Único clube francês a vencer a Liga dos Campeões e conhecido por ter a torcida mais fanática do seu país, o Olympique de Marselha viu suas possibilidades de glórias caírem na última década desde que o Paris Saint-Germain foi adquirido pela Qatar Sports Investments, estatal que contratou grandes astros internacionais e ajudou o clube da capital a conquistar 26 títulos desde 2012.
Além de troféus, o time marselhês também perdeu o título de clube com mais torcedores para os parisienses em 2018, segundo levantamento encomendado pela Ligue 1, que mostrou que a equipe do sul da França é o time de 20% dos gauleses, enquanto o PSG tem agora 22%. Sem a mesma quantidade de euros dos rivais da capital, o clube passou a investir fortemente em dados, distribuição de conteúdo digital e também olhou para os artistas da cidade, que é a segunda mais populosa da França com 869 mil habitantes, para voltar ao topo de preferências e gerar mais recursos para investir nas 4 linhas.
A mudança significativa para as plataformas voltadas à internet se intensificaram em 2016, quando o norte-americano Frank McCourt, que também é dono dos Los Angeles Dodgers (MLB), comprou 95% do Olympique de Marselha. Ele nomeou o jornalista Jacques-Henri Eyraud como CEO do clube, que passou a fazer mudanças significativas na forma de atuar da equipe fora de campo.
Revolução digital
Fundador do Media 365 em 2000, uma plataforma de conteúdos multimídia, ex-executivo da Eurodisney e professor de empreendedorismo, Eyraud determinou o fechamento da OM TV em 2018, que produzia materiais sobre o OM e transmitia replays de jogos na TV por assinatura, para distribuir seu conteúdo nas redes sociais já existentes.
“A integração das ferramentas digitais foi reorganizada internamente para melhorar a nossa produtividade, bem como a estratégia de mídia do clube foi totalmente redesenhada. A OM TV, uma mídia simpática, mas do século XX, deu lugar a um pelotão de 30 profissionais de marketing digital e especialistas em mídia social que revolucionaram a forma como o OM chega a seus apoiadores ao redor do mundo. Hoje, temos 13 milhões de assinantes nas nossas redes sociais, o que nos coloca no top 20 europeu“, explicou Eyraud, em texto de sua autoria publicado no LinkedIn.
“O controle e o desenvolvimento de dados foram destacados, pois um clube de futebol gera centenas de milhares de dados todos os dias, tanto de campo como de seus torcedores. A análise sistemática desses dados permite tomar melhores decisões e, portanto, ser mais eficientes. Quero que o OM se torne o clube francês mais tecnologicamente avançado”, escreveu.
A base de dados e a força nas redes sociais faz com que o clube converse de forma cada vez mais particular com seus diversos públicos ao redor do mundo. “O TikTok tem um público muito jovem, o Facebook é um público-alvo mais geral, o Twitter uma comunidade mais ativa e engajada”, explicou o diretor de marketing e mídia, Hervé Philippe ao jornal La Provence. Ele acrescentou ainda que o OM também pode “localizar geograficamente o conteúdo”, seja escrevendo na língua africana wolof para senegaleses ou promoção voltadas para torcedores asiáticos no Ano Novo chinês.
Dados que geram negócios
Inclusive, a alta base de dados fez com que o clube atraísse parceiros e ferramentas que ajudam a coletar e interpretar melhor as informações de cada torcedor. Há quase um ano, Olympique de Marselha anunciou uma parceria com a IQONIQ, plataforma de fan engagement, que oferece conteúdos, pontos e até comprar ingressos no Orange Vélodrome, estádio em que a equipe joga. O acordo, que não teve valores divulgados, terá duração até 2023 e rendeu à plataforma ter seu logotipo estampado na manga da camisa da equipe.
Já na última segunda-feira (18), a empresa Selectra, especializada no setor de energia elétrica anunciou um acordo para fazer uma compra coletiva de eletricidade e gás renovável com a comunidade de fãs registrada nos canais do clube. Por meio de suas redes sociais, o OM vai oferecer uma possibilidade de pré-registro para os franceses adquirirem novos meio de geração de gás e energia mais ecológicos com uma porcentagem de desconto.
