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Uma discussão jurídica acerca do conto de fadas das apostas esportivas

Foto: REUTERS/Tony O’Brien

Desde que se entende por gente, o ser humano tem contato com a tratativa de aposta. Em uma brincadeira de criança se ouve “aposto que chego antes que você do outro lado da rua!”. Em seguida, no evento da razão, para defender seu ponto, profere-se o famigerado “aposta quanto?”.

E apesar de uma enxurrada de obras do audiovisual ambientando o tema em cassinos, é provável que muitas gerações de adolescentes têm, com mais fácil acesso na memória, o episódio da série Todo Mundo Odeia o Chris, em que Rochelle, mãe do protagonista, descobre que sua família está apostando em jogos da NBA, e, inicialmente, apesar de ter aversão à prática, resta refém de aceitar a situação para que não perdessem dinheiro.

É aí que a chave vira: se nos primórdios da vida, a motivação para chegar do outro lado da rua primeiro é não ser “a mulher do padre”, o conto de fadas do envelhecer é protagonizado pelo dinheiro. Ele que faz a roda da economia girar, ele que é o retorno do que se é trabalhado, ele que é necessário para sobrevivência. Ele que é a motivação de muitos, é também o calcanhar de Aquiles de outros.

O esquema de apostas já teve várias roupagens. Até pouco tempo atrás viveu seu superávit nacional no jogo do bicho – responsável, este, pelas primeiras discussões legislativas acerca da matéria no cenário tupiniquim. Coincidentemente, ou não, o mesmo teve grandes personalidades fortemente relacionadas à paixão canarinha: o futebol. A partir disso, nos últimos tempos, o clímax do apostar se ambienta dentro de quatro linhas. 

Entre tips, odds e handicaps, não demorou muito para que situações suspeitas passassem a escandalizar campeonatos mundo afora. Nacionalmente, observaram-se posturas questionáveis em campo, desde faltas apontadas como forçadas, até tiros de meta que se transformaram em escanteios do absoluto nada.

Muitos foram apenas motivos de desconfiança, alguns viraram objeto de investigação e outros acabaram por ter consequências processuais. No principiar, o cenário era de séries mais longínquas da elite futebolística, mas sem tardar muito, houve o dia em que se bateu à porta de nomes conhecidos do desporto, levando o corpo social se questionar que rumo estaria tomando o futebol.

O caso Lucas Paquetá

Ao tratar do tema, é impossível não pensar em Lucas Paquetá, meio-campista brasileiro que, atualmente, defende o time inglês West Ham. Nos últimos tempos, o jogador enfrentou um polêmico processo em que, a depender do resultado, poderia bani-lo do futebol profissional de forma vitalícia. A Associação de Futebol da Inglaterra (FA) acusou o mesmo de receber cartões amarelos deliberadamente em quatro confrontos da Premier League, datados entre novembro de 2022 e agosto de 2023. O apontamento era de tentativa de influência no curso das partidas por suposto propósito de afetar o mercado de apostas, visando o lucro de alguém através da prática.

Os jogos supracitados registraram mais de 60 apostas para que o meio-campista recebesse cartão amarelo e, segundo o jornal The Guardian, os lances estariam concentrados na Ilha de Paquetá, onde o ex-Flamengo nasceu e tem família. Ainda de acordo com o veículo de mídia, algumas investigações encontraram conexões com contas de familiares, incluindo um tio seu que passou a ser investigado após pleito para tal durante a CPI que tratava desse assunto este ano no senado federal.

Após audiência, a Comissão Reguladora considerou que as acusações feitas pela Associação de Futebol britânica não foram comprovadas, restando, assim, Paquetá absolvido e disponível para atuar, sem possibilidade de recurso no caso. No entanto, foi tido como culpado no tocante a violações da Regra F3, a qual impõe aos atletas o dever de colaborar com investigações, fornecendo informações solicitadas de maneira tempestiva. O disposto é que se registrou má conduta por parte de Lucas nesse aspecto. 

Diante de episódios como esse, indaga-se qual é a situação jurídica brasileira ante as ditas “bets”. Na raiz da questão, encontra-se a proibição de jogos de azar, de modo estabelecido ou exploratório, ao datar de 1941. Entende-se por contravenção penal e resta prevista no art. 50 do decreto-lei 3.688/41, com punição admitida de prisão simples de 3 meses a 1 ano, a caber do acordo firmado no momento do julgamento.

Depois disso, somente em 2018, cerca de 80 anos após, surgiram movimentações consideráveis sobre a temática, através da lei 13.756/18, vista como o pontapé inicial da regulamentação de fato, ao dispor acerca da chamada quota fixa, modalidade qual, permite que o apostador saiba a possibilidade de retorno financeiro antes de efetivar a aposta. 

Porém, demorou 5 anos para que se aprofundassem as diretrizes no tocante à exploração da aposta de quota fixa, por meio da lei 14.790/23. Esta, por sua vez, trouxe regulamentações específicas, em que se destaca: a inclusão dos jogos on-line na mesma categoria supracitada, haja visto que o cenário de apostas – não só esportivas, vista a euforia insana que envolve o famigerado “fortune tiger”, popularmente aqui conhecido como “jogo do tigrinho” – tem crescido e se alastrado de maneira considerável no meio virtual, bem como disposições no que diz respeito a publicidade de apostas esportivas. 

