Usar o termo “pirâmide” para ilustrar o processo de detecção e formação de talentos no futebol é um clichê, mas é útil. O que precisa ser ajustado mesmo é proporcionalidade ao fazer essa pirâmide. Para ter um atleta em alto nível trabalharemos outros 500 atletas. Em um clube de série A, para cada um dos 500 que foram trabalhados mil são observados. Em uma conta simples temos 500 mil praticantes para um atleta de alto nível.
E a pergunta que fica é: essa fonte pode secar?
Nesse aparente desespero por captar mais atletas, os clubes extrapolam os limites de seus estados, regiões e até do país em busca de um novo talento. Aumentar o volume de atletas observados aumenta a chance de encontrar bons potenciais. Qual o custo disso para a rede do futebol?
Sustentabilidade do futebol
Nessa linha de raciocínio cito sempre a responsabilidade que os grandes clubes precisam ter com a SUSTENTABILIDADE do seu meio ambiente. O quão responsável um gigante do futebol brasileiro deve ser com a sua rede de fornecedores de atletas? A cada dia que passa vemos os clubes buscando atletas mais cedo nas escolas de futebol da região. São meninos de sete, oito ou nove anos de idade que saem de suas equipes de origem, viajam horas por dia ou até se mudam para grandes centros em busca do sonho de ser atleta. Neste artigo não vou entrar no mérito do impacto na formação do indivíduo, mas na situação gerada nas escolas de futebol.
O EXTRATIVISMO na captação de atletas tem efeitos positivos a curto prazo, negativos a médio prazo e nefastos no longo prazo.
Uma escola com alunos aprovados em grandes clubes tem “vantagem” de atrair novos clientes no curto prazo. No médio prazo, o enfraquecimento de suas turmas pela cedência dos seus melhores alunos aos clubes acaba fragilizando suas equipes e desmotivando aqueles meninos que não conseguem a mesma oportunidade. O pior está no longo prazo: meninos abandonam o futebol por perceberem que talvez não tenham o mesmo sucesso de seus colegas, ou talvez não consigam jogar no clube do coração.
O negócio perde alunos de todos os tipos e na próxima visita do grande clube a captação não acontece. Com essas situações quem se fragiliza é a escola de futebol. Com urgência os grandes clubes precisam trabalhar também na qualificação da rede de fornecedores. Ajudar a aumentar o número de praticantes, apoiar as competições sem estar competindo contra e possibilitar que os talentos detectados participem das atividades até quando for possível. Essas estratégias ajudam a qualificar a rede de escolas parceiras.
Esses são alguns caminhos para “aumentar a base da pirâmide”, sem esperar por inciativas de federações ou confederações. É nas fundações da pirâmide que se localizam os pontos de ação com maior capacidade de impactar o futuro exponencialmente. Criar uma rede de escolas conveniadas, clubes parceiros, centros avançados de captação e demais alternativas são a certeza de aumento exponencial de atletas com vinculação cultural ao Clube, aumentando a chance de sucesso na adaptação.
Os últimos atletas promovidos da Base de seu clube, têm identidade com a camiseta que defendem? Ou é mais um jogador jovem na equipe? Há quanto tempo o seu próximo talento está no seu clube? Uma, duas ou dez temporadas? Isso pode dizer muito sobre o trabalho de base do clube. É sobre sustentabilidade na captação, mas é também consistência e robustez nos processos de formação, pautas para nossa próxima reflexão.
Texto de Felipe Kssesinski.