O preconceito infelizmente é algo intrínseco na sociedade, e dentre os mais variados existentes temos o racismo, uma agressão que tem por definição, ser uma atitude ou comportamento hostil, discriminatório ou opressivo em relação a uma pessoa ou a um grupo de pessoas, com base na sua origem étnica ou racial, em particular quando estes pertencem a uma minoria ou a uma comunidade marginalizada.
Por uma questão cultural ou de “destino”, com o passar dos anos e a evolução da sociedade, e o “teórico” maior acesso a cultura e educação, consequentemente com o aumento das mídias sociais e o seu consumo, a sociedade retroagiu a olhos vistos, na questão do aumento de preconceitos e violência contra as minorias, onde deveria supostamente ocorrer o processo inverso, diante desta circunstâncias, adotaremos como base do artigo o racismo, por ser um preconceito que é de maior destaque no futebol, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.
Diante desta situação, o exemplo a ser utilizado será o jogador brasileiro Vinicius Jr., que hoje atua pelo Real Madrid, e se tornou de certo modo um símbolo contra o racismo, por não se calar diante das agressões sucessivas. É de conhecimento de todos que o atleta desde que iniciou sua carreira profissional no Brasil e após a sua transferência para o clube espanhol, já sofreu as mais diversas agressões e ofensas, por parte dos torcedores dos times adversários, dos jogadores adversários, até mesmo da imprensa do país espanhol, obviamente alguns clubes causam mais transtornos neste sentido como Mallorca, Barcelona, Atlético de Madrid, Valencia, Osasuna, entre outros.
Muito embora os casos não parem, a La Liga tem tomado medidas para tentar coibir este tipo de comportamento, como monitoramento e vigilância nos jogos, e principalmente o jogador tem encontrado apoio do seu clube para denunciar os crimes.
Em razão de tudo isto, passamos a partir de agora a verificar como a legislação brasileira, através de suas leis, de regulamentos protegem os jogadores de futebol nos casos de crime de racismo praticados contra eles.
Iniciamos certamente pelo que expressa a Constituição Federal, em seu Art. 3º, que trata dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o inciso IV, diz: “promover o bem de todos, preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, na mesma também é possível verificar no Art. 5º, onde em seu caput, o texto faz referência as garantias fundamentais, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, e neste artigo o inciso XLII, traz expressamente o crime de racismo, “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei”.
Já o Código Penal, apresenta a proteção em seu Art. 140, “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”, e sendo complementado pelo §3º, onde a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou a condição de pessoa idosa ou com deficiência. Neste ponto, é necessário esclarecer a diferença entre racismo e injúria, ambos sim são crimes, tipificados e punidos por lei, e equiparados por lei recentemente promulgada, em forma conceitual, se tratam de crimes diferentes.
O crime de racismo é aquele praticado contra pessoa ou grupo de pessoas, discriminando-as de uma forma geral e abstrata, ou mesmo quando se impede, nega, um emprego ou promoção a um indivíduo em razão de cor, raça, etnia, religião, ou quando ele é impedido de ter acesso a estádios ou arenas esportivas, ou estabelecimentos comerciais. No crime de injúria, a base dele é o ódio, e este advém de uma discriminação injusta e preconceituosa conta uma pessoa ou um grupo específico de pessoas, como por exemplo, chamar um jogador de futebol durante a partida de “macaco”.
Existem no arcabouço jurídico outras leis contra este tipo de crime, como a Lei nº 7.716/1989, ainda em vigor, mas com algumas alterações ao longo dos anos, ela “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, no Art. 1º, “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Em particular para este trabalho temos atenção ao Art. 9º, “impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes sociais abertos ao público”, tem uma pena de reclusão de 3 (três) anos, e ao Art. 20, “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia religião ou procedência nacional”,
§2º-A, “a se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público”, tendo um a pena de “reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso”.
O diploma legal aprovado no ano passado, Lei nº 14.532, vem justamente para alterar a Lei acima mencionada, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever a pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.
Acreditamos que aproveitando o ensejo de toda a divulgação e movimentação mundial, no combate aos atos racistas sofridos no ano passado pelo jogador Vinicius Jr., como já falado anteriormente alguns estados e municípios aprovaram suas próprias leis, políticas e protocolos de combate ao racismo dentro dos estádios e arenas esportivas. O primeiro a aprovar tal medida foi o estado do Rio de Janeiro, através da Lei nº 10.053, de 05 de julho, Projeto de Lei proposto por diversos deputados, é uma lei de apenas 6 artigos, que “institui no âmbito do Estado do Rio de Janeiro a Política Estadual ‘Vini Jr.’ de combate ao racismo nos estádios e nas arenas esportivas do Estado do Rio de Janeiro”.