Nesta senda, a lei 14.790/23 também foi a responsável pela liberação das primeiras casas de apostas a operarem de maneira legal no país. Isso se deu por meio do acato aos termos dispostos, como o fato da exploração de apostas de quota fixa passar a ser exclusivamente possibilitadas a pessoas jurídicas constituídas, além da necessidade legal de se deter sede e operação em território nacional, haja visto que em 2018, quando se principiou a discussão, descobriu-se o gritante dado da existência de pelo menos 500 sites estrangeiros aceitando apostas dedicadamente brasileiras.

Ainda, resta obrigatório que as chamadas “bets” adotem políticas corporativas que visem a diligência no que diz respeito ao financiamento do terrorismo, bem como a necessidade do agir com prevenção à lavagem de dinheiro, implementando análises que possam vir a identificar atividades ilícitas.

Em abril de 2024, o Senado Federal instalou uma comissão parlamentar de inquérito – requerida e apresentada pelo senador Romario, ex-jogador de futebol – a fim de apurar fatos relacionados às denúncias e suspeitas de manipulação de resultados futebolísticos. A CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas propôs alguns projetos de lei visando atualização da legislação.

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Entre eles, destacam-se o aumento das penas dos crimes de fraude em resultado de evento esportivo, para quatro a dez anos de prisão e multa; a disposição acerca de punição “para o atleta que fornecer informação relevante não divulgada ao público que seja usada para obter vantagem nesse mercado”; além da instituição de crime quanto a divulgação de ganhos ilusórios em apostas. Cabe evidência também a obrigatoriedade de os agentes operadores vincularem às suas plataformas avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios.

Reitera-se, ante este episódio, a recomendação da efetivação daquilo que rege a propaganda e publicidade, com o intuito principal de garantia de requisitos mínimos a fim de proteger, sobretudo, o público menor de 18 anos. Ademais, sugeriu-se à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), critérios mais inteligíveis diante das decisões dos árbitros de vídeo e aprimoramentos na tecnologia do VAR, a fim de que o recurso tenha mais confiabilidade. 

Por fim, o relatório da CPI foi aprovado em março desse ano, e a documentação produzida foi compartilhada com a Polícia Federal e com o Ministério Público da União, os quais representam o agente responsável por tomar as medidas judiciais cabíveis no Estado. Uma das consequências diretas, que acabou figurando o trabalho realizado pela CPI, foi a extradição e prisão de William Pereira Rogatto, conhecido como o “Rei do Rebaixamento”, após confessar à comissão em questão, a manipulação de resultados.

Já em novembro de 2024, o assunto voltou ao Senado Federal a fim de investigar “a crescente influência dos jogos virtuais de apostas on-line no orçamento das famílias brasileiras”, bem como indagar a relação do funcionamento disso com organizações criminosas. A CPI das Bets levou a Praça dos Três Poderes, influenciadores digitais para que, inicialmente fossem ouvidos acerca de seus contratos de publicidade com casas de apostas, posteriormente, diante dos relatos, passando alguns destes a serem indiciados.

O relatório acusou 16 pessoas de cometerem crimes e apresentou 20 projetos de lei que objetivavam conter os ditos malefícios causados pelas apostas virtuais. Também havia projetos que visavam proibir jogos da mesma senda que os chamados caça-níqueis (nesse caso, abrangendo o “jogo do tigrinho”, sem afetar apostas esportivas no momento) e a coibição de indivíduos de baixa renda de apostar na internet.

Após dias de tramitação, esta CPI acabou tendo o relatório final rejeitado por seus integrantes, restando encerradas as atividades do colegiado sem medidas a serem adotadas. Foi a primeira vez, nos últimos dez anos, que o Senado desenvolveu uma CPI que teve seu relatório rejeitado.

É indiscutível que o mercado das apostas, hodiernamente, tem suscitado debates consideráveis no cenário nacional, todavia, é nítido que o evento demorou para acontecer. Apesar de importantes mudanças em relação às apostas de quota fixa terem principiado, restam muitas modalidades habitando uma zona cinzenta do mundo jurídico.

Além de que, os jogos de azar ainda estão, de certo modo, submetidos totalmente às sanções estabelecidas em 1941, ilustrando uma diferença exorbitante na evolução dos personagens dessa trama: enquanto o meio digital possibilitou a crescente rápida e espantosa das apostas, a regulamentação e o combate ao que é ilegal nesse meio não têm se mostrado tão eficazes e céleres. 

O que é certo quanto a isso é que, por mais polêmico e complexo que seja o tema, é inegável que a legislação ainda parece viver o papel da Rochelle no famigerado episódio de Todo Mundo Odeia o Chris, pois apesar de reconhecer o caos que tem se instaurado, inicialmente não toma atitudes notáveis para transformar aquilo. Dessarte, se, no que tange atualizar a matéria, continuarmos caminhando de maneira tão lenta, o que nos restará, com certeza, é ser “a mulher do padre”.

Texto de Júlia Spinelli

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