Todo processo de seleção é difícil. Por mais informações que você busque é impossível saber tudo e prever tudo. Projetar um desempenho profissional baseado no passado da pessoa é basicamente a única opção que os recrutadores têm. E é assim em qualquer mercado, não só no futebol.
Mas na bola, o contexto é tão citado que parece até uma lenda, uma entidade, um mito evocado seja para refutar um prospecto ou para admiti-lo de forma enfática. É o supertrunfo que aqueles que têm o poder de escolha colocam na mesa na hora de impor sua opinião sobre os demais. Mas será que a gente realmente entende o impacto do Contexto ou ele é muito mais um recurso retórico? Quantas pessoas você conhece que estudaram atletas em diferentes contextos, mesmo que de forma simples, ou que leram a respeito antes de emitir opiniões. É algo empírico, uma percepção pessoal ou algo científico?
Evocar o contexto significa basicamente colocar em oposição o nível da competição que o atleta está inserido e a qualidade demonstrada pelo jogador. A real qualidade técnica, tática, física, mental, afetiva e emocional do perfil analisado é relativizada de acordo com o seu entorno. Imagine um Cr7 no Campeonato Brasileiro. Quantos gols ele faria? Agora imagine um Gabigol no campeonato espanhol. Qual seria o desempenho dele? São perguntas que parecem fáceis de serem respondidas, pela discrepância do… contexto! Mas quanto mais aproximamos os níveis dos contextos, mais difícil fica refinar essa avaliação. Na base, então…
Tempos atrás comecei um estudo – que não terminei – sobre o desempenho dos atletas que se destacaram no Campeonato Candango profissional. A ideia era verificar qual o impacto do contexto na performance daquele atleta.
Lembro que fiquei muito impressionado com o jogo do Manoel, então atacante do Capital. Ele tinha capacidade de gerar jogo em apoio frontal, gerando espaço às costas para a penetração dos companheiros; de controlar a profundidade da última linha entre os zagueiros os obrigando a dividir referência o tempo todo; demonstrava refino na finalização e capacidade para vencer duelos aéreos para finalizar ou para escorar encontrando colegas de time. Mesmo assim, as avaliações sobre ele foram negativas pela maior parte dos expectadores. Ele fez apenas 2 gols em 11 jogos num time que foi semifinalista da competição.
Ora, se o tal contexto do campeonato permitiu ao centroavante em questão apenas 2 gols em 11 jogos, era de se esperar que em um contexto mais competitivo, mais técnico, seu desempenho caísse, não é mesmo? No entanto, no mesmo ano, foi jogar a Série C pelo Altos, que ficou uma posição acima do rebaixamento, e fez os mesmos 2 gols. Ainda que tenha sido em 19 jogos, 8 a mais que no estadual daquele ano, a competição e o time quase rebaixado deveria ter um impacto maior na performance dele?
No mesmo ano, seu companheiro de time, o meia Marllon, fez 5 partidas pelo Capital e não marcou gols nem deu assistência alguma. Em seguida, também foi disputar a Série C, porém com a camisa do Floresta, e marcou 3 gols em 16 jogos. Já o xará Marlon Maranhão, que fez incríveis 7 gols em 9 jogos pelo rebaixado Taguatinga no Candango daquele ano foi disputar o Módulo II do Mineiro e com os mesmos 9 jogos só balançou as redes uma vez. Curiosamente, em seguida, foi emprestado ao Gil Vicente de Portugal e segue no sub23 da equipe lusitana até hoje, e com algum sucesso.
O que a gente aprende com tudo isso? Que uma olhada rápida não revela o tal contexto. Que um desempenho esportivo vai muito além dos achismos mais óbvios. Que quando você for usar ou ouvir essa palavra mantenha um pé atrás. Contexto é importante demais para ser visto superficialmente. Não o utilize como supertrunfo. É melhor reconhecer a própria ignorância e admitir que não tem tempo ou que não sabe avaliar aquele atleta por desconhecer o contexto em que ele está inserido.
Mas, aqui vai a dica simples na Análise de Mercado que prometi: respeite o talento. Se você gostou do que viu, dê a ele uma oportunidade. Não fosse assim, talvez o penta não tivesse sido conquistado pela Seleção Brasileira. Ou você contrataria para um time de Série A um zagueiro de um time do Distrito Federal que perde de 7 a 0 ao natural para o Internacional? Essa é simplesmente a história do zagueiro Lúcio, contratado pelo Colorado logo após a partida a pedido do técnico Celso Roth.
Dica bônus: não julgue um jogador como fracassado por ele ter saído cedo na base para um time grande e depois ter voltado para um time pequeno na sua cidade natal. Pode parecer um certificado de fracasso numa olhada rápida, mas a verdade é que a maioria das famílias não consegue manter seu filho adolescente longe de casa por muito tempo. Na hora da triagem de material, a sequência de escudos que o garoto defendeu não pode ser decisiva para você.
Texto de Filipe Calmon
Tem interesse pela área de Análise de Mercado?
O FootHub está com a lista de espera para a turma 3 do curso Analise de Mercado – Teoria e Prática aberta! Não perca tempo e inscreva-se aqui para receber mais informações