Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro
No volátil e dinâmico mundo do futebol, os resultados são, em última análise, o que demonstra o sucesso esportivo de uma organização. No entanto, essa busca por resultados se torna ainda mais extrema em um ambiente tão exigente e pressionado como o do Brasil. Embora o imediatismo e o resultadismo também existam em outros países, especialmente na América do Sul, a diferença se torna mais evidente quando comparada aos modelos de sucesso de longo prazo estabelecidos no continente europeu.
Impactos
Quando um clube está em uma situação delicada na tabela, todos os olhares se voltam ao técnico, e são eles que geralmente pagam essa conta. Para se ter uma ideia, no Campeonato Brasileiro de 2023, o Botafogo contou com cinco treinadores diferentes, resultando em uma média de menos de oito jogos por treinador. Como é possível implementar ideias de jogo, entender as características dos jogadores e fazer com que os atletas compreendam o que o treinador deseja? A resposta é simples: não é possível! O Glorioso não é o único exemplo disso, e infelizmente, essa situação é comum em muitos clubes brasileiros.
Esta prática impede a implementação de um trabalho consistente e de longo prazo, essencial para o desenvolvimento tático e estratégico de uma equipe. Os jogadores, especialmente os jovens e recém-promovidos das categorias de base, são frequentemente expostos a uma cobrança desmedida, protestos e até ameaças por resultados imediatos, o que pode prejudicar seu desenvolvimento como atleta e confiança. A constante troca de técnicos cria um ambiente de incerteza, dificultando a construção de uma identidade de jogo clara e coesa e torna ainda mais volátil o ambiente.
Caso Brasil
Na introdução foi citado que no caso do Brasil esta rotatividade no comando técnico das equipes é mais contundente. Ao analisar o estudo realizado em 2023 pela Revista Brasileira de Futebol é possível tirar muitas conclusões que podem evidenciar este fenômeno.
O gráfico a seguir ilustra a rotatividade de treinadores, destacando a média de mudanças no comando técnico das equipes em função de suas posições na tabela do Campeonato Brasileiro entre 2016 e 2021. A análise busca evidenciar a relação entre o desempenho das equipes e a estabilidade dos treinadores, oferecendo um panorama claro sobre a pressão por resultados e como ela impacta diretamente a continuidade dos profissionais à frente dos clubes durante esse período.
Caríssimo et al. 2023. Demissões de treinadores no campeonato brasileiro série A. Rev Bras Futebol; 2023, v.16, n.2, 46 – 56
De acordo com o gráfico analisado, nota-se uma clara diferença na rotatividade de treinadores entre as equipes que ocupam as últimas posições (zona de rebaixamento) e aquelas que figuram no G-6 (os seis primeiros colocados). As equipes em posições mais baixas na classificação apresentam uma taxa significativamente maior de troca de técnicos, com uma média de 87,22%, enquanto as equipes de melhor desempenho demonstram maior estabilidade.
Dois pontos reforçam essa conclusão: (A) entre os clubes rebaixados, a menor média de troca de treinadores foi de 2,25 em 2017, enquanto a maior média entre as equipes do G-6 foi de 2,16 em 2018, ou seja, mesmo no ano com maior instabilidade entre os melhores times, o número de demissões não ultrapassou a menor média das equipes rebaixadas; e (B) em todos os anos analisados, as equipes do G-6 trocaram menos de técnicos do que as demais equipes da competição.
Outro dado relevante, apresentado no quadro, refere-se ao número de treinadores que iniciaram e finalizaram o campeonato pelo mesmo clube.
(Caríssimo et al. 2023. Demissões de treinadores no campeonato brasileiro série A. Rev Bras Futebol; 2023, v.16, n.2, 46 – 56)
Em 2017, 30% dos times mantiveram o mesmo treinador durante toda a temporada, o maior percentual do período analisado. Nos anos de 2016, 2018 e 2019, apenas três clubes da Série A (15%) conseguiram manter a continuidade no comando técnico até o final do campeonato, enquanto em 2020 e 2021, esse número subiu para quatro (20%) e cinco (25%) equipes, respectivamente. Esses números reforçam a dificuldade dos clubes brasileiros em estabelecer uma continuidade de trabalho, algo essencial para o desenvolvimento de um projeto de longo prazo.
