Não é difícil reparar que o mercado de apostas esportivas vem atraindo grande interesse de parte da população. Olhando para os patrocinadores esportivos ou até mesmo conversando com pessoas que gostam de acompanhar qualquer tipo de esporte, é possível perceber que, principalmente de 2019 em diante, esse mercado cresceu muito no Brasil.
Essa modalidade de jogos de azar tem permitido com que muitos unam sua paixão pelo esporte com uma oportunidade de ganhar dinheiro, porém, também existem aspectos importantes de serem esclarecidos e levados em conta antes de entrar no mundo das apostas esportivas.
Situação legal das apostas esportivas no Brasil
As apostas esportivas ainda não estão legalizadas no Brasil. Desde 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, as apostas esportivas são proibidas no território brasileiro. Entretanto, mesmo com essa proibição, é possível apostar esportivamente hoje através de “casas de apostas online”, uma vez que essas estão sediadas fora do Brasil. Como a lei de proibição dos jogos de azar é antiga, ela não previa a existência da internet e a possibilidade de realizar apostas digitalmente, deixando essa brecha para a operação das casas de apostas online.
Atualmente o congresso nacional tenta legalizar as apostas esportivas no território brasileiro. Em fevereiro de 2022, a câmara dos deputados aprovou o PL 442/91 que legaliza os jogos de azar como cassino, jogo do bicho e bingo, além das apostas esportivas. Porém, o projeto de lei encontra-se parado no senado federal. Portanto, até o momento, as apostas esportivas estão restritas ao meio digital no país.
Crescimento através do marketing: casas de apostas como patrocinadoras esportivas
O movimento pela legalização das apostas esportivas impulsionou um mercado que já vinha crescendo nos últimos anos. Buscando atrair mais clientes, o setor de apostas esportivas tem apostado seu marketing no futebol brasileiro.
Nas propagandas, é comum as empresas utilizarem personalidades do meio futebolístico para tentar se aproximar do potencial cliente. Além disso, a principal estratégia das casas de aposta tem sido se vincular a alguma equipe tanto através do patrocínio master quanto por meio de ativações e promoções para os torcedores, tentando sempre torná-los clientes.
No ano de 2019, a IBOPE Ropecum, empresa que realiza todos os anos um panorama sobre os patrocínios da Série A do futebol brasileiro, previa uma tendência de aumento nos patrocínios de casas esportivas em camisas de clubes. Essa previsão se consolidou desde então:
- Em 2018, nenhum clube era patrocinado por alguma casa de apostas esportivas.
- Em 2019, 13 clubes tinham alguma parte de sua camisa patrocinada pelo setor de apostas esportivas e nenhuma empresa do segmento era estampada como patrocínio master de algum clube da série-A.
- Em 2020–21, esse setor liderou os patrocínios-máster na Série A (6 marcas em 7 clubes) e foi o 5º segmento com mais marcas patrocinando clubes, 11 no total, atrás dos setores “imobiliário, construção e acabamento” (30), “financeiro” (20), “saúde” (20) e “alimentação” (14).
Esse aumento nos patrocínios também é notado nas placas na beira do campo nos jogos do campeonato brasileiro, o que garante também uma visibilidade às marcas durante as transmissões de partidas. Através desses patrocínios, as casas de apostas buscam visibilidade no principal esporte do Brasil, o futebol, para atrair novos clientes. Assim, conseguem fazer com que mais pessoas juntem a paixão pelo esporte com uma oportunidade de ganhar dinheiro.
Os dois lados da mesma moeda
Inicialmente, a presença cada vez maior das casas de apostas no cenário brasileiro pode parecer um mar de rosas para os clubes e os sites de apostas: enormes montantes de dinheiro para os dois lados, um aumento da visibilidade e, consequentemente, de público nas casas de apostas, e o crescimento contínuo deste mercado no Brasil. Porém, é importante ressaltar que o modus operandi desses tipos de patrocínio podem acarretar alguns sérios problemas para os clubes, para os apostadores, e até para o próprio futebol brasileiro.
