No ano passado escrevi o texto ‘A inovação entra em campo no futebol brasileiro’ nesse mesmo site, destacando o avanço de iniciativas de inovação no cenário esportivo nacional. Apesar do avanço, com práticas inovadoras recebendo mais espaço, destaquei que ainda estávamos distantes de uma cultura de inovação por aqui.
Alguns meses depois, é possível presenciar novidades no mercado. Nos campeonatos estaduais, o cenário de transmissões das partidas mostrou como deverá ser o futuro desta área, com destaque para a transmissão multiplataforma do campeonato paulista. Os jogos puderam ser vistos na TV Aberta, via Record, no pay-per-view, via Premiere FC, e no streaming, em diferentes plataformas, gratuitas ou não: Estádio TNT, HBO Max, Paulistão Play e YouTube. Apenas nesta última, foram 87 milhões de visualizações ao longo do mês de março, sendo o canal de futebol mais visto no mundo.
O universo de fan tokens e NFTs é outro que evoluí cada vez mais rápido com os clubes tendo suas próprias iniciativas ou trabalhando em parceria com empresas como a Socios.com, Block4 e Binance. Já são oito os clubes com acordo com a Socios.com, por exemplo.
No entanto, analisando o cenário geral, é possível notar que as iniciativas inovadoras vem de instituições específicas. Atlético-MG, Athletico Paranaense e Vasco, por exemplo, são três clubes que têm se mostrado atentos ao que surge de novo no mercado.
Para exemplificar, o clube mineiro lançou a terceira edição do Manto da Massa, camisa desenhada e votada por torcedores, utilizando tecnologia de realidade aumentada, tendo como plano de fundo a Arena MRV, seu futuro estádio. Já os paranaenses fecharam acordo através da LiveMode com o streamer Casimiro, com todas as partidas disputadas na Arena da Baixada transmitidas em seu canal da Twitch. Para fechar a breve lista de exemplos, o Vasco vem construindo uma forte parceria com a Block4, com uma série de colecionáveis digitais em NFTs lançadas nos últimos meses. No campeonato carioca o clube seguiu com ingressos virtuais, passando para moedas colecionáveis durante a Série B, além de uma coleção específica para Roberto Dinamite.
Além deles, a Federação Paulista é mais uma organização do cenário nacional a mergulhar de cabeça no universo de novas tecnologias. Além do já citado novo modelo de negociação de direitos, houve também iniciativas com NFTs para a grande final do torneio e um desafio de startups, realizado em parceria com Arena Hub, em uma iniciativa que buscou soluções em três áreas: engajamento de fãs, transmissão e experiências em arenas.
Mesmo com diversas iniciativas interessantes, a análise mostra que ainda estamos longe de uma cultura de inovação no futebol brasileiro. Uma cultura que vá além da tecnologia, e auxilie clubes, federações e demais agentes da indústria do futebol a criarem novas soluções para problemas antigos que existem por aqui e gerar mais valor para o esporte nacional. Vale ressaltar que a criação de uma cultura não é algo feito do dia para noite. Leva um certo tempo que muitas vezes os gestores brasileiros não possuem. A partir dessa dificuldade de ir ao encontro de uma nova e necessária cultura, destaco aqui alguns tópicos que precisamos considerar para criar uma cultura de inovação no futebol nacional:
Inovação em rede
O conceito de inovações de rede é simples: oferecer alternativas para as empresas tirarem proveito dos processos, tecnologias, produtos, serviços, canais e marcas de outras empresas, em um mundo em que as instituições não conseguem ou não devem fazer tudo sozinhas. Entram aqui inclusive ações como programas de inovação aberta, hackathons e outras iniciativas que inserem o grande público na criação de produtos e serviços da empresa.