Essa discrepância no número de trocas de comando técnico entre as equipes do G-6 e do Z-4 abre margem para diversas interpretações. Uma delas nos prova que trocas de treinador quando se está em partes mais baixas da tabela não são efetivas na maioria das vezes, já que os clubes rebaixados são os que mais trocaram de treinadores. Agora, os clubes trocam de treinadores pela falta de resultados, ou a falta de resultados vem pela troca demasiada de treinadores? Outra estatística é que as equipes que menos trocaram de treinadores alcançaram posições mais elevadas na tabela. Isso não é coincidência.
Com isso, é necessário avaliar os motivos das trocas. Péssimos resultados? Sequência de derrotas? Jogo importante pela frente e falta de confiança no comando? Estes motivos causam trocas todos os anos. Entretanto, talvez o que mais influencie a direção, é a indignação dos torcedores. Muitas vezes recorrer a uma decisão de ceifar um trabalho ainda por completo, que poderia (ou não) ser capaz de gerar frutos não é uma decisão apenas da direção.
O torcedor é uma extensão da própria instituição na arquibancada, e com certeza é a variável que mais é apaixonada e sofredora desta equação. Essa paixão, entretanto, intensifica a pressão, pois o triunfo já deveria ter chegado para ontem, e a falta de fé no comando da equipe faz com que muitas vezes a direção acabe um trabalho precocemente.
Embora as trocas de comando técnico possam parecer prejudiciais à continuidade do trabalho, seria injusto afirmar que todas são equivocadas. Há, sem dúvida, mudanças que se mostram necessárias e estratégicas, especialmente quando a relação entre técnico e elenco se desgasta ou quando a equipe precisa de uma nova direção para recuperar seu rumo na temporada. Decisões bem pensadas e trocas pontuais podem revitalizar um time e trazer resultados positivos que não seriam alcançados de outra forma.
Muitas vezes, entretanto, a decisão de interromper um trabalho, ainda em fase de desenvolvimento, não é motivada apenas pela análise técnica ou por resultados.
Tentativa
Para a competição nacional brasileira de 2021, o presidente da CBF no ano, Rogério Caboclo, decidiu que cada clube da Série-A e B do Campeonato Brasileiro pudesse apenas trocar de comando técnico por duas ocasiões no ano, e o treinador só poderia trabalhar em dois clubes no decorrer da temporada.
Esta foi uma tentativa de diminuir a rotatividade e tentar alcançar trabalhos longevos no Brasil para assim se equiparar a equipes europeias como o Manchester United que teve Alex Ferguson a sua frente por 27 anos, ou o Liverpool, que teve Jürgen Klopp à sua frente por 9 anos. A expectativa era ótima. Agora vamos para a realidade? Em comum acordo em fevereiro de 2022, exatos 12 meses após a implementação, os dirigentes dos clubes do Brasil decidiram extinguir a regra.
Como prosseguir?
Não existe manual no futebol, é impossível garantir o sucesso, e como mencionado muitas vezes a troca de treinadores é algo benéfico ao time. Não é justo demonizar demissões e colocar a culpa apenas na instituição, até porque o treinador é um ser humano assim como jogadores e torcedores. O problema cresce quando trocar de técnico vira uma tentativa de milagre, salvar o que não tem salvação, e perturbar ainda mais uma situação delicada.
Caso o objetivo seja igualar o patamar europeu com o brasileiro, precisamos de estratégias, como a tentativa citada acima. Caso o objetivo seja a tentativa de salvação a curto prazo, em detrimento de um trabalho confiável e planejado, talvez já tenhamos alcançado o auge mundial.
Texto de Gabriel Amorosino
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