Veja como o Direito Desportivo entra em ação contra práticas racistas no futebol.

Foto: Reprodução Instagram / @vinijr
Luighi, 18 anos, jogava a Libertadores sub-20 este ano, foi alvo de um ato racista vindo de um torcedor do Cerro Porteño. Desde 2022, Vinícius Júnior sofre constantemente ataques racistas nos estádios espanhois, com gritos e ações preconceituosas. Em 2019, Taison jogava pelo Shakhtar Donetsk, e torcedores do rival da partida, o Dínamo de Kiev, cantaram frases racistas e provocações, os responsáveis não foram punidos.
Esses são alguns dos diversos casos de racismo ocorridos durante os anos. Segundo o último levantamento realizado pelo Observatório da Discriminação Racial, juntamente com a CBF e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2023 foram registrados 136 casos aqui no Brasil, 40% a mais do que em 2022. Fora do Brasil, houve 26 casos de discriminação racial, sendo que 12 desses registros aconteceram com Vinícius Júnior.
O preconceito racial é tratado de forma diferente nos países. No Brasil, essa atitude é crime, já em outros países, isso pode ser interpretado como uma infração de pequeno grau. Veja a seguir alguns regulamentos envolvendo o combate ao racismo no futebol e como essa situação é mencionada por entidades nacionais e internacionais.
Lei Geral do Esporte
Em 2023, entrou em vigor a Lei Geral do Esporte, um documento que regulamenta a prática desportiva no Brasil. No capítulo II, Seção I, artigo 11, inciso XVII discursa sobre esse problema no futebol e a necessidade de reduzir ou eliminar o racismo e outros problemas:
XVII – adotar as medidas necessárias para erradicar ou reduzir as manifestações antiesportivas, como a violência, a corrupção, o racismo, a xenofobia, a homofobia, o sexismo e qualquer outra forma de discriminação, o uso de substâncias ilegais e os métodos tipificáveis como dopagem
Lei Vinícius Jr.
Em meio aos casos de racismo que o jogador Vinícius Júnior sofreu na temporada, alguns estados e municípios aderiram às suas próprias Leis Vinícius Jr, com políticas e protocolos contra o racismo nos estádios, por ele ser um símbolo de luta e resistência contra esses atos.
As leis promulgadas nos estados são semelhantes entre si. No geral, elas promovem medidas de conscientização e decisões rígidas na condução das ocorrências.
CBF x CONMEBOL
As confederações são instituições que também se posicionam na luta contra o racismo nas competições.
Em 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi a primeira a adotar no seu regulamento a possibilidade de penalizar esportivamente um clube por atos racistas. O artigo 134 do Regulamento Geral de Competições (RGC) da CBF determina as penalidades administrativas que podem ser aplicadas aos clubes e profissionais que praticarem atos racistas.
Art. 134 – A inobservância ou descumprimento deste RGC, assim como dos RECs, sem prejuízo de outras penalidades estabelecidas no presente Regulamento, sujeitará o infrator às seguintes penalidades administrativas que poderão ser aplicadas pela CBF, de forma cumulativa ou não, não necessariamente nesta ordem:
I – advertência;
II – multa pecuniária administrativa, no valor de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser revertida em prol de causas sociais, inclusive através da dedução de cotas a receber;
III – vedação de registro ou de transferência de atletas; e. IV – Perda de pontos, em relação a clubes por infração ao disposto no §1º e observado o §4º.
§ 1° – Considera-se de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório praticada por dirigentes, representantes e profissionais dos Clubes, atletas, técnicos, membros de Comissão Técnica, torcedores e equipes de arbitragem em competições coordenadas pela CBF, especialmente injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia, procedência nacional ou social, sexo, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, fortuna, nascimento ou qualquer outra forma de discriminação que afronte a dignidade humana.
Já a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), apresenta medidas contra a discriminação racial no seu Código Disciplinar, artigo 15, visando garantir a dignidade, o respeito e a igualdade em competições como a Libertadores e Sul-Americana.
Artigo 15. Discriminação
1. Qualquer jogador ou oficial que insultar o atentar contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, tendo como motivos a cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será suspenso por pelo menos dez (10) partidas ou por um período mínimo de quatro (4) meses. Em caso de reincidência, podem ser penalizados com a proibição de exercício atividades relacionadas ao futebol por cinco (5) anos, ou qualquer outra sanção adicionais estabelecidos no artigo 6º deste Código.
2. Qualquer Associação Membro ou clube cujos torcedores insultarem ou atentarem contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, tendo como motivo a cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será sancionado com uma multa de pelo menos CEM MIL DÓLARES AMERICANOS (USD. 100.000). Em caso de reincidência, o infrator poderá ser punido com multa de DÓLARES AMERICANOS QUATROCENTOS MIL (USD 400.000).
3. Se as circunstâncias particulares de um caso assim o exigirem, o Órgão Judicial competente poderá impor ordens e/ou sanções adicionais à Associação Membro 18 Código Disciplinar – Edição 2023 ou ao clube, bem como ao jogador ou ao oficial responsável, tais como: sanção de jogar um ou vários jogos à baliza fechado, fechamento parcial do estádio, proibição de entrada de torcedores e exposição mensagens contra a discriminação.
4. A Comissão Disciplinar poderá aplicar sanção inferior à prevista na seção 2 deste artigo, levando em consideração todos os fatores relevantes do caso, incluindo a assistência, o grau de colaboração do infrator ao revelar ou esclarecer a violação de uma norma da CONMEBOL, a identificação dos torcedores, as circunstâncias do caso e o grau de culpa do infrator, tal como qualquer outra informação relevante.
Em relação aos países sede, tanto da CBF quanto da Conmebol, há diferença no tratamento quando o assunto é racismo. Como já mencionado neste texto, a discriminação racial é crime no Brasil, podendo levar a pena de 2 a 5 anos de reclusão. Já no Paraguai, racismo não é crime, e sim, uma infração administrativa, com multas que podem variar de 50 a 100 salários mínimos diários.
Novo código disciplinar da Fifa
Em maio deste ano, a Federação Internacional de Futebol publicou um novo Código Disciplinar, o qual aumenta as penalidades em casos de racismo. O artigo 15 envolve as questões relacionadas a discriminação. Entre as medidas, estão:
- Clubes e associações podem ser penalizados com restrição de público e multas, com mínimo de 20 mil francos suíços (137 mil reais) e, para algumas exceções, máxima de 5 milhões de francos suíços (34 milhões de reais).
- Implementação de um plano de prevenção
- Jogos sem público
- Perda de pontos
- Expulsão de um torneio
- Rebaixamento
Direito Desportivo contra o racismo
O Direito Desportivo tem um papel significante no combate ao racismo no esporte, pois o profissional pode atuar tanto na prevenção quanto nas punições que podem ser aplicadas em quem praticou.
Texto de Maria Heloisa Pinzetta