Se há não muito tempo já foi possível falar em uma vida privada dos jogadores entre uma partida e outra, hoje não se pode mais dizer o mesmo. Para além dos 90 minutos, os atletas se tornaram protagonistas de um ecossistema de negócios, aberto 24h por dia, que conta com clubes, empresários, intermediários, patrocinadores, imprensa, influencers, e faz girar bilhões de dólares a cada ano, entre salários, luvas e contratos de patrocínio.
Não se trata de apenas mais um mercado rentável, mas sim do único mercado centrado no que há de mais visceral no ser humano: a paixão pelo futebol. Como é dito no filme “O Segredo dos seus Olhos”, quanto ao Racing Club, de Avellaneda, “As pessoas podem mudar tudo. De cara, de casa, de família, de namorada, de religião, de Deus. Mas tem uma coisa que não se pode mudar, Benjamin, não se pode mudar de paixão”.
E, de alguns anos para cá, essa paixão, antes reservada aos Clubes, se estendeu para além das suas cores e passou a ser contabilizada em favor das grandes estrelas. O PSG perdeu 2.000.000 de seguidores em sua conta no Instagram, enquanto o Inter Miami herdou mais de 3.000.000 com a ida de Messi para a Flórida; já o Al Nassr, com a chegada de Cristiano Ronaldo, pulou de cerca de 800 mil para mais de 9 milhões. Se Messi tem 496.000.000 e CR7 595.000.000, ao atravessar o campo na direção do ginásio e ingressar nas quadras da NBA, deparasse com os 100.000.000 de LeBron James, a deixar para trás, somados, os números de seguidores da NFL, NHL, MLB, MLS e da própria liga de basquete.
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Texto de Gabriel Klein.
Os principais jogadores e seu staff sabem do valor que movimentam e cada vez mais se asseguram de ter um planejamento de marketing desde o início das carreiras. Porém, enquanto toda a atenção está voltada à construção da marca, a sedução pelos holofotes encobre a percepção dos riscos que podem fazê-la perder valor e até mesmo se esfacelar, levando consigo os esforços de uma vida, altas quantias e repercutindo nos demais profissionais vinculados ao atleta. A ampliação do alcance e da visibilidade, ao mesmo tempo em que representa oportunidades, traduz-se em riscos para o ecossistema. E isso não pode ser perdido de vista.
Se o direito está na regulação de todas as atividades, o Direito Criminal, hoje, passa a estar no painel de controle das carreiras dos atletas. Crimes sexuais, violência doméstica, manipulação de resultados, golpes financeiros, extorsões, por exemplo, passaram a integrar a pauta de sites esportivos e de posts em redes sociais envolvendo atletas seja como atores principais, coadjuvantes ou vítimas. Se, no passado, quando algum jogador se envolvia em alguma questão criminal, isso tinha uma repercussão limitada no alcance e no tempo, hoje, não há limites espaciais e o que é publicado não se esquece. O que interessa à notícia e à opinião pública são o evento e a fogueira digital, não as explicações estruturais do que aconteceu.
Falar em riscos criminais assusta. Crime é algo que gostamos de acreditar que está sempre mais próximo dos outros do que de nós. Porém, o incômodo do tema não justifica mais afastar este aspecto estratégico ao planejamento da carreira e da marca dos atletas. É possível apagar incêndios, mas é melhor evitá-los. Uma atitude deixa marcas, a outra não. A diferença está na coragem de se dizer verdades, de se encarar problemas, identificar potenciais riscos e antecipar-se a eles, a partir da apresentação adequada de respostas.
Qual o enfrentamento e a abordagem poderiam ter sido dados por Cuca quando o tema de Berna foi ressuscitado? Deveria o Santos ter verificado a condição legal de Robinho na Itália e os elementos do processo antes de sua contratação? Caindo novamente no basquete, as condutas de Ja Morant já sinalizavam a possibilidade de futura punição? São perguntas que poderiam ter sido feitas no momento
adequado, a partir da percepção de que as páginas policiais, antes separadas das do esporte, hoje se confundem e não encontram mais barreiras físicas ou de pauta.
Texto de Felipe de Oliveira e Mariana Gastal