Propositivo ou reativo? Eis a classificação que sempre se aplica para determinar se um time teria uma propensão, no primeiro caso, a ser ofensivo e trabalhar com a posse de bola ou, no segundo caso, mais defensivo e utilizar os contra-ataques como arma.
Contudo, futebol não é tão simples como parece ser e essas duas expressões não podem ser aplicadas para classificar alternativamente uma equipe ou outra em função da referência da posse, tendo em vista que também é possível propor sem bola, ao tempo que reagir ao adversário não necessariamente precisa estar restrito ao ato de defender em linhas baixas para se utilizar de contra-ataques, conforme será visto em sequência.
Em primeiro plano, chamo a atenção para semântica dos verbos “propor” e “reagir”, pois o aquele tem como significado iniciar a ação, ofertar a outra parte ou pôr diante de, enquanto o segundo está consubstanciado em agir em resposta a um determinado estímulo. Ou seja, ambas as palavras não trazem qualquer laço com ofensividade ou defensividade, consubstanciando, em verdade, no agente que está no comando da ação ou que reage ao estímulo.
A título de exemplo, cabe imaginar, em jogo com bom nível e entre adversários organizados, uma equipe que tem a posse e leva a bola para espaços vazios no campo de ataque contra oponente que marca por zona, a qual se trata de tipo de marcação que tem como referência o espaço do campo. À primeira vista, o leitor deste texto, por ouvir, costumeiramente, os termos “propositivo” e “reativo” atrelados, respectivamente, a equipes ofensivas e defensivas, pensou, de plano, que o propositor seria o time com bola, ao passo que o reator seria o adversário que se defende.
No entanto, respeitando a máxima de refletir em relação ao jogo e provocar àquele que acessa o presente escrito, faz-se premente o questionamento: No exemplo acima, quem está no real domínio da ação? Lógico, mais uma vez, não é tão simples quanto parece ser. O espaço vazio pode ser tanto uma oferta intencional do time que se defende, mas também é possível que se trate de um espaço criado propositadamente por dinâmicas ofensivas de quem possui a bola e, isto posto, está atacando.
Tudo depende de qual equipe está no domínio, em maior grau, da própria intenção dentro de campo, gerando algum tipo de vantagem a partir do presente estado, independentemente da ocorrência ou ausência de posse, bem como do momento ofensivo ou defensivo praticado.
O time detentor da posse, destacado no exemplo acima, para ter proatividade naquele instante da partida, precisa fazer as suas intenções, através dos princípios e subprincípios treinados regularmente, se concretizarem, de modo que leva a bola para determinadas zonas do campo e relaciona as conexões entre os entes da equipe com várias ações geradas a partir de movimentos que estão liberando determinados setores, justamente por existir um entendimento de quais zonas devem ser ocasionadas diante da manipulação do adversário.
Noutro giro, o time que está sem posse e, no momento em questão, se defende por zona, pode muito bem ter o intuito de induzir o adversário para determinado espaço ou setor do campo, cuja ação defensiva, através de coberturas, superioridade numérica, zonas de pressão e a prática dos mais variados princípios e subprincípios defensivos, gerará um estado de dominância dentro daquele instante da partida, possibilitando, assim, a manipulação do adversário, mesmo no momento em que não tem a bola, à intenção ora posta.
Por mais que pareça inacreditável aos olhos de muitos, o que é esperado diante dos rótulos fortificados diariamente pelos mais variados agentes do jogo, a lógica comumente veiculada em relação à proposição se inverteu.
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Ainda que a proatividade tenha sido o ponto fulcral analisado no exemplo anterior, como caracterizar a reação? A reação nada mais é do que responder as ações do adversário, tanto no momento com bola, quanto no momento sem bola.
Exemplificando, cumpre projetar uma equipe que está com a posse da bola, completamente postada no campo de defesa do adversário e não consegue, de maneira nenhuma, obter êxito no que diz respeito à penetração da defesa adversária para finalizar com perigo, situação que, provavelmente, gerará a reação de chegar à finalização através de cruzamentos. Ainda que a equipe tenha a bola por mais tempo, a verdade é que não domina as próprias ações/intenções a ponto de chegar ao gol adversário ou sequer finalizar e, por isso, reage à conduta de quem controla as próprias ações/intenções.
Mesmo diante da existência de inúmeros exemplos para desmistificar a forma como se utilizam os termos “propositivo” ou “reativo” por grande parte da crônica esportiva, torcedores, entusiastas do esporte e tantos outros agentes do jogo, para além dos cenários já mencionados, pode-se dizer que, no futebol, a proatividade é o domínio da ação/intenção e a reação seria uma resposta à referida ação/intenção por parte de quem não a tem, existindo, eventualmente, a inversão frequente e quase que implacável desses estados durante os noventa minutos de uma partida.
Dentro da perspectiva plural do jogo em si, da complexidade de cada equipe como uma espécie de organismo vivo, bem como do aspecto contextual de cada enfrentamento, urge entender que dá para ser ofensivo e proativo, defensivo e proativo, reativo e ofensivo, assim como reativo e defensivo, não sendo necessário, portanto, criar definições tão absolutas e sem margem para flexibilidade ofertada pelo futebol.
O detalhe mais importante de ser percebido, de modo a combater essa dualidade automática que acomete a qualificação do futebol por parte de determinados agentes do esporte, é que ambos os times em disputa, dentro das próprias características nas suas ações/intenções, seja no momento ofensivo ou defensivo, com bola ou sem bola, podem estar em estado propositivo ao mesmo tempo, mas, tratando-se de uma competição, fatalmente um vai superar o outro.
Isto é, o determinismo consistente em “Se não é proativo, então é reativo” ou “Se não é reativo, então é proativo”, sob o qual se colocam, especifica e respectivamente, as figuras da equipe que se defende e do time que detém a bola na maior parte do tempo, se mostra insubsistente para caracterizar o contexto multifatorial inato ao jogo de futebol.
Considerando o fato de que o jogo é cíclico nas suas fases, seja nas organizações ofensiva e defensiva, seja nas transições ofensiva e defensiva, bem como a presença de minutagem de duração longa e extremamente mutável a cada minuto de jogo, faz-se necessário, desde já, o entendimento de que os verbos anteriormente mencionados não podem resumir a complexidade do jogo a compartimentos estanques, nos quais a dualidade consequencial se opera quase que automaticamente.
Texto de Mauro Maia, do Los Futebólicos.