The Lasso Way – O que Ted Lasso me fez pensar sobre o Compliance no Futebol

A série Ted Lasso, da Apple TV, foi um sucesso mundial. Venceu dois Emmy’s nas suas duas primeiras temporadas e está indicado ao prêmio novamente pela última. A receita desse sucesso é a mistura entre o mundo do futebol e a complexidade emocional dos personagens, fazendo com que mais uma vez a gente pense na vida através do jogo.

Como diria Trent Crimm, personagem de James Lance, o “esporte é uma grande metáfora”. Eu sempre gostei de pensar que o futebol é como uma alegoria da vida. Vitórias e derrotas servem para a gente entender, num espaço de 90 minutos, sobre meritocracia, paixão, dedicação, disciplina e, por que não, ética e integridade.

Compliance é uma palavra difícil com significado simples. Existem muitas pessoas que tentam conceituar a área com muitos termos abrangentes e certeiros. Eu gosto de resumir com um “vai lá e faça o que precisa ser feito, e do jeito certo!”. Ted Lasso me ajudou a pensar nisso. 

Por isso, trago aqui 4 reflexões que eu tive sobre Compliance no futebol assistindo o Ted sair do Kansas para o Reino Unido e assumindo o AFC Richmond sem saber sequer as regras do futebol “Soccer”!

  1. Não deixe um Ás estragar o resto do baralho

Logo nos primeiros jogos à frente do AFC Richmond, o técnico percebe que a equipe, à beira do rebaixamento, sobrevivia das poucas e boas atuações do artilheiro Jamie Tartt. Acontece que o craque do time, dentro e fora do campo, tinha comportamento péssimo.

Assediador, egocêntrico, manipulador, dividia o grupo entre os que queriam ser iguais a ele, e por isso repetiam as suas condutas negativas, e os que eram vítimas do seu comportamento. Seu sucesso individual era o objetivo, e o sucesso do time pouco importava.

Quando Ted o remove dos titulares, o time melhora. Os jogadores se sentem mais à vontade para se expressar, novas táticas são mais aceitas e reforçam a importância do papel de todos para o alcance dos objetivos. De certa forma, nesse momento, o que o treinador Lasso faz é delimitar as condutas aceitas no grupo. Ali, através do exemplo e da ação, ele começa a escrever da forma mais simples e eficaz possível, o Código de Conduta do AFC Richmond. 

Na prática, é em comum vermos empresas se renderem à profissionais com comportamentos reprováveis por conta dos seus talentos técnicos, sem ponderar que o custo por essa tolerância é muitas vezes alto demais.

Programas de Compliance costumam ser iniciados justamente por essa decisão: até onde eu gostaria de ser tolerante?

Saber o apetite ao risco da entidade é importante pra saber quando agir e quando recuar. Quando corrigir e quando tolerar.

Em termos práticos, um Compliance Officer deve ajudar o clube/empresa a determinar aquilo que pode ou não ser aceito dentro e fora das 4 linhas. Assédio, corrupção, fraude, manipulação de resultados, violência, cera. O que daqui eu posso aceitar e o que eu não posso?

O segundo passo é saber como avaliar os casos de desvio de conduta. Como investigar, analisar e determinar o que fazer em cada circunstância. Como tomar a decisão correta para defender o clube? Tirar o melhor jogador do time é bom ou ruim pro clube?

Uma estrutura de Compliance coloca a disposição do clube uma forma diferente de tomar essas decisões, com mais governança e garantindo mais coerência e justiça nas decisões, fazendo com que todos saibam aquilo que se espera deles, mas, principalmente, desincentivando comportamentos prejudiciais ao ambiente ético e harmônico do time.

  1. Seja curioso, não julgador

Em determinado momento, Ted nos conta a história de como ele, ao ser constantemente menosprezado por seus colegas e amigos na infância, e vivenciando esse contexto no atual trabalho onde ainda não é respeitado pelo time, mídia, colegas, nos conta sobre um dia ter lido a frase em um muro: “seja curioso, não julgador”.

Não é a implantação da área de Compliance que vai fazer o clube ser mais ético da noite para o dia. Da mesma forma, a entidade pode ser compliance sem nunca ter tido um profissional da área lá.

Posto isso, a função de compliance em qualquer entidade é de apoiar o clube a atingir seus objetivos da forma mais ética possível. E só se consegue isso quando se conhece a estrutura, se entende os dilemas éticos vividos ali e se sabe onde quer chegar.

É comum, infelizmente, alguns programas de integridade chegarem em um local com vários controles, burocracias e sistemas que a maioria das pessoas nunca viu e de uma vez só, precisam passar a segui-los religiosamente. O índice de efetividade real, ou seja, a mudança real na cultura e na forma com que as pessoas compreendem o padrão de conduta aceitável na empresa, tende a ser muito baixo.

Mas o que temos quando conseguimos adentrar à cultura, entrelaçar conceitos éticos aos valores, aos objetivos e às metas da empresa, é um ambiente seguro, fértil e aberto à inovação, a busca por soluções arrojadas e, quase sempre, de sucesso.