Partes positivas das apostas no futebol brasileiro
Quando um patrocínio entre um clube e uma casa de aposta é fechado, diversas maneiras podem ser usadas para o clube gerar receita: parcelas fixas recebidas por algum período determinado, benefícios em função do número de novos apostadores que chegaram à casa de aposta devido ao clube, participação em percentuais do lucro das apostas, e mais. Tais receitas proporcionam ao clube um aumento de capital, e, portanto, possibilidades novas de investimento no próprio clube, seja com contratação de jogadores melhores, desenvolvimento do CT, entre outros.
Em contrapartida, o clube deve sempre ressaltar a imagem da casa de aposta com quem fechou patrocínio. Por exemplo, a partir de estampas do logo do site nos uniformes, nos ônibus e nas postagens nas redes sociais do clube. Essas medidas geram para o site de apostas uma maior visibilidade, a depender da audiência que o clube possui, e, consequentemente, um aumento no número de apostadores, e, portanto, de seu lucro.
Já na perspectiva do torcedor, a presença das casas de apostas em sua vida pode incentivá-lo a acompanhar mais intensamente os jogos de seu time ou até do futebol brasileiro como um todo, pois é uma maneira de ganhar dinheiro com algo que já faz parte da sua rotina. Além disso, as apostas podem estimular ainda mais a paixão dos torcedores pelo seu clube e pelo próprio futebol, porque a torcida do espectador não iria apenas para a vitória do seu time, mas também para a vitória de sua aposta.
O outro lado da moeda
Todos esses pontos deixam aparentar que a presença das casas de apostas no futebol brasileiro é um imã de benefícios para todos os cantos, mas não é bem assim que funciona.
Aspectos negativos que são essenciais de se considerar nessa questão são os danos psicológico e financeiro que as apostas podem causar na vida dos indivíduos. Considerando que o modelo de apostas parte de uma premissa que se baseia em “ganhar dinheiro sem esforço”, as pessoas que entram nesse mercado, dependendo de como enxergam sua função, podem desenvolver uma dependência pelas apostas. E, como qualquer outro vício, o resultado nunca é positivo no final.
O apostador que se torna viciado passa a colocar continuadamente o seu dinheiro em apostas, e, com o tempo, procura outros tipos delas, em outras modalidades para tentar sua sorte, mesmo que não conheça o mínimo daquela modalidade.
Outro problema é derivado da brevidade do mercado de apostas no Brasil. Como o cenário de apostas começou a crescer no Brasil apenas em 2019, este mercado ainda não possui uma regulamentação realmente robusta, que o tornariam inteiramente legalizado e transparente, o que é de suma importância para seu próprio desenvolvimento. Sendo assim, neste cenário menos regularizado, muitas empresas que não possuem uma estrutura confiável entram em cena para firmar patrocínios com os clubes brasileiros, o que, futuramente, pode acarretar prejuízos para os clubes e para os apostadores. Isso ocorre porque as leis brasileiras ainda possuem brechas para tais atitudes. Manipulações de resultados são exemplos dessas brechas presentes nas normas.
O problema com a manipulação de resultados
Manipulação de resultados por causa de apostas esportivas é algo que já impactou o futebol brasileiro muito seriamente. Em 2005, o campeonato brasileiro teve 11 jogos anulados e remarcados porque o árbitro FIFA Edílson Pereira de Carvalho, que apitou esses jogos, teria recebido cerca de dez mil reais por partida para fraudar os seus resultados. Esse dinheiro foi oferecido por um grupo de apostadores que, ao manipular os placares, ganhavam dinheiro por apostar no resultado que já sabiam que ia acontecer. Esse escândalo ficou conhecido como a “Máfia do Apito”.
