A realidade do futebol brasileiro é de clubes que costumam contar moedas para fazer qualquer investimento.
Reprodução Lei em Campo
Segundo a EY, nos últimos 10 anos, apesar de os clubes terem registrado receitas 156% maiores, o endividamento praticamente dobrou no mesmo período. Clubes da série A e B acumulavam endividamento de pelo menos 11 bilhões de reais em 2022.
Clubes como Atlético Mineiro e Botafogo tem uma dívida de mais de 2,5x o valor da receita!
A pergunta é, como nesse cenário de dificuldade que vivem a maioria dos clubes, pode-se sugerir a criação de um departamento de compliance que, além de não gerar receitas, tem fama de ser entrave na geração de negócios?
A primeira carta na mesa é a do controle operacional. Nos últimos anos vemos que os clubes com maior estrutura de governança têm se destacado cada vez mais dos demais. Casos do Flamengo e Palmeiras são mais claros. O faturamento do Flamengo sempre esteve à frente, mas foi somente quando se estruturou melhor a governança que as receitas se multiplicaram e o resultado esportivo veio.
O mesmo se vê com o Atlético-PR, que com uma receita cerca de ⅓ do Flamengo, chegou ao vice campeonato da Libertadores.
Esses exemplos mostram como uma boa governança atrai resultados esportivos positivos, receitas e crescimento. Portanto, nesse aspecto investir em Compliance, Auditoria, Controles Internos, Gestão de riscos não só traz maior segurança corporativa ao clube como também mais resultado financeiro e desportivo.
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Outro fator é o nível de exposição de marca, e consequentemente o valor que se tira disto.
Apesar de o faturamento com marketing ter se elevado em 40% nos últimos 5 anos, uma das expectativas dos clubes que investem em programas de integridade é trazer de volta os grandes nomes do mercado para as estampas das camisas e estádios.
Segundo relatório da SportsValue de 2022, o futebol no Brasil recebe cerca de 1,5% do investimento em publicidade. Na Inglaterra esse percentual é de quase 5x mais. Na Espanha ele chega a 16%.
Reprodução Real Madrid
Isso nos mostra que as grandes marcas que investem em publicidade não enxergam o futebol como uma exposição atrativa. Isto se relaciona diretamente com a imagem institucional destes clubes. São diversos escândalos de corrupção, esquemas de manipulação, fraudes, endividamento descontrolado, crises reputacionais graves.
De forma geral, é seguro afirmar que o negócio futebol não é reconhecido pela integridade e ética e é extremamente arriscado associar uma marca à um clube.
Um dos objetivos de programas de compliance é elevar a consciência e a cultura de integridade da instituição. Através de engajamento, conscientização, penalização e treinamento, busca alcançar um nível de confiança superior de quem olha a entidade do lado de fora.
Este talvez seja o grande indicador de sucesso dos programas de compliance no futuro. A correlação direta entre a maturidade de compliance, e a evolução do potencial de atração de recursos.
De forma geral, existem dois grandes objetivos que tomam conta das reuniões de brainstorming atualmente. O que fazer para ganhar mais, e o que fazer para perder menos?
Ou seja, quais são as formas de rentabilizar meu produto para alcançar receitas maiores? E, como fazer para baixar o custo ou ser mais eficiente no meu lucro?
Nesse contexto, além da redução de custos, enxugamento das estruturas, está um fator muito importante que são as despesas excepcionais causadas por descumprimento de regulamentos, legislações, etc.
Vimos recentemente o Manchester City concordar com o pagamento de multa de 10 milhões de Euros por descumprimento do Fair Play financeiro. No Brasil, em menor escala, temos multas e indenizações para casos de discriminação chegando a 1 milhão de reais.
Está tramitando no Senado a MP 1.182/2023 que prevê o pagamento de multa de até 2 bilhões para os responsáveis pela manipulação de resultados esportivos.
Soma-se isso as questões trabalhistas, as fraudes contratuais, contratações fraudulentas, superfaturadas, conflitos de interesses, e chegamos em um montante incalculável de preocupações que devem ser foco de qualquer entidade esportiva.
E é dessa forma que investir em programas de integridade reforçam os processos que fazem uma empresa perder menos e potencializar a capacidade de investimento dos seus recursos.
Por último, temos a Lei do Esporte, instituída em junho de 2023, que trouxe muitos pontos sobre o que falamos nos apontamentos acima. A lei está em vigor e já é de cumprimento obrigatório de todos os clubes, federações e associações esportivas.
A Lei traz a previsão de crime de corrupção privada, incluindo possibilidade de pena de 2-4 anos de prisão para quem cometer crime de corrupção utilizando os recursos de entidade esportiva. Até a instituição do texto, só poderia ser punido por corrupção quem cometesse o ilícito contra a administração pública, o governo. A partir de junho de 2023, atos de corrupção ocorridos entre empresas esportivas privadas também responsabilizam seus gestores e operadores.
Além disso, vemos aspectos relacionados ao combate ao racismo, à defesa da mulher e manipulação de resultados.
Um dos atributos mais importantes de um programa de compliance, na minha opinião, é a capacidade de encontrar caminhos éticos de fazer a entidade alcançar seus objetivos, mesmo que à primeira vista somente se enxergue maneiras não éticas.
Precisa fazer a administração enxergar viabilidade de processos íntegros de atingir o mesmo resultado, por um preço possível de ser pago.
E no limite, é preciso entender os riscos das decisões que são tomadas. Esses riscos foram aprofundados com a Lei Geral do Esporte e é preciso ter entendimento da complexidade de riscos que os velhos hábitos vão trazer para a nova realidade.
Assim como toda a legislação, ela passa por alguns ciclos de início. Estamos no momento de entender os desafios e iniciar os ajustes necessários para adequação. Chegará a hora da arrecadação e nessa hora quem não estiver adequado será cobrado, e fortemente.
Uma estrutura que se responsabilize por gerenciar esses riscos, encabeça a mudança de cultura e de rotinas necessárias e atue na cultura da entidade de forma a evitar o risco de penalização pela má conduta de administradores, jogadores, torcedores e gestores parece ser o caminho que algumas instituições já tem tomado, vide o Movimento pela Integridade no Esporte, que conta com a participação de grandes clubes brasileiros como São Paulo, Atlético MG, Athletico e Vasco.
Importante destacar que investir em um departamento de compliance não é e jamais deve ser considerado como objetivo fim de um clube. Clubes são fomentadores de entretenimento e nisso devem estar seus maiores esforços.
Contudo, assim como as entidades investem em departamentos jurídicos para garantir a viabilidade e formalização contratual dos seus negócios, em Recursos Humanos gerenciar melhor os talentos internos, em Tecnologia para entregar melhores soluções para o torcedor e para os departamentos de futebol, investir em compliance é um movimento em busca de fazer tudo que já está sendo feito, só que do jeito certo. Perdendo menos e com possibilidades reais de ganhar mais.
Texto de José Modena