Mas o que impede que isso aconteça muitas vezes é a falta de diálogo entre o agente de Compliance com o administrador do negócio. Ser julgado nunca é bom, independente do seu lugar na organização.  Gera desconforto, instabilidade e medo.

É um dos grandes objetivos da área de Compliance em qualquer instituição prover conforto, segurança e inteligência para tomada de decisão. É função do profissional dessa área reduzir a cegueira deliberada da organização, fornecendo dados, riscos, probabilidades associadas a decisão que se toma ali. Para que no momento certo, o dirigente possa decidir com o máximo de informações possível, conhecendo tudo que pode existir de variações e impactos a partir dela.

Portanto, aos dirigentes, o profissional de compliance que está com você, precisa estar sempre ao seu lado para escutar, não julgar. 

Profissionais de compliance, sejam curiosos. Perguntem, perguntem e perguntem. E quando estiverem com os pareceres prontos, perguntem mais uma vez. E no lugar do julgamento, ajudem os clubes a construírem o caminho mais ético possível até os títulos.

  1. Não julgar as pessoas pelas ações dos seus momentos de maior fraqueza. Mas pela força que demonstra quando receber uma segunda chance

É preciso reconhecer que o trabalho da área de Compliance, em especial quando se trata de investigações de desvios de conduta, sempre tem impactos negativos. Sempre.

Quando se descobre uma fraude, se observa um comportamento de assédio, um furto, manipulação, seja o que for. Quando se inicia o processo de resolução, é preciso saber que haverá perdas. É inevitável.

Por isso, existe um preparo técnico e emocional necessário para quem faz esse trabalho. A empresa, ou clube, vai precisar agir, é importante que seja firme na consequência aplicada a quem estiver em desconformidade. Mas, acima de tudo, é importante preservar a dignidade das pessoas.

São seres humanos em todos os papéis, incluindo o denunciado. E a conduta da pessoa não é, na maioria das vezes, o resumo completo de quem ela é. Pode sim pessoas que em 99% dos dias são íntegras e éticas cometer assédio moral, fraude.

Não deveria ser papel do clube determinar o que a pessoa é, mas sim, o que deve ser feito para afastar o risco de permanecerem os prejuízos causados. Isso, muitas vezes, se dá pela chance de o denunciado se desenvolver, aprender e não repetir. Se dá pela chance de enxergar formas corretas de se obter o mesmo resultado. Se dá também, pelo suporte da alta administração que, mesmo que siga fortalecendo e exigindo os melhores esforços, acolhe aqueles que tem resultados negativos ao invés de os expor e amedrontar.

Diante de toda a complexidade que exige esse processo, é temerário que em diversas instituições esportivas essa função se concentre em pessoas sem preparo técnico e emocional compatível. Pessoas que jamais tiveram contato com investigações, auditorias, análises forenses, não podem estar à frente dessa ferramenta. 

Como dito, não existem remediações sem impactos negativos. É preciso saber administrar esse impacto para que ele não seja ainda maior do que a própria conduta negativa analisada e pra isso é preciso experiência, preparo, precisa saber em o que se está fazendo. O ímpeto de fazer a justiça acontecer é um dos maiores vilões do investigador. Ao olhar para a conduta de alguém, é preciso olhar tão somente isso. Uma conduta, um ato tomado em um dia qualquer que precisa de reparo. Eventualmente, para o reparo, será necessário o afastamento do denunciado, mas jamais devemos julgar a pessoa por um fato isolado cometido, algumas vezes, no seu dia ou momento mais vulnerável. Mas sempre buscar a oportunidade de observar a força dela em quando e se ela tiver uma segunda chance.

  1. Believe

Um fato sobre Programas de Compliance no geral é que eles nunca são efetivos se as pessoas não forem confiáveis. Nunca! 

Você pode dizer, “ah mas meus controles são muito bons”, ainda assim, quem tentar o suficiente, com certeza terá sucesso ao fraudar seus ótimos controles. E muitas vezes não será necessário muito esforço não.

Construir um sistema de riscos de compliance não se trata de criar mecanismos que impeçam fraudes ou desvios de acontecerem, mas acima de tudo, criar uma cultura e um ambiente de processos e comportamentos que constranjam o fraudador, e que, para onde quer que se olhe e com quem quer que se converse, se perceba que neste lugar se faz o certo com ética e integridade.

Este é um trabalho de todos, com destaque para as diretorias e conselhos, mas é função de todos transmitir essa mensagem. Por isso, não é possível fazer Compliance sem acreditar no potencial das pessoas de serem elas os condutores desses valores. 

No futebol e no Compliance, pude perceber que muitos jogadores demonstram péssimo desempenho quando são mal treinados ou quando recebem poucas instruções. Muitos são indisciplinados e rebeldes imitando quem passou por ali antes e perpetuando uma imagem negativa baseada no “é assim que sempre se fez” e “aqui se joga assim”.

E então me vem a cabeça mais uma última frase de efeito de Ted Lasso: “o papel do treinador é transformar homens nas melhores versões de si mesmos.”

Quem me dera pudesse ver os clubes, atletas e entidades dispostos a investir na transformação dos seus atletas, dirigentes e nos seus negócios para atinjam suas melhores versões.

Texto de José Modena

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