Lei Vinicius Jr
Em seu texto a lei, diz que a política tem como seu objetivo combater ao racismo nos estádios e nas arenas esportivas, e busca transformá-los em espaços acolhedores para a comunidade, determina Art. 3º, inciso I, as ações obrigatórias a serem tomadas nestes espaços,
a) divulgação e a realização de campanhas educativas de combate ao racismo nos períodos de intervalo ou que antecedem os eventos esportivos ou culturais, preferencialmente veiculadas por meios de grande alcance, tais como telões, alto falantes, murais, telas, panfletos, outdoors, etc.;
b) a divulgação das políticas públicas voltadas para o atendimento às vítimas das condutas combatidas por esta Lei;
c) a interrupção da partida em andamento em caso de denúncia ou reconhecida manifestação de conduta racista por qualquer pessoa presente, sem prejuízo das sanções cíveis, penais e previstas no regulamento da competição e da legislação desportiva.
Inclui as ações facultativas a serem tomadas, em caso de condutas racistas no inciso II,
a) a instrução dos funcionários e prestadores de serviços sobre as condutas combatidas por esta Lei;
b) a criação e ampla divulgação de medidas de acolhimento e auxílio disponibilizados ao denunciante vítima da conduta combatida por esta Lei;
c) o encerramento total da partida em andamento em caso de conduta racista praticada conjuntamente por grupo de pessoas ou em caso de reincidência de reconhecida manifestação de conduta racista sem prejuízo das sanções previstas no regulamento da competição e da legislação desportiva.
O Art. 4º, cria o “Protocolo de Combate ao Racismo”, que deve ser realizado nos estádios e arenas esportivas e com um rito a ser seguido descrito pontualmente em seus incisos:
Inciso I, qualquer cidadão poderá informar a qualquer autoridade presente no estádio acerca da conduta racista que tomar conhecimento;
Inciso III, o organizador do evento ou o delegado da partida solicitará ao árbitro ou ao mediador da partida a interrupção obrigatória de que trata a alínea c do inciso I do art. 3º desta Lei;
Inciso IV, a interrupção se dará pelo tempo que o organizador do evento ou o delegado da partida entender necessário e enquanto não cessarem as atitudes reconhecidamente racistas;
Inciso V, após a interrupção e em caso da conduta racista praticada conjuntamente por torcedores ou de reincidência de conduta reconhecidamente racista, o organizador do evento esportivo ou o delegado da partida poderá informar ao árbitro ou mediador da partida quanto a decisão de exercer a faculdade de encerrar a partida nos moldes da alínea c do inciso II do art. 3º desta Lei.
Aos moldes desta mesma lei, o município de Curitiba aprovou a Lei nº 16.267, no dia 05 de dezembro, com seu Projeto de Lei também proposto por vários vereadores, assim como o estado da Paraíba, sancionou no dia 12 de dezembro, a Lei nº 12.957, projeto este iniciado pela deputada Cida Ramos.
Ambas leis tem o mesmo número de artigos, e praticamente o mesmo texto legal, apenas com algumas diferenças nos incisos II e Parágrafo Único, do Art. 4º, que se amolda a realidade de cada região, mas as duas “instituem a Política Municipal/Estadual ‘Vini Jr’ de combate ao racismo”. Já no Distrito Federal, o projeto do deputado Max Maciel, foi aprovado apenas em partes, na Lei nº 7.517, em 02 de julho deste ano, consta na lei apenas a seguinte redação:
Art. 1º Fica instituída a Política Distrital Vinícius Jr. de combate ao racismo em estádios e arenas esportivas do Distrito Federal.
Art. 2º A política visa ao combate ao racismo em estádios e arenas esportivas, buscando transformá-los em espaços de conscientização racial para toda a comunidade esportiva.
O estado do Rio Grande do Sul, por meio do Projeto de Lei da deputada Luciana Genro, aprovou neste ano, no dia 09 de julho, a Lei nº 16.143, que um pouco distinta as outras não inclui o nome do jogador, mas ficou popularmente conhecida como tal, vai um pouco além em suas proteções e criminalizações, como descrito no art. 1º e Parágrafo Único, do mesmo,
art. 1º – Fica instituído o Protocolo de Combate à Discriminação a ser aplicado em jogos nos estádios e arenas esportivas do Estado do Rio Grande do Sul em casos de suspeita de racismo, injúria racial e homofobia.
Parágrafo Único: As definições das condutas discriminatórias descritas no “caput” são aquelas estabelecidas pela legislação federal e na jurisprudência corrente, é possível observar a maior amplitude da norma gaúcha, pois inclui os crimes de injúria, este já equiparado ao racismo, mas também o de homofobia, que infelizmente é corriqueiro nos estádios e arenas esportivas do estado. E também por utilizar a jurisprudência corrente, para a definição das condutas, pois sabe-se que em alguns casos, a legislação não acompanha na velocidade necessária a evolução de certas situações, e desta forma elas podem ser punidas com base nos fatos que já estão em discussão nos tribunais.
