Treinar Futebol está entre os maiores prazeres deste que vos fala. Todo apaixonado pelo futebol provavelmente tenha a curiosidade de dar treino, acredito eu. E sabe qual a melhor parte? O treino se constitui de arte, gestão, engenharia, parâmetros, estratégia e, fundamentalmente, performance!
Treinar é desenvolver o indivíduo e o coletivo em prol de um objetivo comum. Falando assim, planejar e dar treino soa fácil, mas infelizmente não é. Todo o treino é um remédio amargo, tanto para quem lidera este processo como para quem sofre a sua intervenção. E por que isto ocorre? Em relação aos jogadores, eles batalham arduamente para que todos os seus índices de desempenho aumentem dia após dia e isto não é fácil, fundamentalmente pelo fato de que quanto mais treinado um atleta está, menos treinável ele é, como apresenta o Prof. Eliney Melo em suas palestras nas licenças da CBF.
Vendo o outro lado da moeda, o treinador também tem uma árdua tarefa em projetar o seu treino em todas as suas instâncias, desde o planejamento, o processo pedagógico envolvido no momento do treino até a revisão dos seus objetivos e resultados no pós-treino.
Mas o que faz o treino ser assim tão difícil? Na realidade, o treino se torna complexo uma vez que ele requer PRIORIDADES e o mais difícil de se ver nos dias de hoje, no âmbito do treinamento, são tais parâmetros. Por mais simples que possa parecer, a elaboração de prioridades está cada vez mais escassa e, uma vez que não as encontremos no processo, simplesmente entrega-se todo o treino à sorte ou à qualidade já pronta do jogador. Estas prioridades metodológicas direcionam a atenção dos jogadores a determinados princípios ou momentos do jogo.
Depois que o método global passou a ditar a forma de se treinar no futebol, “se treina tudo e não se treina nada”, sem ser considerados critérios ou prioridades.
No futebol podemos treinar através dos “jogos condicionados” ou dos “jogos reduzidos, de média e larga escalas”. Especificamente sobre os jogos reduzidos, média e larga escalas, esses têm como características o fracionamento do jogo, ou seja, por mais que eles não tenham as estruturas formais, acabam setorizando ou agrupando determinados jogadores para jogar futebol de forma fractal. Estes jogos são apoiados no método global, praticamente, na sua plenitude; focam em princípios do jogo e, no máximo, em sub-princípios. Além disso, há um tipo de proteção aos conteúdos do treinamento.
E por que isto? Isto se deve ao fato de que, por se embasar majoritariamente no método global, pode-se dizer que se trabalha tudo, quando, na verdade, pode não se estar treinando/focando em nada, uma vez que as dinâmicas do jogo são muito rápidas, acontecem com alta velocidade e com altos índices de repetição (dependendo da condicionante do espaço, por exemplo).
Além disso, diversos princípios de jogo são trabalhados de forma instantânea e concomitante. Um exemplo: um jogo de larga escala (9×9). Pode-se dizer que, neste contexto, estão sendo trabalhados todos os princípios de jogo (amplitude, profundidade, mobilidade, cobertura, compactação de linhas…), quando, na realidade, o método global pode te induzir a perder o controle sobre grande parte destes princípios táticos (neste caso).
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Ou seja, podemos dizer que, através dos jogos reduzidos, de média e larga escalas, trabalhamos o que for, sem necessariamente estarmos dando ênfase ao que a equipe necessita. É neste momento que tomamos uma dose do medicamento amargo: não é possível treinar tudo BEM ao mesmo tempo no futebol. Pode se treinar tudo mal, mas bem não.
Além disso, os jogos reduzidos, de média e larga escalas, são jogos que dependem muito de feedbacks, através dos quais o treinador procura direcionar a atenção do jogador para determinados aspectos do treinamento.
Ainda que estes jogos apresentem algumas limitações (discutidas acima), possuem vantagens como: diagnósticos de pontos solidificados positivamente e de aspectos a melhorar dentro da equipe (um ótimo pilar para estabelecer as prioridades que uma equipe necessita); além disso, servem para a transferência do micro para o macro através da progressão pedagógica (do mais simples ao mais complexo). Por exemplo: se o atleta tiver sido submetido anteriormente a outros exercícios, conseguiremos diagnosticar se houve transferência de conhecimentos processuais desta tarefa anterior para o jogo.