Um dos problemas do futebol brasileiro está na preocupação quase que única em vencer o próximo jogo. A pressão criada por torcida, imprensa, conselheiros e demais envolvidos faz com que parar para debater qualquer inovação fique em segundo plano. Esta é só uma das dificuldades que o trabalho de inovação em rede pode auxiliar. Trazer pessoas que não estão envolvidas nesta rotina, em formato de parceria ou em definitivo para a estrutura da instituição, pode auxiliar na criação da cultura de inovação de fora para dentro.
Um dos exemplos que li recentemente foi o da Natura, a empresa do setor de cosméticos. Sua principal força na área de pesquisa e desenvolvimento está na parceria com 25 universidades espalhadas pelo mundo, com pesquisadores atuando em todas as áreas da empresa. Uma iniciativa como essa poderia ser facilmente replicada no universo do futebol, adaptando apenas as características distintas do mercado.
Aprendizado contínuo
Você já ouviu falar em lifelong learning? O conceito também chamado de aprendizado ao longo da vida, questiona a forma como a educação é tratada na sociedade, nossa relação com o conhecimento e as transformações que acontecem no mundo. O tema é tópico central do livro Lifelong Learners – o poder do aprendizado contínuo, escrito por Conrado Schlochauer.
Existe uma necessidade clara de implementar novas soluções para problemas antigos do cenário, como a criação de novas fontes de receitas, e somente com uma atualização constante dos profissionais que atuam no mercado do futebol esse processo será feito da maneira correta.
No entanto, vejo que este ponto ainda precisa melhorar em alguns aspectos, principalmente quando falamos sobre pessoas. A estrutura política do futebol brasileiro é muito resistente a mudanças e, em alguns casos, gestores com poder de decisão preferem manter práticas que não funcionam mais ao invés de aprender novas habilidades que auxiliem na gestão do futebol.
É possível que a chegada de investidores e profissionais de fora do mercado, muitas vezes sem os vícios do passado, pode ser o oxigênio que faltava para que o futebol brasileiro dê o salto necessário para se estabelecer como indústria.
Profissionais de inovação
Pegando o gancho do final do último tópico, é necessário falar sobre os profissionais de inovação. Precisamos ter um profissional da área nos clubes ou entidades? A ideia não é que a cultura de inovação esteja presente em todos os setores?
No início de 2022 acompanhei o workshop Sistema de gestão da Inovação, realizado no Instituto Caldeira pelo professor Silvio Bitencourt da Silva, que me ajudou a reforçar minha posição. Sim, precisamos de profissionais específicos de inovação em nossas entidades até alcançar a cultura, assunto deste texto.
Muitos dizem que a inovação deve estar em todas as áreas do clube, agregando valor no futebol, marketing, administração e onde mais for necessário. No entanto, para garantir que os processos que facilitem a inovação aconteçam de forma eficiente em todos estes setores, é preciso que alguém gerencie estas etapas.
O profissional de inovação seria responsável por avaliar quais as melhores ferramentas e métodos para cada setor, identificar oportunidades de valor, auxiliar no desenvolvimento de soluções entre outras.
Por enquanto, o número de clubes por aqui que possuem tal função ainda é pequeno. Aos poucos, percebendo os benefícios da área, a tendência é que mais instituições sigam por este caminho, fazendo parte do processo de criação de uma cultura de inovação no futebol brasileiro.
Conclusão
Apesar de as transformações na sociedade acontecerem cada vez mais rápido, sei que as provocações deste texto só terão efeitos no longo prazo. Além do trio listado acima, existem diversas outras práticas que precisam ser levadas a diante para que tenhamos sucesso na criação de uma cultura de inovação por aqui, mas que precisam do tempo para surtirem efeito.
Este texto vem para colaborar com a construção desta cultura que serviu de tema central. Nos próximos meses, teremos ainda mais conteúdos relacionados com inovação, destrinchando o ecossistema do esporte e analisando importantes figuras que possam participar do processo de desenvolvimento de uma indústria cada vez mais inovadora no futebol brasileiro.
Texto de Rodrigo Romano