Os artigos 2º e 3º, consecutivamente definem a ordem em que o protocolo deverá ser executado,
Art. 2º – Na hipótese de suspeita de ocorrência de conduta discriminatória descrita no art. 1º, o árbitro deverá seguir o seguinte protocolo de ações, nesta ordem:
I – interromper a partida até que cesse a conduta suspeita;
II – se a conduta suspeita voltar a ocorrer após o recomeço, interromper a partida por mais 10 (dez) minutos, determinando-se a saída imediata de todos os atletas do espaço em que ocorre a partida, tal como o gramado ou a quadra;
III – se a conduta suspeita persistir após os 10 (dez) minutos ou voltar a ocorrer após o recomeço, encerrar a partida.
§ 1º Quando qualquer das ações descritas nos incisos do “caput” for executada pelo árbitro, os organizadores da partida deverão comunicá-la imediatamente:
I- à autoridade policial;
II – à torcida, por meio do sistema de som, esclarecendo qual a conduta suspeita que a motivou.
§ 2º O protocolo de que trata o “caput” aplica-se desde o início até o final da partida.
§ 3º Caso a suspeita de ocorrência de conduta discriminatória ocorra entre a abertura do estádio ou arena e o início da partida, o árbitro poderá, a depender da gravidade, cancelar a partida.
Art. 3º – Os administradores dos estádios e arenas esportivas deverão divulgar o protocolo de que trata esta Lei por meio de recursos visuais de amplo alcance.
E por fim, mas não menos importante trazemos o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, utilizado no âmbito dos julgamentos da justiça desportiva, e que contém severas punições para atos discriminatórios em seu Art. 243-G,
Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de 120 a 360 dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009), como no Regulamento Geral de Competições 2024, emitido todos os anos pela Confederação Brasileira de Futebol, onde consta as sanções administrativas, especificamente no Art. 135, em seus incisos estão as punições possíveis para dirigentes, representantes e profissionais dos Clubes, atletas, técnicos, membros da Comissão Técnica, torcedores e as equipes de arbitragem, penas estas aplicadas concomitantemente ou não com as descritas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva,
§ 1° – Considera-se de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório praticada por dirigentes, representantes e profissionais dos Clubes, atletas, técnicos, membros de Comissão Técnica, torcedores e equipes de arbitragem em competições organizadas e coordenadas pela CBF, especialmente injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia, procedência nacional ou social, sexo, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, fortuna, nascimento ou qualquer outra forma de discriminação que afronte a dignidade humana.
§2º – Considera-se de extrema gravidade qualquer ato violento praticado por torcedores contra delegações de Clubes e equipes de arbitragem em quaisquer deslocamentos para participação em partidas de competições organizadas e coordenadas pela CBF, conforme definido neste RGC.
§ 3º – Na hipótese de reincidência das infrações elencadas nos parágrafos primeiro e segundo, independentemente das sanções que venham a ser aplicadas pela Justiça Desportiva e de eventual apuração e responsabilização por crime, a multa pecuniária administrativa máxima poderá ser aplicada em dobro, que será integralmente revertida para entidade representativa de proteção de direitos, conforme o caso.
§ 4º – Em conformidade com o sistema associativo do futebol e os termos do Estatuto da CBF, as penalidades previstas no caput têm natureza administrativa e poderão ser aplicadas pela CBF independentemente das sanções que venham a ser cominadas pela Justiça Desportiva com base no CBJD.
§ 5º – A penalidade disposta no art. 135, IV poderá ser imposta administrativamente pela CBF, encaminhando-se o caso ao STJD para apreciação, ficando sua cominação definitiva condicionada ao julgamento do STJD sobre a aplicação da perda de pontos ao clube infrator.
§ 6º – Para além das sanções administrativas e disciplinares impostas, a CBF, em linha com legislação vigente e, em especial, a Lei 14.532, de 11 de janeiro de 2023, encaminhará ofício às autoridades competentes (dentre as quais, o Ministério Público) para apuração e eventual responsabilização dos infratores, inclusive instauração de inquéritos, eventual tipificação de crime e responsabilização criminal, e poderá determinar aos infratores a promoção de campanhas, palestras e outras medidas de cunho educacional, bem como a apresentação de plano de prevenção e combate dessas infrações de extrema gravidade.
Em suma, fica claro que não falta legislação, ou não faltam tentativas dos legisladores, dos órgãos organizadores do futebol, para que estes comportamentos/ações sejam diminuídos, e um dia com a ajuda da evolução do pensamento, maior acesso a cultura, o aumento do respeito e da empatia pelo próximo, estes preconceitos sejam extintos do futebol, como da sociedade.
Texto de Morgana Moraes Fonseca
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