Nos dias de hoje é cada vez mais difícil acreditar que as manipulações de resultado possam acontecer nos grandes palcos do futebol nacional e internacional, porém, com o crescimento do mercado de apostas esportivas, crescem também os eventos em que se pode apostar dentro de uma partida, como cartões amarelos, impedimentos, tiros de metas e laterais que são mais fáceis de serem manipulados sem impactar diretamente o placar final de um jogo.
Recentemente, o jogador Granit Xhaka, do Arsenal, entrou nos olhos das autoridades pois tomou um cartão amarelo por demorar a cobrar uma falta na reta final do jogo, quando o Arsenal já estava vencendo por 4×1. Mas o que chamou a atenção das autoridades e da casa de aposta foi que, minutos antes, uma aposta para o atleta tomar o cartão no valor de R$ 321 mil reais foi feita, o que pode significar um esquema combinado. As investigações continuam em aberto.
Com esse aumento do envolvimento das casas de apostas no futebol brasileiro, aumenta também a desconfiança dos torcedores sobre os resultados, mas é importante explicar que é muito improvável que casas de apostas queiram manipular e mudar os resultados de partidas, isso porque essas empresas lucram independentemente do resultado de um jogo. As casas de aposta são extremamente boas em definir a possibilidade de um evento acontecer, então devolvem para os apostadores, por meio de Odds, um valor menor do que a real possibilidade de algo acontecer.
Por exemplo, se a casa entender que existe 50% de possibilidade de um time vencer e 50% para o outro time vencer, o correto seria oferecer Odd 2 para cada time, mas eles oferecem normalmente uma odd de 1,90 para cada um, fazendo com que a casa de aposta sempre ganhe. Em casos com manipulação, a probabilidade de um dos times vencer normalmente não é 50%, o que acaba destruindo essa vantagem da empresa. Outro motivo para manipulação não ser o desejado pelas casas é que um jogo manipulado não é atrativo para fãs assistirem, e muito menos para apostar, o que diminui os seus lucros.
Panorama geral sobre as apostas esportivas no Brasil
O texto comprova que o ato de apostar realmente se tornou parte do cotidiano brasileiro, sendo pauta de diversas discussões em qualquer local de encontro, com diversas comunidades espalhadas e com enfoque em diversos esportes. Porém, com essa crescente popularidade e promessa de dinheiro fácil, traz consigo alguns malefícios evidenciados no texto. Além do vício em apostas, que é maléfico para o ser em si, também o é para aqueles que estão em volta. Então é um assunto que ainda deve, e vai, ser muito discutido com o passar do tempo, e devido a difusão das apostas, muitas leis devem ser revisadas, sendo um desafio que nós devemos enfrentar.
Outro ponto, é quanto à possibilidade de se lucrar com resultados fraudados e apostas manipuladas, partindo do pressuposto de que “a casa sempre lucra” é necessária uma fiscalização mais rígida dos campeonatos esportivos, e outras modalidades em que se é possível apostar online. Cabendo a determinada federação do esporte, ou até mesmo órgãos reguladores, encontrar uma forma de evitar que ações como as que ocorreram em 2005 voltem a se repetir, e que haja amparo a quem sofrer o dano.
Mais um ponto importante é de que com o crescimento das casas de apostas está tornando possível e maior o financiamento dos clubes, sabendo da visibilidade que o futebol brasileiro é capaz de proporcionar, muitos clubes tem ampliado o seu orçamento, o que possibilita mais investimento no esporte e consequentemente um melhor campeonato e mais valorizado mundo a fora.
Isto posto, sim, as apostas tem seus lados positivos e negativos que influenciam na decisão de proibir, ou não proibir essa prática. Porém, cabe as autoridades, tanto as esportivas quanto às governamentais, fiscalizar essa pratica que vem crescendo exponencialmente ao longo dos últimos cinco anos, e garantir que não ocorram fraudes e garantir também que as pessoas que, infelizmente, não conseguirem controlar o seu possível vício, sejam auxiliadas e acompanhadas.
Texto de Matias Prata, Felipe Cirumbolo, Gaetano Grinberg e Walter Queiroz, publicado originalmente no blog da FEA Sports Business.