Os registros também fizeram com que a Uber Eats, que também tem os naming rights da Ligue 1, se tornasse o patrocinador máster do Olympique de Marselha em 2019. E para garantir uma melhor experiência, a marca norte-americana teve de mudar a cor do “Eats” em seu logotipo para ficar de bem com a torcida. Após o anúncio do acordo, torcedores foram às redes sociais e pediram a troca da cor verde, que faz referência ao Saint-Étienne, com direito a hashtag #PasDeVertSurNotreMaillot (“sem verde em nossa camisa”, em francês). “Parceira de todos aqueles que amam o Olympique de Marseille, a Uber Eats terá seu logotipo exibido em preto na camisa do clube”, se reposicionou a parceira.
Música, artes, Olympique e Marselha unidos
Além de fotos e vídeos de treinos e partidas e entrevistas com os atletas e a comissão técnica da equipe nas redes sociais, o Olympique de Marselha passou a olhar com mais atenção para a cena artística da cidade. No fim do ano passado, o clube anunciou uma parceria com a gravadora musical BMG e criou a OM Records, um selo musical que une o rap, gênero popular entre a população, formada em grande parte por ascendentes de imigrantes africanos, a cidade e a paixão pelo clube em suas produções musicais e audiovisuais.
“O Olympique de Marseille é acima de tudo um clube de futebol, mas seu impacto vai muito além do campo, especialmente entre os jovens de Marselha. O time é uma poderosa alavanca para libertar o grande potencial artístico desta população. Marselha tem sido um berço do rap e hip-hop francês desde o coletivo IAM e as ligações entre o OM e os artistas locais são fortes há anos”, disse Eyraud à época.
Os clipes e músicas feitos por artistas locais são disponibilizados na conta do OM no YouTube, com letras e referências sempre ligadas ao clube e a cidade. Uma das mais famosas produções foi a música “Bleu et Blanc” (Azul e branco, em francês), do artista L’As, feita para anunciar a contratação do atacante brasileiro Luis Henrique, oriundo do Botafogo.
Também no YouTube, onde tem 387 mil seguidores, o clube disponibiliza entrevistas com atletas, bastidores dos jogos e minidocumentários sobre o clube, que assim como o PSG, possui 9 títulos da Ligue 1, atrás somente do Saint-Étienne, com 10 taças nacionais levantadas.
No Instagram, o clube produz entrevistas com artistas que fizeram músicas e participaram de clipes que mostram o clube e a cidade, para que os fãs conheçam melhor seus trabalhos e também compartilhem sua paixão pela equipe com os seguidores. A rede social também é usada para a produção de teasers que levam o seguidor para consumir conversas, melhores momentos e rankings relacionados ao time de futebol nos canais da equipe.
Por meio de outra parceria com a loja local Maison Transversale, o clube disponibiliza suas redes sociais para que designers marselheses façam artes e pôsteres ligados aos jogos da equipe ao longo da temporada, e que também são entrevistados pelo Olympique para explicarem e divulgarem seus trabalhos. As camisas e pôsteres são disponibilizadas no site da loja para serem adquiridos pelos marselheses.
Por mais que olhe com mais carinho para a produção artística, os jogos de futebol não foram deixados de lado na comunicação digital. Muito pelo contrário. Depois de abrir sua conta na Twitch (saiba mais sobre essa plataforma em outro artigo no site do FootHub) em julho com a transmissão de jogos da equipe masculina profissional na pré-temporada, o clube anunciou em novembro que ampliará sua parceria com o braço da Amazon transmitindo jogos das equipes de base e do time feminino do OM. Além disso, as entrevistas coletivas do técnico André Villas-Boas (também disponíveis no Spotify) e as narrações dos jogos com torcedores também são disponibilizadas ao vivo no canal do clube, que já tem quase 93 mil seguidores.
Além do campo/bola
Para garantir uma melhor experiência, a nova administração fez grandes mudanças no escritório do clube, inclusive abrindo espaço para torcedores de outros clubes e pessoas de outras áreas, o que também gerou muita reclamação dos fanáticos torcedores. Entretanto, o CEO Eyraud, também no texto publicado no LinkedIn, garantiu que o objetivo é fazer com que a marca do clube cresça mais e que tais atos possam ajudar no que mais interessa aos torcedores no fim das contas: “Nosso principal objetivo é alcançar excelentes resultados esportivos”.
“Colaboração, delegação e responsabilidade devem permitir que a organização gere mais novas ideias e inovações. Devemos continuar a correr riscos calculados, respeitando a disciplina orçamental essencial numa altura em que o regresso ao equilíbrio financeiro não é uma opção, mas sim um imperativo”, afirmou.
Texto de Vanderson Pimentel.