tempo, mostrando que essa maneira de gerir o futebol fazia parte do planejamento do presidente da época, Alberto Dualib. A segunda empresa foi o fundo de investimentos americano Hicks Muse Tate & Furst. A trajetória iniciou no segundo semestre de 1999 e permaneceu por cerca de dois anos apenas. Seu principal legado no Corinthians foi o título Mundial de 2000. O Cruzeiro foi outro clube a fechar parceira com os americanos, e a contratação de Sorín, dos grandes ídolos recentes do time mineiro, foi feita durante o período.
Também no início dos anos 2000 a International Sport and Leisure, ISL, fechou com Flamengo e Grêmio. Ao rubro-negro chegaram nomes como Vampeta, Alex e Edilson, enquanto o tricolor recebeu Zinho e Paulo Nunes. A falência da empresa suíça de marketing esportivo veio em 2001, deixando mais dois grandes clubes do futebol nacional em dificuldades para manter os altos investimentos feitos por terceiros. O Flamengo passou alguns anos lutando contra o rebaixamento, além de acumular a maior dívida do futebol brasileiro dos últimos anos. O Grêmio não resistiu e em 2004 foi rebaixado para a segunda divisão. A empresa esteve inclusive envolvida com a FIFA no mesmo período. No início desta década, alguns importantes dirigentes da entidade foram presos por estarem envolvidos em casos de corrupção na parceria entre FIFA e ISL.
Para fechar as parcerias dos anos 1990, Vasco da Gama e o banco americano Nations Bank, hoje Bank of America, se juntaram no ano de 1997. O período foi positivo para o clube carioca, que conquistou a Copa Libertadores de 1998 e o campeonato brasileiro de 2000. O acordo terminou em fevereiro de 2001, deixando a situação tensa em São Januário. Se especulou na época que até mesmo o estádio vascaíno poderia ser tomado pela empresa parceira, como forma de pagamento da dívida deixada pelo clube pelo rompimento do contrato.
Auxílio das leis
Dia 06 de julho de 1993 foi o primeiro movimento no sentido de alterar a composição jurídica dos clubes. É a data de homologação da Lei Zico, cujo artigo 11 é o mais importante para este texto, falando sobre a transformação dos clubes em sociedades comerciais:
“Facultado às entidades de prática e às entidades federais de administração de modalidade profissional, manter a gestão de suas atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, desde que adotada uma das seguintes formas:
I — Transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva;
II — Constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando a maioria de seu capital com direito a voto;
III — Contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas.”
O texto original era diferente do publicado, trazendo a obrigatoriedade de um destes três formatos jurídicos ao invés do direito de escolha. Os dirigentes brasileiros atuaram talvez pela primeira vez, e conseguiram derrubar a exigência. Especialistas da área questionaram juridicamente as três condições, expondo dificuldades para a transformação.
Passados cinco anos, uma nova etapa. Em março de 1998 foi sancionada a Lei Pelé, revogando a lei anterior. O rei do futebol era o então ministro dos esportes do governo de Fernando Henrique Cardoso, levando seu nome a lei. As mudanças buscariam profissionalizar o futebol brasileiro, que passava por forte crise fora de campo. O artigo 27 da lei obrigava a transformação dos clubes em sociedades comerciais com fins econômicos, prevendo inclusive punição aos clubes que infringissem as normas. Essa condição acabou em 2001, quando foi inclusa a palavra “facultar” no texto, deixando a obrigatoriedade de lado. No próximo texto, duas tentativas de mudança que aconteceram no século XXI serão abordadas: a Timemania e o Profut. Quais foram os objetivos destes dois projetos e se realmente trouxeram algum benefício para os clubes do futebol brasileiro.
Texto de Rodrigo Romano.