A utilização de dados e o reconhecimento facial envolvendo menores de idade causa discussões e contradiz uma questão já prevista em Estatuto.
O reconhecimento facial é uma tecnologia que permite a identificação de uma pessoa através da sua imagem. Ele analisa características únicas de cada pessoa, como o formato do rosto, do nariz, distância entre os olhos, cada detalhe é mapeado e resulta em uma biometria facial individual.
Essa tecnologia foi implementada em todos os estádios com capacidade maior que 20 mil pessoas, com objetivo de melhorar a experiência do público, facilitar o acesso, garantir segurança e prevenir o câmbio e uso de ingressos falsificados.
Essa decisão está levantando alguns questionamentos, pois ela vai contra os regulamentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente sobre uso de imagem
Reconhecimento facial nos estádios
A obrigatoriedade da instalação do reconhecimento facial está prevista no artigo 148 da Lei Geral do Esporte. Até o dia 14 de junho deste ano, os estádios com capacidade para mais de 20 mil torcedores tiveram que aderir ao sistema de identificação.
Art. 148. O controle e a fiscalização do acesso do público a arena esportiva com capacidade para mais de 20.000 (vinte mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas e com identificação biométrica dos espectadores, assim como deverá haver central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente e o cadastramento biométrico dos espectadores.
O reconhecimento facial do público permite um controle maior, fiscaliza quem está entrando no estádio, traz mais segurança nas arquibancadas e permite o reconhecimento de indivíduos em caso de confusões e agressões.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Segundo a Lei Geral do Esporte, o cadastramento é obrigatório a partir dos 16 anos, o que indica que menores de idade precisam cadastrar sua imagem em um sistema para ingressar aos jogos. Isso fere uma das diretrizes do ECA, com relação à exposição de menores e o fornecimento de imagens, sem saber qual o controle e qual o nível de segurança dos dados armazenados.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei brasileira (Lei nº 8.069/90) que estabelece os direitos e deveres para esses indivíduos, garante uma vida digna e respeitosa, define a atuação do poder público na proteção desses direitos e assegura o direito das crianças e adolescentes de serem ouvidos e participarem das decisões que afetam sua vida e seu bem estar.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Essa preservação descrita no artigo protege a integridade e a dignidade da criança e do adolescente e o ambiente que estão inseridos.
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
Outra lei que traz questionamentos sobre o reconhecimento facial nos estádios é a LGPD. A Lei nº 13.709, promulgada em 2018, comanda o uso, a privacidade e o tratamento de dados pessoais, seja no formato digital ou físico. A Seção III apresenta como deve ser gerenciado o uso dos dados de crianças e adolescentes.
Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.
§ 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
§ 2º No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18 desta Lei.
§ 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de que trata o § 1º deste artigo.
§ 4º Os controladores não deverão condicionar a participação dos titulares de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das estritamente necessárias à atividade.
Direito Desportivo na prática
Diante dessa situação envolvendo o reconhecimento facial nos estádios brasileiros, o advogado desportivo deve interpretar, analisar e desenvolver um equilíbrio entre todas essas leis, de forma a proteger os dados pessoais das crianças e adolescentes e, ainda assim, garantir a participação deles nas arquibancadas dos estádios, com segurança e dignidade.
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Texto de Maria Heloisa Pinzetta