Já os jogos condicionados são dependentes dos constrangimentos da tarefa. E, antes de mais nada, devemos definir o que são constrangimentos no futebol. Basicamente, constrangimentos são regras do exercício que acabam por CONDICIONAR as ações e comportamentos dos jogadores. Por assim dizer, já temos aqui a primeira vantagem, pois agem diretamente nas ações dos jogadores através de regras ou de condicionantes que o próprio exercício impõe.
É a partir destes jogos condicionados que a nossa forma de jogar começa a emergir sem necessariamente ser dependente do feedback, pois estes agem diretamente no objetivo do exercício. O foco não se prende em princípios ou sub-princípios, mas sim, do sub-princípio ao sub-sub-princípio (se entrarmos na lógica hierárquica de conteúdos e princípios que algumas metodologias contêm).
Ao contrário dos jogos reduzidos, média e larga escala, não há o protecionismo em relação aos conteúdos, mas sim, uma exposição dos conteúdos trabalhados. Algo que os jogos reduzidos, de média e larga escalas, não incorreriam nesta propensão, pois nos jogos condicionantes não se perde o controle dos princípios táticos, tendo em vista que, como o próprio nome diz, há condicionantes que pautam o treino e não deixam sair do controle aquilo que o treinador quis designar. Por exemplo: se o treinador quiser criar um exercício condicionante sobre cobertura defensiva, é impossível que este exercício não trabalhe a cobertura dos jogadores, a não ser que ignorem por completo esta condicionante, o que não faria sentido dentro do treino.
Pode, obviamente, este exercício, além de trabalhar cobertura defensiva, treinar outros fenômenos táticos, mas aquele principal permanece intacto. Por isso, quando observamos o treino, mesmo que seja por uma filmagem e sem som podemos, através do processo, identificar as condicionantes e saber o que está sendo trabalhado naquele exercício especificamente e qual a condicionante está agindo no comportamento dos jogadores.
Exemplificaremos agora a condicionante das mini-goleiras no treinamento. Se colocarmos apenas uma mini-goleira (como na imagem abaixo), o que irá acontecer? Esta mini-goleira irá fazer com que a equipe entre em zona de conforto, defensivamente falando, devido ao fato de que, com apenas um jogador, a área está coberta e não irá criar instabilidade na própria equipe.
Se colocarmos outra mini-goleira (duas, no total) de forma equilibrada no espaço, o que isso provocará predominantemente na equipe defensiva? O que ocorrerá é que a equipe que estiver sem a posse de bola irá ter uma propensão de balançar o seu bloco defensivo de forma muito mais frequente, fazendo com que defensivamente a tendência de bascular se solidifique como um todo, para justamente cobrir os espaços que o adversário tentar atacar.
Se adicionarmos mais uma mini-goleira ainda (três, no total), pode-se pensar que a equipe treinará a basculação de forma mais complexa, mas na verdade é o contrário! Neste caso, a tendência é de bascular de forma mais suave para não permitir qualquer espaço de circulação de bola predominante pelo meio. Na verdade, as duas mini-goleiras laterais apenas servem para que a mini-goleira central não apresente a mesma condicionante da mini-goleira única, como vimos anteriormente, no primeiro exemplo.
E, se adicionarmos uma ou mais mini-balizas a estas três, iremos incorrer num fechamento de espaço predominantemente de acordo com a posição da bola, ou seja, iremos fechar o corredor da bola e mais um ou dois corredores com predominância de perigo na construção adversária.
Pelo exposto acima, é que afirmamos que a arte do treino é tão difícil e demanda tanto conhecimento. Cabe ao treinador, em seu processo de planejamento de treino, criar condições para que os jogadores tomem determinadas decisões que os direcionem ao maior sucesso possível dentro da tarefa. No método utilizado por este, o domínio e a regulação destes constrangimentos é que irão fazer emergir comportamentos dos atletas. É como “brincar de adivinhar”! É como compor música: tem-se as notas/ferramentas, mas a melodia deve ser criativa. E, a partir deste treino, refletir sobre novas tendências para a própria equipe.
Texto de Leo Monteiro.